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Papando mosca

Cardápios com erros de português e traduções desastradas para o inglês são frequentes nas boas mesas da cidade

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 dez 2016, 15h27 - Publicado em 15 ago 2012, 19h57

A dois anos do início da Copa do Mundo e quatro da Olimpíada, o Rio já começa a sentir o peso de se tornar sede de eventos de tal magnitude. Desde 2010, o fluxo de turistas cresceu 15% e uma série de iniciativas tem sido tomada para adequar a cidade a seu papel de anfitriã ? da construção de hotéis e corredores de trânsito à ampliação do metrô. Até mesmo bares e restaurantes seguem engajados nesse esforço para tornar a capital fluminense mais cosmopolita, ao oferecer menus bilíngues para os visitantes de fora. Louvável e oportuna, a medida no entanto se transformou em vitrine do grau de improvisação e amadorismo que marca esse setor, crucial na economia carioca. A partir da análise de 350 cardápios, VEJA RIO constatou que 50% deles apresentavam erros (veja dez deles no quadro ao lado). Embora os mais comuns sejam as barbeiragens relacionadas à acentuação e grafia dos termos, como o queijo gorgonzola que virou gorganzola no classudo Gero, há casos dignos de figurar nos espetáculos de stand-up comedy. No Colher de Pau, em Ipanema, por exemplo, um estrangeiro que chegar com sede ao restaurante provavelmente ficará intrigadíssimo ao analisar as opções de bebida. A palavra kill (matar, assassinar, em inglês), acreditem, é usada para descrever o copo de mate. “Contratamos uma tradutora que não tinha familiaridade com o assunto. Já estamos em busca de alguém para refazê-lo”, justifica Lucy Kaner, dona do estabelecimento.

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[—FI—]

Não é preciso quebrar a cabeça para entender o que leva os restaurantes e bares a cometer tais atentados contra o vernáculo, seja ele pátrio ou estrangeiro. A utilização indiscriminada de tradutores de idioma oferecidos gratuitamente na internet tem levado a barbaridades em todos os campos, dos manuais de instrução de aparelhos importados aos trabalhos escolares. No caso dos restaurantes, os pratos transcritos de forma literal acabam dificultando a vida de estrangeiros ao oferecer iguarias com nomes enigmáticos e sem nenhuma pista a respeito dos ingredientes ou forma de preparo. Em Copacabana, o Bar Pierrot oferece carne de sol como sun meat, e o Flor do Inhangá chama o arroz à grega simplesmente de rice à la greek, sem mencionar as passas, a cenoura, a ervilha e o pimentão usados na guarnição. Há quem vá ainda mais longe. Confundindo-se com os chamados falsos cognatos, palavras estrangeiras que encontram versões similares em português, mas de significado diferente, muitos restaurantes pisam na bola. No tradicional Alvaro?s, no Leblon, escalopes à bagnone viram scalops with madeira wine. O problema é que a palavra scalop não existe na língua inglesa e o termo mais próximo dela, scallop, com o “l” dobrado, significa vieira, um fruto do mar. “O turista que não consegue entender o cardápio fica desestimulado para circular por outros bares e restaurantes. Acaba parando no McDonald?s, que é igual no mundo todo e não conhece a gastronomia local”, acrescenta Pedro Delamare, diretor do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro.

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A enorme quantidade de erros nos cardápios é a face mais evidente – e documentada – de uma crise no serviço dos estabelecimentos ligados à gastronomia. Maîtres que desconhecem regras básicas, funcionários displicentes que conversam entre si em vez de estar atentos aos clientes e a completa ignorância dos garçons sobre os pratos da casa são tão frequentes que é comum ver paulistanos usarem a qualificação “serviço de carioca” quando são mal atendidos em São Paulo. Segundo o conceito desenvolvido pelas casas cinco-estrelas do mundo, a boa recepção é a que tem uma combinação de simpatia, atenção e eficiência e que abre caminho para a grande atração do lugar, a comida. Por aqui, não é raro acontecer justamente o contrário, mesmo nas cozinhas estreladas. “Quando o visitante finalmente tem o prato diante dele, muitas vezes já perdeu boa parte da vontade de saboreá-lo depois de ser submetido a uma longa espera, ver os amigos do chef e celebridades passarem à sua frente e deparar com atendentes que se consideram estrelas”, explica o consultor Jayme Drummond.

Atento a essa deficiência, o sindicato planeja inaugurar até o fim do ano um curso voltado para os garçons, nos mesmos moldes daquele que já está disponível aos profissionais da cozinha. Serão vinte horas em sala de aula para tratar de temas como boas maneiras e técnicas de atendimento. Iniciativa semelhante já vigorou em Paris, a cidade que mais recebe turistas em todo o mundo. “Muitos donos de restaurante acreditavam que era o turista que precisava se adaptar ao serviço francês, e não o contrário”, reconhece Francis Attrazic, presidente da Associação Francesa de Maîtres Restaurateurs. Para reverter esse quadro e incentivar a simpatia dos atendentes, o governo promoveu uma campanha antes da Copa da França, em 1998, com o intuito de explicar a importância da atividade no desenvolvimento da economia local. Funcionou. Em muitos estabelecimentos que antes esnobavam clientes que se comunicavam apenas em inglês, hoje a recepção é bem menos ríspida. Finalmente perceberam que a boa educação, assim como o dinheiro, não tem fronteiras.

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