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Olha a chuva! É mentira…

Levantamento realizado por VEJA RIO mostra que os meteorologistas dos quatro principais centros do país ainda estão muito longe de conseguir prever com antecedência e exatidão as condições do tempo para a cidade

Por Bruna Talarico
Atualizado em 5 jun 2017, 14h12 - Publicado em 23 jan 2013, 18h29

Às 5 da tarde do dia 5, a Praia de Ipanema estava tomada de barracas nas quais turistas e moradores se refugiavam do calor e do sol forte. Uma cena típica de verão, tal qual na Praia de Copacabana (acima), mas que, no entanto, contrariou todas as previsões feitas três dias antes pelos institutos de meteorologia, que vaticinaram variados tipos de chuva para aquele sábado ? na verdade, não caiu uma gota na cidade durante todo o dia. O erro não foi um caso isolado. Por dez semanas, entre 31 de outubro do ano passado e o último dia 6, VEJA RIO coletou, sempre às quartas-feiras, as previsões para os fins de semana nos sites do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe), do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e dos privados Climatempo e Somar Meteorologia. Dos 35 dias avaliados, o acerto médio ficou entre nove e doze dias, um padrão que varia de 25% a 34%. Pelos critérios internacionais, para o mesmo período, a média de acerto considerada satisfatória é de pelo menos 60%. Na avaliação, que levou em conta condições gerais como sol, céu nublado, chuva contínua ou em pancadas, foram comuns divergências entre as próprias previsões realizadas pelos especialistas. “A sensação é que a meteorologia ainda não é uma ciência com base em indicadores físicos e matemáticos. Se você pedir a dois profissionais de um mesmo centro que elaborem previsões com base nos mesmos dados, eles vão produzir prognósticos diferentes”, afirma Alfredo Silveira da Silva, coordenador de graduação do curso de meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e representante da categoria no Conselho Regional de Engenharia do Rio de Janeiro.

Em uma cidade marcada pelas belezas naturais e pelo relevo acidentado, em que as atividades ao ar livre são parte da vida dos moradores e visitantes, as previsões de tempo bom ou ruim influenciam desde a decisão do carioca de ir ou não à praia até o faturamento de hotéis e restaurantes. Isso para não falar na possibilidade de prevenir catástrofes, retirando moradores de áreas sujeitas a enchentes e deslizamentos que costumam acompanhar as chuvas torrenciais típicas do verão. Mas nem sempre elas acertam e exemplos não faltam (confira a tabela ao lado). O descompasso entre a previsão e o que ocorre de fato é histórico, e chegou a render episódios folclóricos no passado. Em dezembro de 2001, o então chefe do Inmet na cidade, Luiz Carlos Austin, previu a formação de nuvens pesadas que provocariam chuva, trovoadas e até granizo na festa de réveillon em Copacabana. O Ano-Novo, entretanto, veio com céu limpo e estrelado. Irritado, o então prefeito Cesar Maia ameaçou processar Austin por afugentar os turistas e causar prejuízos financeiros ao município. “A previsão local, regionalizada e feita com muita antecedência, ainda é passível de muitos erros”, diz Olívio Bahia, do CPTEC/Inpe, o mais bem equipado centro de previsão do país, que, mesmo assim, cravou apenas onze acertos no levantamento de VEJA RIO. “O prognóstico depende muito da época do ano e do sistema que está atuando. O verão, por exemplo, é uma estação bem complicada.”

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Prever o tempo nos trópicos exige destreza e profundo conhecimento dos fatores climáticos locais. A imensa maioria dos modelos matemáticos utilizados para realizar as previsões, compostos de milhares de equações que simulam as condições atmosféricas, está baseada em dados observados em latitudes médias, pois foi desenvolvida em situações de clima temperado. Assim, nenhum dos sistemas de análise criados a partir desses modelos alcança o mesmo resultado em regiões de temperaturas elevadas e grandes instabilidades como o Rio. É consenso entre os especialistas que, na Região Sul do país, tais modelos funcionam bem. Mas, no Sudeste, só se costuma obter boas previsões no inverno, quando a atmosfera está menos sujeita a grandes variações. Além disso, a existência de duas grandes baías (Guanabara e Sepetiba) e cadeias de montanhas (maciços da Tijuca e da Pedra Branca) complica as previsões por aqui. “Toda essa beleza tem seu preço. A condição geográfica do Rio é um dos maiores empecilhos para previsões mais acuradas”, justifica Lúcio de Souza, do Inmet.

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Dotado de 34 estações de monitoramento em uma área relativamente pequena do ponto de vista geográfico, o estado do Rio de Janeiro é o mais bem observado do país. No Sumaré, um radar meteorológico foi instalado para vigiar as condições do tempo depois que chuvas torrenciais provocaram o caos na capital em abril de 2010. É desse aparelho que partem os alertas sempre que nuvens carregadas ameaçam desabar sobre nós. Ainda que pequena quando comparada ao padrão internacional, tal rede seria até razoável se funcionasse a contento. A estação meteorológica do Alto da Boa Vista, responsável por fornecer as mínimas de temperatura e as máximas pluviométricas, por exemplo, foi depredada em dezembro e ficou vários dias sem funcionar. A boia marítima que desde novembro de 2011 coleta dados meteorológicos em Cabo Frio, entre os quais o fluxo das correntes e a temperatura do mar, costuma ser alvo de vandalismo. Desinformados, pescadores usam essa boia para amarrar embarcações, inutilizando assim a principal ferramenta para a emissão de avisos de ressaca no litoral fluminense. Cada vez que isso acontece, a Marinha, dona do aparelho, gasta 700?000 dólares para religá-lo. “O equipamento funciona como uma salvaguarda para os casos em que o modelo numérico nos fornece uma informação ilógica ou superestimada. Quando ele fica fora do ar, a previsão perde em confiabilidade e precisão”, afirma a capitã de fragata superintendente de meteorologia e oceanografia Emma Giada Matschinske.

Embora tenha a maior rede de observação e estudos climáticos da América do Sul, o Brasil ainda engatinha no monitoramento de suas condições espaciais. Na sede do CPTEC/Inpe, em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, é possível perceber as limitações para prever o tempo. Ali está instalado, desde 2010, o supercomputador Tupã, uma das máquinas mais poderosas do mundo para esse tipo de tarefa. Desde o início do ano, os meteorologistas utilizam um novo software capaz de analisar 1,6 milhão de dados simultâneos. Apesar da máquina poderosa e do programa de primeira linha, os técnicos do instituto têm uma base muito limitada de dados climáticos para abastecê-los. As informações usadas são captadas em 476 estações automáticas de medição climática e 287 convencionais, concentradas principalmente junto às regiões mais populosas. A distância média entre elas é de 100 quilômetros, enquanto na Europa gira em torno de um quarto disso. Sem satélite próprio, o país depende de imagens enviadas por instituições parceiras no exterior, que nem sempre atendem a todas as necessidades dos cientistas. Para efeito de comparação, a Agência Nacional de Atmosfera e Oceanos dos Estados Unidos (NOAA) dispõe de dois satélites meteorológicos estacionários e outros trinta em órbita. Graças a recursos como esses, o Centro Nacional de Furacões conseguiu prever com exatidão a área do estado de Nova Jersey, na costa leste do país, que seria mais atingida pela passagem da tempestade Sandy. “Aqui, previsão do tempo é coisa séria. Não é uma questão de nos vangloriarmos de nossos acertos, mas de proteger a vida humana”, explicou a VEJA RIO José Galvez, pesquisador da NOAA.

Desde que deixou as cavernas, a humanidade tem verdadeira obsessão pelo clima. Antes mesmo de as grandes civilizações do mundo antigo surgirem, já existiam xamãs e feiticeiros encarregados de predizer se as colheitas seriam fartas e as pessoas estariam livres de catástrofes naturais como secas, inundações, invernos ou verões inclementes. A primeira tentativa de previsão do tempo registrada remonta aos tempos do rei assírio Assurbanípal e foi escrita em placas de argila (“Quando surgir um halo escuro em torno da Lua, o mês terá chuvas”, sentenciava). Apesar de o interesse ser tão antigo e longevo, foi nos últimos 100 anos que o homem realmente pôde decifrar os mais importantes segredos do tempo, graças à ajuda de computadores, aparelhos de medição de alta precisão e satélites de observação. Por aqui, mesmo com todos os problemas e dificuldades, passos importantes vêm sendo dados nos últimos anos em busca de maior qualidade nas previsões. Ainda assim, é sempre bom carregar um guarda-chuva para eventuais surpresas.

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