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De volta à Idade da Pedra

Antiga mina de calcário desativada há quase três décadas, o Parque Paleontológico de Itaboraí guarda tesouros da pré-história no Brasil

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 13h05 - Publicado em 25 jun 2014, 18h01
Selmy Yassuda
Selmy Yassuda (Redação Veja rio/)
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Nos arredores da cidade de Itaboraí, a 64 quilômetros do Rio, uma vasta área de 100?000 metros quadrados e natureza quase intocada chama atenção por dois elementos criados pelo homem: um lago artificial ladeado por um paredão rochoso com 70 metros de altura. Remanescentes dos tempos em que o terreno era um polo de extração de calcário, abandonado há quase três décadas, o lago e o penhasco guardam verdadeiros tesouros de um passado remoto. Especialistas acreditam que ali podem estar vestígios não só dos primeiros fluminenses como também das populações mais antigas do Brasil, que viveram na região há dezenas de milhares de anos. No local já foram encontrados fósseis de plantas e animais, além de objetos que se acredita serem artefatos fabricados por homens pré-históricos. Batizada de Parque Paleontológico de Itaboraí, a área antes praticamente restrita a pesquisadores e cientistas agora oferece visitas guiadas a qualquer pessoa que se interesse pelo assunto. Ninguém deve esperar encontrar, porém, um parque dos dinossauros com atrações espetaculares. Longe disso. A estrutura ainda é espartana e fica aquém da sua relevância científica. O acesso é ruim, há famílias invasoras vivendo no terreno e o museu é modesto. Na parte externa, o destaque são as trilhas e deques recém-reformados que levam ao reservatório e às rochas estratificadas. “Trata-se do sítio arqueológico mais importante das Américas”, entusiasma-se a arqueóloga Maria Beltrão, 79 anos, diretora do parque.

Tomás Rangel
Tomás Rangel ()

É uma tese ousada. Ainda mais levando-se em conta que há no país outros santuários arqueológicos com grande notoriedade científica, como o da Serra da Capivara, no Piauí, repleto de fascinantes pinturas rupestres, e a região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, onde foi encontrado o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo do Brasil, com cerca de 11?500 anos. Em Itaboraí, as descobertas mais expressivas dizem respeito a artefatos de pedra usados por ancestrais dos indígenas fluminenses. São pelo menos onze tipos de pedregulho que especialistas acreditam ter sido utilizados por homens primitivos como ferramentas para cortar, esmagar, perfurar ou entalhar, todas pertencentes ao período Pleistoceno, compreendido entre 11?500 e 2,5 milhões de anos atrás. Dessa época, também foram encontrados no terreno fragmentos de ossos de um mastodonte e de uma preguiça-gigante, cuja réplica pode ser vista no museu local. Fósseis de um xenungulado, um dos mamíferos mais antigos das Américas, de um ancestral da ema (Diogenornis fragilis) e de um tatu (Riostegotherium yanei) apontado como o mais antigo do mundo também foram achados no local. Todos os três datados de cerca de 60 milhões de anos. “Nossa intenção é implementar a estrutura do parque para atrair não só o meio acadêmico como o público em geral”, afirma André Barros Pereira, secretário de Meio Ambiente de Itaboraí.

Tomás Rangel
Tomás Rangel ()

Toda essa coleção de preciosidades arqueológicas foi descoberta por acaso. No início do século passado, a área pertencia a uma fazenda, comprada pela Companhia Nacional de Cimento Mauá, que explorou o calcário. O mineral foi usado na produção de concreto em obras emblemáticas, como o Estádio do Maracanã e a Ponte Rio-Niterói. Os indícios iniciais de que não se tratava de um lugar qualquer surgiram no processo de exploração, com escavações e explosões. Foram os trabalhadores da fábrica que acharam os primeiros vestígios de animais petrificados. Quando o calcário se esgotou, em 1984, o que sobrou foi uma imensa depressão, que, ao atingir um lençol freático, virou um lago artificial. Mas, desde os anos 1970, Itaboraí já atraía arqueólogos e pa­leon­tó­lo­gos. A própria Maria Beltrão, conhecida como a Indiana Jones brasileira, realiza prospecções no local faz quatro décadas. Ainda assim, há muito que explorar. A diretora acredita, por exemplo, que pode sair dali um crânio humano de 2 milhões de anos, o chamado Homo habilis, cujo exemplar mais antigo data de 1,9 milhão de anos e que só foi encontrado na Ásia e na Europa. Tal achado, se acontecer, pode virar de cabeça para baixo as noções que temos hoje sobre a expansão do homem pelo planeta.

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