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Apaixonados pelo Rock in Rio

Desde a primeira edição, realizada há 26 anos, uma legião de fãs históricos não perde a chance de participar do maior evento musical da América do Sul. Alguns vão aproveitar para levar também seus filhos

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h50 - Publicado em 16 set 2011, 16h07

Para a maioria dos fãs que esperam ansiosamente o início do Rock in Rio, na próxima sexta (23), o evento significa a grande oportunidade de ver ali, bem de pertinho, ídolos como as cantoras Rihanna e Kate Perry ou os ingleses do Snow Patrol e do Coldplay. Muitos deles estarão no festival pela primeira vez. Mas, quando os primeiros acordes soarem em Jacarepaguá, um grupo de apaixonados experimentará uma sensação diferente, mistura de saudosismo e excitação. Não tão jovens, já quarentões, pelo menos, eles estiveram em cada uma das edições brasileiras do festival. Lembram-se de todos os detalhes, especialmente da primeira vez, no longínquo verão de 1985. Naquele momento, o país vivia os estertores do regime militar e a probabilidade de a cidade se tornar escala em turnê de um grande artista internacional era remotíssima. Foi compreensível, portanto, o delírio coletivo quando o vocalista do Queen, Freddie Mercury, morto em 1991, entoou Love of My Life, com 250?000 pessoas cantando em coro, na noite de abertura. O estatístico Perez Beneques, 43 anos, estava lá. “Foi incrível. Guardo até hoje os ingressos e as luvas fluorescentes que foram distribuídas para a gente acenar da plateia”, diz. Desde então, tornou-se um voraz colecionador de tudo o que diz respeito ao Rock in Rio e, claro, frequentador assíduo. “Agora estou me preparando para ver Metallica, Guns N? Roses e Elton John.”

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Existem acontecimentos muito especiais que têm o poder de marcar para sempre a vida das pessoas que os testemunharam. Há quem se lembre exatamente do que fazia no momento em que as imagens de Neil Armstrong caminhando pela Lua foram exibidas na televisão, em julho de 1969. Quase todos recordam o que sentiram há dez anos ao ver as torres gêmeas desabando em Nova York, no dia 11 de setembro. É óbvio que um festival de rock não tem a relevância desses dois fatos históricos, mas ainda assim é capaz de se fixar de forma inseparável à trajetória de muitos que o viram. Em alguns casos, o próprio destino acaba dando uma ajudinha extra para que o episódio fique sempre na memória. Veteranos nos shows, o empresário carioca Ralf Furtado, de 41 anos, e a curitibana Karina Dei Ricardi, de 39, se conheceram no dia 20 de janeiro de 1991, no segundo Rock in Rio, realizado no Maracanã. O primeiro beijo foi trocado entre as apresentações de Guns N? Roses e Faith No More. Nesta semana, levarão seus filhos, Bruno, de 9 anos, aspirante a baterista, e Henrique, de 8, que já arrisca alguns acordes na guitarra, à Cidade do Rock. “Eles vão entender como tudo começou”, diz Furtado.

fotos arquivo pessoal
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Entre os que compareceram às três edições anteriores, é consenso que a primeira, pelo ineditismo e vibração, foi incomparável. A briga fica mais acirrada para saber qual das outras duas ocuparia o segundo lugar. Chefe da emergência do Hospital Samaritano, o médico Luís Fernando Correia, de 50 anos, não tem dúvida. Em 1985, ainda estudante e sem dinheiro para pagar o ingresso, arrumou emprego no quiosque de uma cervejaria para poder entrar. Em 1991, já empregado, conseguiu comprar os tíquetes e assistir aos shows colado ao palco. No entanto, nenhuma edição foi tão emblemática quanto a última, de 2001. Na noite de 18 de janeiro daquele ano, levou a enteada adolescente à apresentação da popstar americana Britney Spears. Sua mulher, grávida de nove meses, ficou em casa. Foi só Correia voltar para que sua mulher entrasse em trabalho de parto. Seu filho, Bernardo, nasceu poucas horas depois. “O Rock in Rio é um símbolo poderoso para minha geração, e é no mínimo curioso o fato de meu filho ter nascido durante o festival”, afirma ele. Assim como os filhos de Ralf e Karina, Bernardo passará por seu ritual de “batismo” nos dias 23 e 29. “Espero que seja uma experiência tão importante para ele quanto foi para mim”, deseja Correia.

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Além das três edições por aqui, o Rock in Rio armou seu palco em outras seis ocasiões fora do país, quatro em Portugal e duas na Espanha. Ao todo, 5 milhões de pessoas assistiram a 656 bandas, chegando-se a um total de 780 horas de música. De uma programação inicial voltada para o rock e para o pop, ao longo dos anos o evento se rendeu à globalização musical, promovendo uma mistura de ritmos. Neste ano, a constelação de convidados traz estilos tão diversos quanto a MPB de Milton Nascimento, o axé de Claudia Leitte, o heavy metal de Motörhead e a soul music de Janelle Monáe. Não importa a atração, o analista de sistemas carioca Leonardo Cruz, de 49 anos, que há dez mora em Portugal, estará lá. Até onde se sabe, ele é o único espectador que foi a todos, aqui e lá fora. Cruz é conhecido nos bastidores como o fã número 1 do festival. Com tantas participações, o que não lhe falta são histórias curiosas. Uma delas aconteceu logo em 1985. Às vésperas da festa, começaram a circular notícias sobre uma profecia de Nostradamus segundo a qual haveria naquele ano uma tragédia num encontro de jovens na América do Sul (e olha que não existia internet). Temeroso dos boatos, o analista decidiu ficar em casa no primeiro dia. Como nada aconteceu, na noite seguinte ele caiu na farra. Em Portugal, onde o Rock in Rio começou sua internacionalização, chegou a chorar ao ver a brasileira Ivete Sangalo abrir uma das noites. Para ir agora a cinco dos sete dias de apresentações, tirou férias no banco em que trabalha e deixou a mulher e o filho, de 6 anos, em Lisboa. “Embora não seja exatamente uma novidade para mim, eu sempre me surpreendo”, explica.

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Descendente direto de grandes festivais, como o de Monterey, que revelou Janis Joplin e Jimi Hendrix, e o de Woodstock, o mais emblemático evento da era hippie, de 1969, o Rock in Rio já nasceu com grandes ambições. Sua estrutura inicial, com um único palco, foi se aperfeiçoando no decorrer da história e ganhou diversos espaços para diferentes tipos de show. A mudança segue a tendência dos maiores encontros de música do mundo, como o de Glastonbury, que acontece a cada verão na cidade de mesmo nome, próxima a Londres, e conta com uma dezena de arenas. Nesta décima edição do evento brasileiro, o público poderá se dividir entre dois locais de apresentação e a Rock ­Street (rua inspirada em Nova Orleans), que terá performances de jazz e outros gêneros. Uma pista de dança com música eletrônica, uma roda-gigante e uma tirolesa também estarão à disposição dos que quiserem espairecer em meio à vasta oferta de 108 atrações.

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É uma estrutura que a carioca Valéria Sorrentino, de 40 anos, conhece como poucos. Fã assumida do festival, ela é hoje peça fundamental na sua engrenagem. Atual coordenadora de logística, Valéria supervisiona a hospedagem e a locomoção dos artistas, que, acompanhados de suas equipes, somam 2?000 pessoas. No verão de 1985, aos 14 anos, foi a uma única noite de show, a do dia 20, que tinha como atrações o grupo Yes e a cantora Nina Hagen. A madrinha a levou, junto com sua irmã mais velha e uma amiga. Antes mesmo de o grupo combinar um ponto de encontro, a irmã e a amiga se perderam em meio a 200?000 pessoas. As duas adolescentes buscaram ajuda no posto do Juizado de Menores, que providenciou um carro para levá-las para casa após as apresentações. “Aquela primeira edição já mostrou profissionalismo”, lembra Valéria, que agora assistirá aos espetáculos com crachá da equipe de organização.

[—FI—]

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Como todo evento de grandes dimensões, o Rock in Rio foi alvo de robustas polêmicas. Uma das principais dizia respeito ao abismo de qualidade que existia entre os shows dos artistas nacionais e os das bandas estrangeiras, com seu aparato de som de altíssima tecnologia. Convidados de última hora, os Paralamas do Sucesso, por exemplo, estrearam na versão inaugural em um esquema totalmente improvisado, sem banda de apoio nem cenário, e tendo apenas um vaso com uma palmeira como recurso cenográfico. O grupo havia acabado de lançar seu segundo LP, O Passo do Lui, e o cantor Herbert Vianna aproveitou a oportunidade para passar um sabão na plateia, que vaiava sistematicamente as atrações brasileiras. Hoje, a possibilidade de situações como essa se repetirem é remota. Poucas pessoas acompanharam tão de perto as transformações do festival como o cantor e guitarrista Roberto Frejat. Junto com a paraibana Elba Ramalho, ele é o recordista de participações. Frejat se apresentou na primeira e na terceira edição com a banda Barão Vermelho, e no próximo dia 1º subirá ao palco para um solo. “Foi um divisor de águas para o showbiz brasileiro”, recorda ele. “Até então, nunca tínhamos tocado para mais de 100?000 pessoas. A música acabava e os aplausos vinham em coro. Era de arrepiar.”

Frejat não está sozinho em sua admiração. Os integrantes do Queen consideraram sua apresentação ali uma das cinco melhores da história da banda. James Taylor chegou a compor uma música depois da experiência, a balada Only a Dream in Rio. O Iron Maiden transformou o show de janeiro de 2001 em um DVD ao vivo. Cássia Eller, que morreria onze meses depois de sua apresentação, declarou que aquele era o seu Woodstock pessoal e, em um show inspirado, cantou Come Together, dos Beatles, e Smell Like Teen Spirit, do Nirvana, em homenagem a Curt Cobain (que se suicidou em 1994). Para Michael Stipe, vocalista da banda americana REM, que tocou na mesma edição, foi um dos espetáculos mais emocionantes de sua vida. É óbvio que, em 26 anos de história, houve momentos ruins. Em 1991, o cantor Lobão foi alvo de copos e garrafas disparados por seguidores do Sepultura. Na versão seguinte, houve um constrangimento geral quando se percebeu que Britney Spears cantava com a ajuda de playback. Mas nem de longe esses episódios abalaram o fascínio exercido pelo Rock in Rio ou a emoção que os fãs sentem ao ouvir de novo os versos: “Todos numa direção / Uma só voz, uma canção / Todos num só coração, um céu de estrelas”.

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