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Amor clandestino

Os lugares e as estratégias adotados pelos amantes em seus encontros furtivos e que levaram o Rio a ser apelidado de ?cidade das escapadinhas?

Por Bruna Talarico
Atualizado em 2 jun 2017, 13h09 - Publicado em 16 abr 2014, 16h57
Ilustração Nik Neves
Ilustração Nik Neves (Redação Veja rio/)
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Na cena inicial do filme americano Feitiço do Rio (Blame it on Rio), o personagem de Michael Caine, Matthew, faz uma reflexão sobre o Brasil: “São Paulo é o lugar do trabalho. A diversão acontece é no Rio ? para todos os efeitos, a mais excitante e sensual cidade em todo o mundo”. Era a deixa para que ele aproveitasse uma viagem de férias pela cidade para trair sua mulher com a filha do melhor amigo. Naquele Rio pintado por Hollywood no início dos anos 1980, macacos e tucanos irrompiam em meio aos nativos enquanto a licenciosidade sexual servia de apoio ao pitoresco enredo. Caricatural e simplista, tal retrato se sustenta no estereótipo de que, por aqui, tudo é permitido, e transgressões como a infidelidade são vistas com naturalidade. Trinta anos depois, essa imagem segue firme, gostemos ou não. No fim do ano passado, a rede social canadense AshleyMadison.com, que se autodefine como “o maior site de traição do mundo”, com atuação em 35 países, apelidou a capital de “a cidade da escapadinha”. O motivo para essa afirmação é bem objetivo: o Rio é o lugar com o maior número de inscrições femininas entre todos onde o site funciona. Os cariocas também lideram o ranking nacional em uma ferramenta chamada Homem Viajante, que conecta os assanhados a mulheres de outras cidades dispostas a encarar um affair. Em 2013, o número de infiéis fluminenses cadastrados no site aumentou 62%, o maior crescimento registrado no país. “O Rio é um catalisador dos prazeres do corpo e da beleza. Da mesma forma que acontece em outras cidades portuárias, como Amsterdã e Marselha, esse lugar tem uma forte cultura associada ao sexo”, teoriza o sociólogo sueco Göran Therborn, autor do livro Sexo e Poder e professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Está mais fácil pular a cerca nos dias de hoje, não há dúvida disso. Novidades como o AshleyMadison.com e seu maior concorrente, o norueguês VictoriaMilan.pt, são apenas alguns dos recursos disponíveis na internet para quem quer se aventurar pelo universo das paixões furtivas. Desde o onipresente Facebook até ferramentas mais pontuais, como o aplicativo Tinder, que localiza pelo celular potenciais parceiros dentro de um raio de ação específico, os recursos tecnológicos multiplicaram exponencialmente as chances de um homem ou uma mulher insatisfeitos com o casamento, namoro ou noivado conhecer outros candidatos para suprir suas carências. Da mesma forma, programas para troca de mensagens, fotos e vídeos, como o WhatsApp, ajudam os amantes a enviar uns aos outros juras de amor e combinar seus encontros com maior rapidez ? ainda que esses aplicativos estejam longe de ser infalíveis no quesito segurança. “O mundo digital abriu perspectivas para os relacionamentos extraconjugais de forma inédita”, explica a psicóloga carioca Cynthia Dorneles, autora do livro A Amante Ideal, no qual esmiúça sua experiência clínica nesse assunto. “Se, no passado, os homens galanteadores chegavam a manter cinco casos fora do casamento, hoje podem buscar na rede quantas relações forem capazes”, compara.

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Para aqueles que caíram em tentação via internet, um alerta: do mesmo modo que há uma profusão de programas que facilitam a escapada, também existem os que miram justamente o lado oposto. Um deles é o Rastreador de Namorado, disponível no site de mesmo nome. Uma vez instalado no celular da vítima, compartilha dados sigilosos como SMS, ligações e até a localização via GPS. O coup de grâce do dispositivo consiste em uma ligação do aparelho vigiado para o vigilante sem que o rastreado perceba, transmitindo as conversas ou os sons captados no momento da chamada. “Como trair se tornou muito fácil, a desconfiança chegou a níveis absurdos”, diz Matheus Grijó, de 26 anos, diretor de tecnologia da NG Sistemas, a criadora do aplicativo. “Saber o que o parceiro está fazendo é tudo o que as pessoas sonham; portanto, nada mais natural que atender a essa necessidade”, justifica. Polêmico, o programa foi lançado na loja virtual do Android, mas acabou removido e restrito ao site da empresa, que oferece o serviço por uma mensalidade de 4,99 reais.

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Ilustração Nik Neves
Ilustração Nik Neves ()

O ritual de sedução via internet mudou radicalmente a maneira de encontrar e cortejar parceiros, mas a consumação da paixão em si segue praticamente os mesmos parâmetros de sempre, com uma ou outra concessão aos novos tempos. Motéis e hotéis dentro e fora do perímetro urbano vencem como os locais preferidos para instalar o ninho de amor. Flats na região da Barra oferecem conforto e privacidade a quem dispõe de recursos e pode montar um posto avançado para encontros fixos, à moda das antigas garçonnières, também conhecidas popularmente como cafofos. As praias oceânicas de Niterói são as escolhidas para os idílios ao ar livre, enquanto restaurantes e bares com pouca luz estão entre os pontos eleitos para matar aquela vontade irresistível de ver o amado ou a amada, ainda que em pleno horário do expediente (veja o quadro ao lado). “Nesse aspecto, a tradição ainda fala alto, principalmente quando se leva em conta que muitos casais mantêm o relacionamento paralelo por um bom tempo e sempre estão buscando momentos de intimidade”, diz o investigador particular Rogê Castello Branco, indicado pelos principais escritórios de advogados especializados em direito de família.

A aparente tolerância com que os cariocas tratam os casos extraconjugais não significa que estes sejam recebidos com naturalidade por quem foi passado para trás. Pelo contrário, tais pecados provocam estragos estrondosos em casamentos ? não raro publicamente. Colunistas sociais sempre abordaram relacionamentos desfeitos, reconhecimento de filhos ilegítimos e relatos de esposas ou maridos expulsos de casa como notícia de primeira grandeza. Da mesma forma, são notórios os casos em que socialites flagradas com o marido de outra acabam relegadas à Sibéria da alta-roda, banidas de festas, eventos e jantares. Nesses episódios, o delito maior não é trair, mas sim ser pego em flagrante. Apesar de não ser mais relevante para o processo de divórcio, a traição ainda é um fator determinante para os processos de separação. Provas inquestionáveis de que um homem mantém uma mulher ou uma família paralela podem influenciar na partilha dos bens e, dependendo do caso, render até mesmo uma ação por danos morais por parte do traído. “Com os recursos disponíveis, é possível conseguir muito material que comprove a traição. Tais provas acabam servindo para influenciar a decisão do cliente em permanecer ou não casado”, ilustra o advogado Paulo Lins e Silva. Há, no entanto, quem prefira seguir outra linha. “Considero uma péssima orientação profissional recomendar a coleta de provas de infidelidade para uma ação de divórcio”, diz o advogado Sérgio Calmon. “Eu vou sempre dizer para meu cliente esquecer isso e olhar para a frente, tentar ser feliz.”

A história do Rio é repleta de casos que reforçam a tese daqueles que defendem a infidelidade conjugal como parte do ethos carioca. Os dois monarcas brasileiros que governaram o país no século retrasado mantiveram amantes a curta distância do leito imperial. Dom Pedro I elegeu Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, como sua teúda e manteúda por sete anos, instalou-a em um solar nos arredores do Palácio de São Cristóvão e deu-lhe quatro filhos. Imposta à corte, ela foi aceita a contragosto. Pedro II foi bem mais discreto na relação que manteve por décadas a fio com Luisa Margarida Portugal e Barros, a condessa de Barral, preceptora de suas filhas, as princesas Isabel e Leopoldina. Já no regime republicano, o presidente Washington Luís era tão depravado que ganhou a alcunha de Rei da Fuzarca. Em 1928, uma discussão acalorada entre o presidente e Elvira Vishi Maurich, sua jovem amante italiana, transformou um dos quartos do Copacabana Palace em cena de crime: a mocinha deu um tiro no amante, embora a versão oficial tenha transformado o ferimento em uma crise de apendicite do governante. Seus sucessores, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, também protagonizaram casos tórridos, tendo compartilhado inclusive uma mesma paixão ? a vedete Virgínia Lane. “O Rio tem elementos perfeitos para aventuras românticas. Ao charme da Paris tropical somava-se a excitante atmosfera do poder, um traço que resiste firme até hoje”, explica o jornalista Maurício Oliveira, autor de Amores Proibidos na História do Brasil. Enquanto fazia pesquisas para o livro, Oliveira se surpreendeu com a quantidade de crimes passionais que ocorreram por aqui, tendo o ciúme e a infidelidade como elementos de combustão. É o caso do assassinato do escritor Euclides da Cunha pelo amante de sua mulher, em 1909. Uma prova, entre tantas outras, de que o Rio é, sim, uma cidade movida por paixões. Das mais tórridas às mais violentas.

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