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Por Marcelo Copello, jornalista e especialista em vinhos
Marcelo Copello dá dicas sobre vinhos
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Bordeaux: os detalhes da classificação de 1855

Grand Cru* Classé en 1855. Dizeres como este aparecem em diversos rótulos de vinhos bordaleses

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Atualizado em 27 abr 2017, 13h56 - Publicado em 27 abr 2017, 13h51

Por Marcelo Copello

Grand Cru* Classé en 1855. Dizeres como este aparecem em diversos rótulos de vinhos bordaleses e se referem a uma classificação dos vinhos do Médoc (sub-região de Bordeaux) feita neste célebre ano. Quase 160 anos depois esta hierarquia ainda é de grande relevância, eternamente polêmica e (como vamos provar) essencialmente ainda coerente. A seguir dissecaremos esta classificação, sua história, curiosidades e, em um raríssima degustação de TODOS os 61 Grands Crus Classés de 1855,  proporemos algo ousado: uma reclassificação desta quase dogmática hierarquia.

*Cru, palavra francesa que em tradução literal significa “crescido”, designa vinhos de um vinhedo/origem específica.

Antes de 1855

No excelente livro “1855 – a history of the bordeaux Classification” o autor Dewey Markham Jr. lista duas dúzias de classificações pré 1855, e cita a existência de outras tantas.

É um erro pensar que só houve esforços para hierarquizar os vinhos de Bordeaux em 1855. Desde o século XVII, quando a região começou a exportar seus vinhos, estes começaram a ser informalmente classificados pelo trade e por consumidores. O próprio governo de Bordeaux já havia proposto em 1740 uma classficação dos vinhos, com o intúito de cobrar impostos diferenciados.

E porque a obsessão por classificações? Maquiavel nos ensinou: dividir para conquistar. Em uma região que hoje conta com cerca de 9 mil produtores de vinho é natural que se tente separar o joio do trigo.

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É bom lembrar também que não apenas Bordeaux foi alvo de ordenações em seus produtos. Vários autores da época propõem classificações de vinhos de outras regiões e países. O livro “A history and description of modern wines”, de Cyrus Redding, lançado em 1833 (portanto 22 anos antes da classificação oficial de  Bordeaux),  já ordenava vinhos como de “primeira classe”, “segunda classe” e “terceira classe” (já com Margaux, Lafite, Latour e Haut-Brion listados como primeiros), e hierarquizava também vinhos da Itália, Espanha, Canárias, Alemanha, Portugal, Hungria, Austria, Eslovênia e Africa do Sul.

De longe, contudo, Bordeaux sempre liderou como região alvo de classificações. Vários autores pré 1855 publicaram em livro suas hierarquias, como Guillaume Lawton (1815), Wilhelm Franck (1845) e Charles Cocks (1846), além do presidente americano Thomas Jefferson, que visitou a região em 1787 quando chefiava a embaixada dos EUA na França. Mas porque Bordeaux? Enquanto os champagnes são grandes marcas, com vinhos elaborados com uvas de vários vinhedos, que podem mudar a cada safra, e a Borgonha é constantemente frangmentada em uma infinidade de proprietários com produções ínfimas, Bordeaux está lá, quase imutável. Bordeaux consegue o feito único no mundo de ter uma grande quantidade de grandes vinhos – os mesmos vinhos – com poucas modificaçõe nos seus vinhedos e nomes, com qualidade consistente, que pode ser rastreada ao longo de séculos, conquistando assim uma inigualável reputação internacional.

A exposição universal de 1855

A Grande Exposição de Londres em 1851 (ou Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations) foi um estrondoso sucesso. 15 mil expositores ocuparam 20 mil metros quadrados do palcácio de cristal no Hyde Park, para mostrar as conquistas da era vitoriana e da revolução industrial.

A França não poderia ficar atrás. Paris, que havia sofrido uma extensa reforma urbana promovida por Georges-Eugène Haussmann, ostentavam amplos boulevards e queria demosntrar sua prosperidade. A Exposição Universal de 1855, em Paris (ou Exposition Universelle des produits de l’Agriculture, de l’Industrie et des Beaux-Arts), durou 6 meses, de 15 de maio a 15 de novembro e superou os ingleses. Foram 5,2 milhões de visitantes e expositores de 34 países espalhados por 160 mil metros quadrados.

A classificação 1855

Uma exposição que apresentasse os melhores produtos da França não estaria completa sem os vinhos de Bordeaux. Assim Napoleão III encomendou à Câmera de Comércio de Bordeaux (Chambre de Commerce de Bordeaux) uma classificação dos vinhos.

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Com o óbvio prenúncio de reclamações por parte dos produtores, esta tarefa foi passada ao Sindicato de Negociantes (Syndicat des Courtiers), pois estes eram os únicos que possuíam um completo registro de todos os  números do comércio da região. Os negociantes anotavam datas, volumes e preços, com frequencia mensal (às vezes diária) e poderiam assim com facilidade classificar os vinhos em diferentes categorias de preços. Além de seu próprios registros os negociantes tinham como referências principais as anotações do americano Thomas Jefferson e do inglês Charles Cocks. Jefferson classifcou seus vinhos prediletos em 3 categorias, no topo colocou o “Haubrion” entre os tintos e o “Diquem” entre os brancos doces, acrescentando Margaux, Latour e Lafite no time de cima. Cocks, convivia com os negociantes e conhecia bem os preços praticados, classificou os Châteaux em 5 categorias. O sindicato levou apenas duas semanas para preparar uma classificação, baseada no preço médio dos vinhos entre 1815 e 1855. Como era esperado houve um enorme descontentamento por parte de um sem numero de chateaux que ficaram de fora… Um total de 57 vinhos foram originalmente listados (divisões de propriedades fizeram com que os 57 hoje sejam 61- veja estas modificações a seguir, além das inumeras mudanças de nomes).

  

A classificação original

Premiers Crus (1er) ou Primeiros

Château Lafite, hoje Château Lafite Rothschild, Pauillac

Château Latour

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Château Margaux

Haut-Brion, hoje Château Haut-Brion

Mouton, hoje Château Mouton Rothschild (promovido em 1973)

Deuxièmes Crus (2ème) ou Segundos

Rauzan-Ségla, hoje Château Rauzan-Ségla

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Rauzan-Gassies, hoje Château Rauzan-Gassies

Léoville (depois dividido em 3 propriedades: Château Léoville-Las Cases, Château Léoville-Poyferré e Château Léoville-Barton)

Vivens Durfort, hoje Château Durfort-Vivens

Gruaud-Laroze, hoje Château Gruaud-Larose

Lascombes, hoje Château Lascombes

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Brane, hoje Château Brane-Cantenac

Pichon Longueville (depois dividido em 2 – Château Pichon Longueville Baron e Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande)

Ducru Beau Caillou, hoje Château Ducru-Beaucaillou

Cos Destournel, hoje Château Cos d’Estournel

Montrose, hoje Château Montrose

Troisièmes Crus (3ème) ou Terceiros

Kirwan, hoje Château Kirwan

Château d’Issan

Lagrange, Château Lagrange

Langoa, hoje Château Langoa-Barton

Giscours, hoje Château Giscours

St.-Exupéry, hoje Château Malescot St. Exupéry

Boyd (depois dividido 2 – Château Cantenac-Brown e Château Boyd-Cantenac

Palmer, hoje Château Palmer

Lalagune, hoje Château La Lagun

Desmirail, hoje Château Desmirail

Dubignon (foi extinto e seus divididos entre Ch. Margaux, Ch. Palmer e Ch. Malescot St. Exupéry)

Calon, hoje Château Calon-Ségur

Ferrière, hoje Château Ferrière

Becker, hoje Château Marquis d’Alesme Becker

Quatrièmes Crus (4ème) ou Quartos

St.-Pierre, hoje Château Saint-Pierre

Talbot, hoje Château Talbot

Du-Luc, hoje Château Branaire-Ducru

Duhart, hoje Château Duhart-Milon

Pouget-Lassale e Pouget, hoje unidos como Château Pouget

Carnet, hoje Château La Tour Carnet

Rochet, hoje Château Lafon-Rochet

Château de Beychevele, hoje Château Beychevelle

Le Prieuré, hoje Château Prieuré-Lichine

Marquis de Thermes, hoje Château Marquis de Terme

Cinquièmes Crus (5ème) ou Quintos

Canet, hoje Château Pontet-Canet

Batailley (dividido em Château Batailley e Château Haut-Batailley)

Grand Puy, hoje Château Grand-Puy-Lacoste

Artigues Arnaud, hoje Château Grand-Puy-Ducasse

Lynch, hoje Château Lynch-Bages

Lynch Moussas, hoje Château Lynch-Moussas

Dauzac, hoje Château Dauzac

Darmailhac, hoje Château d’Armailhac

Le Tertre, hoje Château du Tertre

Haut Bages, hoje Château Haut-Bages-Libéral

Pédesclaux, hoje Château Pédesclaux

Coutenceau, hoje Château Belgrave

Camensac, hoje Château de Camensac

Cos Labory, hoje Château Cos Labory

Clerc Milon, hoje Château Clerc-Milon

Croizet-Bages, hoje Château Croizet Bages

Cantemerle, hoje Château Cantemerle (incluído em 1856)

As (raras) mudanças

O Château Cantemerle foi incluído na lista em 1856, sob alegação de não estar na lista original por simples erro. A única mudança significativa ocorrida até hoje foi a promoção do Château Mouton Rothschild de 2ème para 1er, em 1973, após 118 anos de reclamações. O feito inédito se deve a perceverança (e influência) do Barão Philippe Rothschild. De fato o Mouton tinha historicamente preços que o colocavam a meio caminho entre os 1er e os 2ème.

Polêmica e conclusões

Embora a maior parte dos Chateaux classificados em 1855 ainda façam seus vinhos a partir dos mesmos vinhedos, várias mudanças ocorretam ao longo destes anos. Vinhedos mudaram de donos, expandiram-se ou foram divididos, o que torna a classificação questionável, já que não é vinculada ao terroir e sim ao Château.

Muitos críticos propuseram desde então uma nova classificação, incluindo Robert Parker, que em seu livro “Bordeaux” publicou um ranking pessoal de 100 vinhos em 5 categorias. Em 2009 a London International Vintners Exchange (Liv-ex), bolsa de trocas e investimento em vinho, lançou uma reclassificação inédita. Como na original, o critério eram preços, só que preços atuais, cotados dinamicamente. Estas cotações podem ser consultadas em https://www.liv-ex.com.

Podemos concluir que a histórica classificação de 1855 foi e é, antes de tudo um tremendo instrumento de marketing para a região como um todo (e para toda a França).

Leiam no post de amanhã uma incrível prova com TODOS os Bordeaux classificados em 1855, todos da safra de 1986, na qual proponho uma reclassificação.

Outras classificações em Bordeaux

Reparem que dos 57 vinhos oroginalmente eleitos apenas um não é da sub-região do Médoc (o Haut-Brion, logazidado na sub-região de Graves, mas que por seu imenso prestígio não poderia ficar de fora). O motivo da limitação ao Médoc é simples. O Syndicat des Courtiers atuava principalmente no Médoc e não existia uma entidade congenere em outras sub-regiões bordalesas.

SAUTERNES – Embora menos comentada que a classificação do Médoc, os vinhos brancos doces da sub-região de Sauternes também foram classificados em 1855, em três níveis. Com fama e preço destacados o o Château d´Yquem recebeu a singular classificação de Premier Cru Supérieur, seguido de 10 1er Crus e 12 2ème Crus.

POMEROL – Esta é a menor dentre as mais importantes sub-regiões  de Bordeaux. Seus vinhos, capitaneados pelo Pétrus, são caros e altamente reputados, um sucesso de critica e publico, sem nenhum tipo de classificação.

SAINT-ÉMILION – A cada 10 anos aproximadamente os vinhos de St-Émilion são reclassificados. Assim foram em 1955 (a 1a vez), 1969, 1986, 1996, 2006 e 2012, em três níveis – Premier Grand Cru Classé A (4 vinhos), Premier Grand Cru Classé B (14 vinhos) e Grand Cru Classé (64 vinhos). Atualmente o topo desta pirâmide é ocupado pelos Châteaux: Ausone, Cheval Blanc, Angélus e Pavie.

CRU BOURGEOIS – Criada em 1932, a denominação Cru Bourgeois visa distinguir os vinhos do Médoc que ficaram de fora em 1855. Atualmente esta é revista todos os anos, baseada em criterios de produção e degustação. Na de 2010 foram agraciados 260 vinhos.

GRAVES – esta sub-região só viria a ser classificada em 1953, quase 100 anos depois de 1855. A classificação de 1953 foi retificada em 1958 e atualizada em 1959. Existe apenas um nível: Grand Cru Classé, e inclui 13 tintos e 10 brancos.

www.marcelocopello.com

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