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Caça ao tesouro

Com a profusão de obras para os grandes eventos esportivos e a necessidade de uma licença para construir em locais com potencial histórico, os arqueólogos do Rio nunca tiveram tanto trabalho

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h34 - Publicado em 18 abr 2012, 20h46
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escavacao-1.jpg (Redação Veja rio/)
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No imaginário popular, o trabalho de um arqueólogo remete a sítios ancestrais e tem como ícone o intrépido Indiana Jones vivido nas telas por Harrison Ford. Em busca de relíquias como o Santo Graal ou a Arca da Aliança, o personagem se envolve em aventuras arrojadas, cheias de ação. Uma caricatura enganosa, pois, na prática, a rotina da profissão se mostra diferente. Ter espírito destemido ajuda a superar as adversidades do trabalho de campo, mas a magia que muitos associam ao ofício termina aí. A etapa posterior às escavações revela um lado mais metódico da atividade. É quando chega a hora de analisar, detidamente, os minúsculos fragmentos pinçados do subterrâneo e montar o quebra-cabeça do passado. Embora a rotina não tenha todo esse glamour que se imagina, nunca foi tão promissor investir na carreira como agora. Há oportunidades de sobra desde que, em 2002, a legislação brasileira passou a exigir a inspeção do terreno antes de qualquer construção de impacto ambiental ou em área de potencial histórico. Com o boom imobiliário e a ampliação das obras públicas, a demanda por esses profissionais aumentou consideravelmente. Se em 1995 havia sete trabalhos do gênero em andamento no país, em 2010 o Iphan, órgão responsável pela emissão da licença, analisou cerca de 1?000 pedidos, envolvendo realizações díspares que vão da construção de shoppings à abertura de estradas.

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No Rio de Janeiro, o contexto é particularmente promissor, devido à profusão de intervenções urbanísticas que preparam a cidade para receber a Copa do Mundo e a Olimpíada. Há cinco ações de grande proporção em curso. ?É uma carreira em ascensão. Sou do tempo em que os pesquisadores ainda pagavam para trabalhar?, afirma Tania Andrade Lima, funcionária do Museu Nacional e supervisora da operação de escavação no Cais do Valongo, principal porta de entrada de escravos no início do século XIX. Iniciadas há um ano, as prospecções nesse trecho da zona portuária propiciaram que ela fizesse sua descoberta mais impactante. Ao investigar o terreno entre as ruas Coelho e Castro e Sacadura Cabral, Tania topou com as ruínas do ponto de desembarque dos cativos e encontrou pedaços de objetos trazidos por eles na travessia do Atlântico. Entre os achados há peças usadas em rituais sagrados e amuletos para a proteção do corpo, como pulseiras, dentes de animais, cristais, búzios e moedas de cobre. Dentro de contêineres instalados ao lado da área em questão, a equipe de 25 pessoas coordenada por Tania cuida da coleta, lavagem, secagem e numeração desses milhares de fragmentos, que serão encaminhados para a reserva técnica do Museu Nacional. ?É o material de maior interesse científico encontrado até hoje por aqui, pois revela a diversidade dos povos africanos mandados para cá?, afirma. Fascinada desde menina pelas sociedades antigas, Tania era diretora financeira de uma escola quando decidiu dar uma guinada na carreira. Nos anos 70, no Rio, integrou a primeira turma da Faculdade de Arqueologia Marechal Rondon, única graduação nessa área existente no país à época e que fechou as portas no fim da década de 90. Fez especialização no Museu Nacional, estagiou em Paris e, na volta, ingressou no doutorado na Universidade de São Paulo. Desde então, dedica-se a esquadrinhar sociedades pré-históricas e povos sambaquis.

Por ter sido capital da colônia, do Império e da República, o Rio compila preciosidades históricas como nenhum outro lugar do país, sejam elas relíquias visíveis ou escondidas no subsolo. O Centro, em especial, onde a cidade floresceu e se desenvolveu, é uma autêntica Disneylândia para a turma que cavouca o subterrâneo em busca de conexões com o passado. A paulista Erika Marion Robrahn-González coordena desde dezembro as escavações na Praça Mauá e na Rua Primeiro de Março. Já deparou com calçamentos antigos, edificações do século XIX e canhões de ferro fundido do Arsenal da Marinha. Foram desenterradas também 50?000 peças, boa parte delas cachimbos e moedas do tempo do imperador. Todo o material será encaminhado ao laboratório de arqueologia da Uerj, para dar origem a um museu virtual.

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Numa região próxima, nos arredores do Mosteiro de São Bento, foi concluído recentemente o trabalho em três lotes que serão ocupados por um edifício-garagem. Estruturas remanescentes de imóveis seiscentistas, um aqueduto, uma fonte e cacos de porcelanas chinesa e inglesa foram encontrados. ?Todas as peças estão diretamente ligadas ao mosteiro?, afirma a arqueóloga Jeanne Ribeiro. Graduada em história, Jeanne fez sua especialização no Museu Nacional. Como geralmente acontece nos setores com grande demanda de mão de obra, a arqueologia sofre com um gargalo. Um complicador para a formação de novos profissionais é a falta de cursos de graduação. São apenas onze no país, nenhum deles no Rio nem em São Paulo. Jeanne, por exemplo, teve de trazer colegas de outros estados para integrar sua equipe. Com o intuito de incrementar as pesquisas, sobretudo em rincões pouco explorados, ela integrou um grupo de alunos e técnicos que fundou o Laboratório de Arqueologia Brasileira, em 2003. Em seus vinte anos de atividade, Jeanne fez revelações marcantes. Em um sítio histórico no balneário de Búzios, encontrou uma fogueira com restos humanos, o que pôs em xeque conceitos até então largamente aceitos. ?Ali tivemos a certeza de que o nativo daquela região comia gente?, diz. Para entender o passado é preciso primeiro olhar para baixo.

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