Imagem Blog

Thalita Reboucas

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog da Thalita Rebouças

O mistério do andar de cima

Era a minha primeira noite em Ipanema, no apartamento que aluguei para passar o período em que o meu ficaria em obras. Trabalhei até tarde e fui dormir às 3h45. Às 6h45 fui acordada por um barulho forte, contínuo, absurdamente irritante: “nheconheco, nheconheco, nheconheco”. E o nheconheco foi aumentando de intensidade e de volume, aumentando […]

Por thalita
Atualizado em 25 fev 2017, 19h36 - Publicado em 15 ago 2011, 04h54

Era a minha primeira noite em Ipanema, no apartamento que aluguei para passar o período em que o meu ficaria em obras. Trabalhei até tarde e fui dormir às 3h45. Às 6h45 fui acordada por um barulho forte, contínuo, absurdamente irritante: “nheconheco, nheconheco, nheconheco”. E o nheconheco foi aumentando de intensidade e de volume, aumentando de intensidade e de volume, aumentando de intensidade e de volume e… Pá! De repente o nheconheco parou e a paz se fez.

Lembro-me de ter pensado: “Ô, casal empolgado. Deve ter chegado de uma festa e mandou ver. É isso aí! O amor é lindo!”, aprovei. Demorei quase uma hora para dormir de novo, o meu sono não é fácil. Mas tudo bem. Viva a paixão!

Na noite seguinte, fui para a cama às 4h e às 6h45, em ponto… “Nheconheco, nheconheco, nheconheco”. Era o barulho da mola da cama do vizinho de novo. Já não achei o amor tão lindo assim. “Sério? Isso são horas?!”, rosnei. Levantei, tomei um copo d’água e demorei uma hora e meia pra cair no sono.
Isto se repetiu por cinco dias. Uma semana. Duas. Sempre às 6h45, o mesmo barulho, o mesmo nheconheco.

— Eu não aguento mais! Eu vou lá! — decidi, descontrolada e exausta, depois dos 12 minutos de nheconheco (sim, eu estava cronometrando havia alguns dias). As minhas olheiras estavam enormes, eu tinha envelhecido uns 90 anos.
— Não! Pra quê? O que você vai dizer? — contemporizou meu marido.
— Que eles precisam trocar de cama!
— Vai criar briga com um vizinho que nem é nosso?
— Tá, você tem razão — ponderei. — Então vou comprar um colchão novo e mandar entregar lá!
— Amor! Que grosseria! E que ideia maluca comprar colchão pra um desconhecido!
— Que casal é esse que faz todo dia às 6h45, Carlos? Não existe isso! Não é possível. Todo dia? Todo dia!?
— Deixa eles… Vai ver acabaram de casar.
— E se eles estão casados há anos? E se for um casal que faz todo dia de manhã e depois ainda vai pedalar, correr na praia e nadar no mar? Eu não vou aguentar!
— Eu acho lindo.
— Lindo uma ova! Lindo só porque você dorme que nem pedra e não acorda com o fucfuc!
Outra semana se passou. E todo dia eles faziam tudo sempre igual.
— Andréééé! — liguei enfurecida para o proprietário do apartamento, que era amigo meu. Futuro ex-amigo, pelo andar da carruagem.
— Faaala, Thalitinha! E aí? Tá gostando de Ipanema?
— Odiando! O que é que acontece toda manhã em cima da minha cabeça?
— Menor ideia! — respondeu, às gargalhadas. — É o grande mistério da humanidade.
— Quem mora em cima de você?
— Não sei.
— Como não? Você não sabe se eles são recém-casados ou casados há séculos? Quem é essa gente insuportavelmente animada!?
— Sei lá! Vai que é só uma pessoa se exercitando numa caminha elástica…

É, podia ser uma pessoinha se exercitando na caminha. Seria quase fofinho se não atrapalhasse o meu soninho.

Continua após a publicidade

O nheconheco continuou. Todo dia, 12 minutos cronometrados. Especulações surgiram entre os amigos, o pessoal da turma do espanhol, as funcionárias da padaria ao lado, o jornaleiro, a minha avó e a terapeuta. Sim, levei o assunto para a terapia.

— Deve ser um garoto de programa que a cada dia leva uma pessoa pra lá no fim de expediente. Não pode ser um casal, nenhum casal faz TODO DIA nessa empolgação! — disse uma.
— É uma ninfomaníaca que dorme cada dia com um e antes de ir pro trabalho dá um couro no cara. Nenhum casal faz TODO DIA nessa empolgação! — disse outra.
— É qualquer coisa, menos um casal. Nenhum casal faz TODO DIA nessa empolgação! — resumiu um amigo.

O barulho permaneceu e, acredite, piorou: depois da cópula matinal, ou do exercício, o casal, ou a pessoa, resolveu mexer os móveis de um lado pra outro, dar uma repaginada na decoração. Todos os dias. TODOS OS DIAS!

Continua após a publicidade

Àquela altura eu estava um zumbi e resolvi encarar o problema de frente. Subi um andar e toquei a campainha. Pra minha surpresa, atendeu uma velhinha bem velhinha, toda enrugadinha, de cabeleira branca e cheiro de naftalina, sorrindo alegremente.

— O-o-oi, eu sou a vizinha de baixo, t-tudo bem? — disse, sentindo meu corpo inteiro encolher. — Queria falar com a pessoa que mora com a senhora. É importante. Ela está me incomodando, mas provavelmente não faz idei…
— Eu moro sozinha.

Oooooi?

Continua após a publicidade

— Sozinha? S-s-sozinha?!
— É, sozinha. Os meus filhos moram em Minas, mas eu adoro o Rio. Você é nova no prédio? É do Rio? Quer um café? Gosta de Seinfeld? Eu tenho todos os DVDs de Seinfeld.
Engoli o embaraço e expliquei o que ocorria toda manhã. Ela me olhou com cara de ET empalhado, disse que era viúva, não tinha ideia de onde vinha o barulho e ainda contou que seu único exercício era jogar biriba com as amigas. À tarde.
Pedi pra ver o apê (que vergonha!), nem sinal de caminha elástica. E a cama em que ela dormia era de colchão duro, SEM MOLA! Perguntei se ela mudava os móveis de lugar com frequência e a resposta foi direta:
— Você acha que eu tenho força pra isso, minha filha?

O grande mistério da humanidade continuava. Deus meu! De onde vinha o barulho?

— Talvez do andar de baixo, sei lá… Eco… — cogitou a senhorinha, fofa de doer. — Às vezes isso acontece. Mesmo você tendo a impressão de que vem de cima da sua cabeça, o barulho pode vir de baixo ou do lado, sabia? Vi isso outro dia na televisão. Eu vejo bastante televisão. Vejo mesmo.

Continua após a publicidade

Saí de lá perplexa. Sabendo que tinha mais uns meses naquele apartamento, precisava arrumar um jeito de me defender do barulho para continuar a trabalhar, a sorrir, a viver!

O que me salvou foi a dica de um amigo, o “ruído branco” (white noise, em inglês). É simplesmente um ruído que, por ser uma combinação simultânea de sons de todas as frequências, é usado para mascarar outros sons. O chuvisco das televisões de antigamente, uma chuva forte e um ventilador em alta velocidade são exemplos de ruído branco.
E o negócio funciona de uma forma inacreditável. Simplesmente abafa qualquer som que venha de fora do seu quarto e atrapalhe seu sono. É impressionante.

Descobri depois que existem programas que geram o ruído branco que você preferir, com versões para tablets, computadores e até celulares. Como é maravilhosa a tecnologia.
Portanto, para obras no andar de cima, raves na sua rua ou qualquer tipo de vizinho barulhento, já sabe: ruído branco neles! E bons sonhos!

Continua após a publicidade

Para mais informações:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruído_branco
https://www.simplynoise.com
https://freewhitenoise.com

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.