Sobre viajar e não turistar
"Turistas não sabem onde estiveram. Viajantes não sabem para onde irão" (Paul Theroux)
Nasci em uma família de viajantes, meus pais sempre viajaram muito. Muitas vezes sozinhos e outras tantas com a filharada toda dentro de uma Veraneio verde. Atravessávamos o Brasil para chegar a uma praia deserta bem no alto do Nordeste ou então nos aventurarmos por países da América Latina, como Uruguai ou Argentina.
Passar o verão em casa ou no balneário ao lado nunca era suficiente e lá íamos nós outra vez para destinos onde eu nunca encontrava um colega de escola.
Acho que acabei herdando esse germenzinho. Gosto de me sentir viajante muito mais do que turista. Não consigo conceber viajar através de pacotes onde tudo está previsto e controlado, passar por cidades e países como se rolasse por fotos de Instagram. Dessa forma seria melhor ver tudo pela internet e ficar em casa. Prefiro me aventurar no estrangeiro e experimentar o estranhamento de uma nova cultura, observar a vida seguindo num ritmo e movimento diferentes do que estamos acostumados a viver. Experimentar novos cheiros e sabores, que podem estar na Amazônia ou na China.
Ah, e os sabores… Para mim parte fundamental de qualquer viagem. E não é só por que trabalho com eles. Muito antes de decidir ter um restaurante, minhas viagens já tinham um viés que passava pela boca, tanto pelo que revela de uma cultura, quanto por, mais tarde, permitir que você faça novamente a viagem, sem sair do lugar, como uma madeleine numa xícara de chá.
Também já fiz escolhas erradas, motivada por imagens oníricas em tons turquesas rodeando uma ilhota de praias brancas, perdida no meio do oceano Índico, bem depois de Madagáscar. De fato, era a definição de um paraíso tropical. Só que a tal belíssima ilha, nada mais era do que uma sucessão de resorts para endinheirados europeus. As fotos não mentiam, as praias eram lindas, mas era um lugar sem alma, totalmente fabricado e cujas características insossas se refletia, é claro, na comida – uma pálida dublê da culinária internacional. É impressionante como a cultura e personalidade (ou falta delas) se refletem na comida .
Praia por praia, ficaria em Fernando de Noronha. Ou em Algodões, Moreré e tantas outras possibilidades que temos aqui no quintal de casa.. Muito mais perto e volto carregada de sensações genuínas.
Desse dia em diante, passei a escolher com muito mais critério os meus destinos de viagem. Não basta ser lindo. Tem que ter estória, ser capaz de emocionar e de ampliar, nem que seja um pouquinho, a visão que se tem do mundo.
Foi em uma dessas viagens cheias de cor, história e sabor que o Zazá Bistrô nasceu. Há quase 25 anos viajei à Tailândia com meu marido e ficamos fascinados com a arte e os sabores da culinária de lá. Era algo que seduzia os cinco sentidos, na apresentação, nas texturas, no olfato e finalmente na boca. Voltamos de lá inspirados. No começo o Zazá Bistrô tinha um forte acento tailandês.
Depois da Tailândia, o Atacama virou uma salada de quinua; o Perú se transformou em ceviche; Granada de influência árabe inspirou a nossa versão de shishbarak; Marrocos a pastilla, México polvilhou drinks com chilis inesperados e o Brasil continua fonte inesgotável de ingredientes e inspirações.
A música e as paredes, mutantes também, são transformadas a cada viagem, assim como minha alma e minhas idéias.
Como Mark Twain já dizia, “Viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e as ideias limitadas; só por isso, muitas pessoas precisam muito viajar. Não se pode ter uma visão ampla, abrangente e generosa dos homens e das coisas vegetando num cantinho do mundo a vida inteira.”
Isabela Piereck é chef e empresária, dona do restaurante Zazá Bistrô, em Ipanema, e do Zazá Bistrô Café, no Leblon
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