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Chefs fora da lei

A vaidade supera as regras da Anvisa entre os cozinheiros que fazem vista grossa às regras sanitárias e adotam o visual barbudo

Por Rafael Cavalieri
Atualizado em 2 jun 2017, 13h04 - Publicado em 16 jul 2014, 20h43

A convite do Grupo Fasano, o chef italiano Luciano Boseggia desembarcou no Brasil em 1985. Do país natal, além das facas de estimação e das receitas, trouxe uma barba grande e desgrenhada que lembrava a de um motoqueiro fanático por máquinas Harley Davidson. Os restaurateurs do grupo bem que tentaram, mas de nada adiantaram os pedidos para que o cozinheiro adotasse a cara limpa. Se fosse hoje, entretanto, tal negociação deixaria de ser uma simples questão de estética entre empregado e empregador. Segundo as novas regulamentações técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que entre outras atribuições determina as boas práticas para serviços de alimentação, o uso de barba não é mais permitido dentro das cozinhas. E isso seja qual for o tamanho. Esteja por fazer ou comprida, ela é terminantemente proibida, pelo menos nos bastidores dos salões. Boseggia, de 66 anos e radicado no Rio como mestre-cuca do prestigiado Alloro, na cobertura do hotel Windsor Atlântica, já recebeu inclusive uma advertência, mas ainda assim insiste em manter o cavanhaque que exibe no comando da casa de Copacabana. “Essa lei é ridícula, um exagero que não existe em lugar nenhum do mundo. O que não pode é servir algo estragado, passar doenças. Isso sim é um problema”, protesta.

Se nos anos dourados da gastronomia francesa, quando Paul Bocuse e Pierre Troisgros inventaram a nouvelle cuisine, a barba era uma exceção, hoje, por efeito da moda que valoriza queixos cabeludos, ela se tornou quase uma regra no cenário da gastronomia mundial. Entre os dez primeiros colocados na última lista da revista britânica The Restaurant, publicada em abril, seis deles exibem os fios do rosto. Inclusive René Redzepi, tetracampeão da eleição à frente do dinamarquês Noma. Por aqui, também não é diferente. Além de Boseggia, outros cozinheiros responsáveis por endereços prestigiados, como Rafael Costa e Silva, do Lasai, Paolo Lavezzini, do Fasano Al Mare, e Thomas Troisgros, do grupo que leva o sobrenome da família, adotaram o estilo no dia a dia. Mesmo cientes da proibição. “Não vou me submeter a uma imposição antiquada como essa”, contesta Pedro de Artagão, dono do Irajá Gastrô e mais um da turma de barbudos bons de fogão. “Minha equipe nem sequer usa touca ou chapéu, e ainda assim minha cozinha é tão limpa que eu poderia comer no chão”, exagera ele, que estabeleceu como regra o uso de gel por todos os funcionários para, pelo menos, assentar a juba da moçada.

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A teimosia dos chefs cariocas em não seguir a determinação federal tem dado trabalho aos órgãos responsáveis pela fiscalização. Segundo números da Vigilância Sanitária do Rio, de janeiro a maio deste ano, dos 2?366 autos de infração em restaurantes da cidade, 396 deveram-se a problemas de higiene. Entre eles, uniformes fora do padrão, funcionários com adornos como anéis e pulseiras e a tão polêmica barba. “Os caras acham que podem fazer o que quiserem porque são famosos, ganharam prêmios ou vieram de fora. Não é assim que funciona por aqui”, diz o superintendente do órgão, Luiz Carlos Coutinho. “Assim como os fios de cabelo, os pelos da barba também podem cair na comida”, explica. Na prática, após a primeira notificação de irregularidade, os cozinheiros têm até trinta dias para se adequar. No fim desse perío­do, uma nova inspeção é feita e, caso nenhuma providência tenha sido tomada, uma multa de pouco mais de 1?200 reais é aplicada. Os chefs, pelo visto, preferem ignorar a norma. Para eles, a estampa pessoal está além das panelas.

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