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O senhor dos anéis

Astrônomo do Observatório Nacional, Felipe Braga-Ribas inscreve seu nome na história da exploração espacial ao descobrir massas de fragmentos cósmicos que orbitam um pequeno asteroide nos confins do sistema solar

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 13h10 - Publicado em 9 abr 2014, 19h25
Tomás Rangel (Felipe), Eso (fundo estrelado)
Tomás Rangel (Felipe), Eso (fundo estrelado) (Redação Veja rio/)
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A cada dois meses, Felipe Braga-Ribas, de 31 anos, se dirige ao Galeão para embarcar rumo a destinos remotos, como os confins do Deserto do Atacama ou a Ilha da Tasmânia, junto à costa da Austrália. Cada temporada no exterior dura em média quinze dias e costuma envolver altas doses de aventura. Não, o jovem com pinta de surfista não é aventureiro nem esportista radical. Quando chega a esses lugares remotos, ele olha para o céu. Mais especificamente, para um ponto a mais de 2 bilhões de quilômetros da Terra. Braga-Ribas é astrônomo do Observatório Nacional, em São Cristóvão, onde realiza um pós-doutorado em astrofísica planetária. E percorre o mundo em busca dos melhores pontos para observar e desvendar os segredos do espaço. Na quarta (26), a publicação de um estudo coordenado por ele na prestigiada revista Nature causou alvoroço na comunidade científica, sendo noticiado por redes de televisão internacionais como a britânica BBC e a americana CNN. Ao observar um pequeno asteroide batizado de Chariklo, que vaga quase nos limites do sistema solar, o cientista identificou dois anéis de fragmentos cósmicos girando ao seu redor. Com isso, derrubou uma espécie de consenso entre os especialistas de que apenas grandes planetas, como Saturno e Urano, possuem tais estruturas. Graças às suas observações, sabe-se agora que pequenos blocos de rocha, corpos ínfimos dentro da imensidão sideral, também podem ser circundados por esses fenômenos. Para um leigo, a revelação pode ser irrelevante, mas ela está provocando uma revisão completa do que se conhece sobre o assunto. “Essa formação pode nos dar pistas preciosas sobre a formação do sistema solar”, acredita Bra­ga-Ribas. “Assim como ajudar a entender melhor a origem dos planetas”, conclui o descobridor, que batizou as duas formações identificadas por ele como Oiapoque e Chuí.

Tratado como feito histórico, a descoberta de Braga-Ribas o coloca no primeiro time de estudiosos do cosmo. O momento-chave da pesquisa se deu na noite de 3 de junho do ano passado. Sob a coordenação do astrônomo do Observatório Nacional, uma equipe de sessenta especialistas de diversos países, distribuídos entre Chile, Argentina, Brasil e Uruguai, voltou os olhos e telescópios para o Chariklo, uma espécie de pelota cósmica de 250 quilômetros de diâmetro ? ou menos de um décimo do tamanho da Lua. O objeto passaria na frente de uma estrela longínqua, provocando um eclipse. Chamado por estudiosos de “ocultação estelar”, esse fenômeno é utilizado para observar detalhes de corpos que vagam no espaço e que se tornam visíveis contra a luz da estrela. Apesar da duração curtíssima, de apenas doze segundos, o eclipse permitiu aos cientistas ver que o asteroide não viaja sozinho, mas em companhia de duas aglomerações de partículas de água de gelo (veja detalhes no quadro ao lado). “Foi um desafio enorme. Para efeito de comparação, é como se observássemos uma moeda de 1 real a mais de 200 quilômetros de distância”, conta.

Nascido em Curitiba, Braga-Ribas apaixonou-se pelos mistérios do céu quando estudava física na Universidade Federal do Paraná. Motivado pela família, mudou-se para o Rio, em 2007, para cursar astronomia no Observatório do Valongo, na UFRJ. Em 2011, partiu para uma temporada de dois anos de estudos no Observatório de Paris-Meudon, na França. A obsessão com que vasculha o sistema solar rendeu ainda passagens engraçadas. Certa vez, quando ainda morava com os pais em Curitiba, decidiu construir um observatório no telhado, com direito a teto retrátil e telescópio. “Antes, tive de convencer minha mãe de que a casa não alagaria quando chovesse”, lembra, às gargalhadas.

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Praticada desde as mais antigas civilizações, a astronomia exige hoje muito mais que telescópios potentes. A ciência de vasculhar o céu se tornou de tal forma complexa que uma pesquisa como a dos anéis de Chariklo chega a envolver profissionais de dezenas de países e demorar anos até que se obtenham dados concretos. É uma maneira de diluir os pesados custos e compartilhar a escassa mão de obra qualificada para essas observações. Fluente em espanhol, francês e inglês, Felipe Braga-Ribas rotineiramente troca centenas de informações com pessoas dos quatro cantos do planeta, tarefa em que precisa vencer não somente as dificuldades dos experimentos em si, mas também as diferenças culturais. “Enquanto um americano responde a um e-mail em menos de cinco minutos, franceses demoram dois dias”, compara. “Já os japoneses retornam uma semana depois, com textos enormes”, diver­te-se. Um dos colegas com quem se comunica regularmente é o astrônomo José Luís Ortiz, professor do Instituto de Astrofísica da Andaluzia, em Granada, na Espanha. Admirador da voracidade com que o jovem brasileiro se dedica aos estudos, Ortiz é todo elogios. “Ele estabeleceu conexões com cientistas em diversos países”, diz. “Isso o levou a um aprendizado amplo de múltiplas disciplinas, o que, por sua vez, o credencia a ter sob sua tutela pesquisadores altamente experientes.”

Escarafunchar o cosmo atrás de novidades requer habilidades que a maioria das pessoas nem sequer suspeita. Uma das principais atividades de Bra­ga-Ribas é determinar de antemão os pontos exatos do planeta em que ocorrerão fenômenos relacionados às suas pesquisas. O passo seguinte é correr para a internet e buscar a colaboração de cientistas locais. Nem sempre os encontra, como aconteceu quando decidiu observar o planeta Vênus em um vilarejo de mineradores em pleno deserto da Austrália, em 2012, cercado de cangurus. “Na última hora, conheci por lá um veterinário apaixonado por astronomia, que me cedeu seu equipamento por uma noite. Isso me poupou um trabalho enorme”, relembra. Já no minúsculo arquipélago de Cabo Verde, na costa africana, não havia ninguém disponível. É aí que sua vida ganha ares de Indiana Jones. “Assim que desembarcamos, causamos sensação com nossos equipamentos”, conta ele, que reservou uma pousada no interior do país para registrar um evento cósmico. “No final deu certo, mas tive um trabalho enorme para convencer o gerente do hotel em que me hospedei a apagar todas as luzes durante aquela noite”, recorda. Quem associa a imagem de Braga-Ribas à de um cientista maluco ou nerd metido com números e livros se surpreende. Casado com a advogada Giovanna Santos e morador de Botafogo, ele até gosta da série The Big Bang Theory, sobre um grupo de astrônomos atrapalhados. Mas, nos fins de semana, troca o telescópio pela prancha de surfe. Também pratica mergulho e sabe velejar.

Acervo Observatório Nacional
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Ao lado do Jardim Botânico, o Observatório Nacional é pioneiro na pesquisa científica no Brasil. O centro teve papel crucial na formação da elite dos pesquisadores brasileiros e chegou a ser visitado por Albert Einstein em meados do século passado. Dali saíram personalidades da ciência nacional como o folclórico astrônomo Ronaldo Mourão. Debilitado pela idade, ele mora dentro do câmpus e costuma ser visto pelas janelas de sua casa desfrutando sua extensa biblioteca. Na nova geração de pesquisadores, além de Braga-Ribas, destacam-se Daniela Lazzaro (ela mapeia asteroides com risco de colisão com a Terra), Renato Dupke (dedicado a construir um novo observatório para mapear o universo) e Luis Nicolaici da Costa (estudioso de computadores e softwares ultrapotentes para dados de levantamentos astronômicos). “Até 2016, vamos dar início a mais dois projetos de grande porte, com investimento calculado em 20 milhões de reais”, conta o diretor do Observatório Nacional, João Costa dos Anjos. “A astronomia está cada vez mais internacionalizada, e vamos ter participação ativa neste processo”, afirma. Além de estudar o cosmo, o observatório possui um centro de geofísica, que exerce papel fundamental nas pesquisas de bacias petrolíferas. Nos últimos anos, a Petrobras investiu cerca de 30 milhões de reais na modernização de laboratórios que, entre outras atribuições, são capazes de medir o risco de atividades sísmicas em poços de petróleo.

Uma vez publicados os resultados sobre os estudos de Chariklo, Bra­ga-Ribas se dedica a novas observações nos arredores desse corpo celeste, na região chamada Cinturão de Kuiper, formada por milhões de asteroides. Prestes a embarcar numa nova epopeia científica, ele planeja ver um eclipse no próximo semestre em um lugar remoto, desta vez no interior da África do Sul. Além das aventuras, prepara-se para ser pai pela primeira vez ? sua mulher está grávida de uma garotinha. De olho no futuro, já se imagina contemplando as estrelas com a filha. “Vou mostrar a ela quanto o universo é bonito e ao mesmo intrigante.” Com certeza também mostrará o lugar onde ficam os dois anéis que ele marcou no céu.

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