Carioca no Chile: menos apocalipse, mais pragmatismo nas ruas de Santiago
Para o músico e escritor Brenno Quadros, que vive no Chile desde 2017, a impressão é de que a pandemia é só mais um dos problemas
“Dizem que mar calmo nunca fez bom marinheiro. Os chilenos que o digam. Terra de terremotos, tsunamis, vulcões, o Chile é um país de extremos. Quem mora aqui convive diariamente com uma sensação de que tudo pode desmoronar de uma hora para a outra (às vezes até literalmente).
A primeira vez em que fui tomado por essa sensação angustiante foi no dia 18 outubro de 2019. Me arrumava para ir a uma festa em um karaokê no bairro Bellavista, o mais boêmio de Santiago, quando um outro tipo de terremoto atingiu o país: o terremoto social. Ah, sim, faltou explicar essa parte: aqui a política é assunto tão sério quanto os terremotos, tsunamis ou vulcões.
Furiosos com o aumento no valor das passagens do metrô, os chilenos foram às ruas. Até aí tudo normal. Afinal, eles sempre fazem isso, ao menor sinal de abuso por parte dos governantes. Mas dessa vez quiseram deixar bem claro que não estavam de brincadeira. Em uma fração de segundos vi Santiago, uma cidade conhecida por sua limpeza e organização, virar uma praça de guerra.
O metrô santiaguino, considerado um modelo para América do Sul, teve 79 das suas 136 estações incendiadas. O país, de Norte a Sul, parou e, de certa forma, está parado desde então, aguardando uma Assembleia Nacional Constituinte. Mas por quê falo de terremotos e política enquanto uma pandemia coloca o mundo inteiro em estado de alerta?
Sinto que aqui no Chile, nesse país sempre recheado de incertezas, a chegada do coronavírus não me pareceu gerar tanto pânico como gerou no Brasil, por exemplo. Afinal: os chilenos já estão acostumados com as peças que a natureza costuma nos pregar, de tempos em tempos. Estão acostumados com a destruição e a reconstrução, como uma coisa cíclica. Parece que a sensação geral é a de “ó céus, aqui vamos nós mais uma vez”. A reação do povo chileno talvez seja um pouco menos apocalíptica e mais pragmática: o problema está aí. E agora, quais são os procedimentos para enfrentarmos isso?
Um dos motivos de maior preocupação no momento é própria Assembleia Nacional Constituinte, que estava marcada para acontecer em abril. Uma parte dos chilenos afirma que essa é a prioridade absoluta, que as reformas que precisam ser feitas (inclusive na área da saúde, que foi privatizada na ditadura de Pinochet) não podem mais esperar. Surgem algumas dúvidas: teria como realizar o plebiscito à distância, evitando grandes aglomerações de pessoas? E os protestos nas ruas, que estavam a mil, é hora de dar uma pausa? Ou isso vai parecer, aos olhos dos governantes, que nós desistimos de lutar? E os nossos idosos, ficarão desprotegidos, dado que ainda não conquistamos o direito à uma saúde universal?
No meio dessa nuvem de dúvidas, o impacto do coronavírus na economia chilena já é bastante nítido. O turismo, por exemplo, despencou. Aliás, vale lembrar que o Chile é um país pequeno, de pouco mais de 17 milhões de habitantes, com uma economia menor ainda: grosso modo, o Chile vive da produção de cobre, de vinhos e… Do turismo.
Muitas agências de viagens, que já caminhavam com dificuldades desde o estalido social em outubro do ano passado, agora fecharam suas portas em definitivo. Muitos hotéis que iriam ser inaugurados entre março e abril adiaram suas datas de inauguração de forma indefinida. Muitos funcionários do ramo ou foram demitidos ou foram forçados a sair de licença não-remunerada, também sem saber exatamente quando voltarão a trabalhar.
Nas próximas semanas, o número de casos de infecção por coronavírus muito possivelmente ainda vai subir no país, infelizmente. Mas a ideia geral também é a de que o espírito coletivo chileno vai sobressair às irresponsabilidades individuais, e que, em um par de meses mais, o surto será controlado. Então, nada de pânico! Afinal: já vivemos tantos outros terremotos…”
*Brenno Quadros é músico e escritor. Vivendo em Santiago, capital do Chile, desde 2017, ele já considera um ‘brachileno’. Em depoimento a Marcela Capobianco.