O silêncio que busco é uma experiência pessoal. É verdade que o som é um fenômeno físico que pode ser medido em decibéis, mas para mim o silêncio se parece com um sentimento que se transforma em experiência. Desde a época em estudei em um monastério no Nepal, tento deixar o silêncio falar. É justamente isso que ele deve fazer: falar. E você deve falar com ele para aproveitar o potencial que existe ali.
Penso que o silêncio carrega um certo deslumbramento – não consigo imaginar uma alegria mais pura. Ele tem uma majestade. Em todas as práticas que oriento, tento contribuir para que meus alunos possam bater um papo com essa majestade que carregam dentro de si.
E o primeiro instante desse encontro acontece quando o ar entra pelas narinas de maneira consciente.
Muitas pessoas esperam fórmulas mágicas ou complicadas, mas a prática é bem simples. Tudo começa com a respiração e os asmáticos, como eu, bem sabem a felicidade de saborear cada inspiração e exalação. Quando respiramos com atenção, largamos o passado e o futuro e nos tornamos livres. Com esse tipo de liberdade, podemos tomar decisões melhores porque pensamentos e decisões não estão distorcidos pela raiva, tristeza ou outro sentimento. Nossa perspectiva se torna mais ampla.
As respirações (pranayamas) funcionam como ótimas ferramentas para combater aquele medo de “não sei bem o que”. Perdi a conta do número de vezes que ele já surgiu e eu me ausentei da vida mergulhando nas mensagens do celular, na música do spotify, na avalanche de e-mails redundantes. É comum fazer outra coisa para evitar o silêncio.
Acredito que o medo é o de conhecer a si mesmo. Quando ele bate, deixo os pensamentos correrem soltos em vez de aguentar um pouco e trancar o mundo lá fora. Tem uma prática de meditação que apelidei de Trancando o mundo lá fora e sempre que divulgo vem aquele direct no Instagram: “qual é a de trancar o mundo?”
Trancar o mundo lá fora não significa dar as costas ao lugar que você está, mas ao contrário, significa ver o mundo de forma mais nítida; significa criar um ambiente para que aos poucos o silêncio comece a falar. Não o vejo como uma renúncia ou algo espiritual, e sim uma ferramenta prática para uma vida mais rica. Uma forma de viver mais profunda do que mais uma vez apenas ligar a TV (e antes que alguém pergunte, eu tenho TV).
Trata-se de procurar os aspectos internos daquilo que você busca. De trancar o mundo do lado de fora e sentir a qualidade da presença enquanto você corre, prepara comida, faz sexo, estuda, trabalha, dança. De repente, mente e corpo estão unidos e você está presente na sua própria vida. O futuro deixa de ser motivo de preocupação.
Vanessa Aragão é instrutora de meditação, com formação no monastério Kopan, no Nepal. É criadora do projeto @meditanteurbana, com aulas às segundas na Academia da Ahlma, no Leblon, e às terças e sextas no Espaço Dharma, na Barra.