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Thalita Reboucas

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Blog da Thalita Rebouças

Minnie vaca

Quando fui a Orlando um tempo atrás, com amigas queridas e seus respectivos filhotes, realizei um sonho de criança: jantei com Mickey e companhia. A expectativa era grande, o coração batia, o sorriso brotava sem eu perceber só com a ideia de que em poucos minutos eu veria minha maior paixão, o mal-humorado mais gostoso […]

Por fernanda
Atualizado em 25 fev 2017, 19h13 - Publicado em 11 mar 2013, 20h00

Quando fui a Orlando um tempo atrás, com amigas queridas e seus respectivos filhotes, realizei um sonho de criança: jantei com Mickey e companhia. A expectativa era grande, o coração batia, o sorriso brotava sem eu perceber só com a ideia de que em poucos minutos eu veria minha maior paixão, o mal-humorado mais gostoso do planeta: Pato Donald. Ansiosa, quicando, eu parecia ter oito anos de idade. E a sorte é que estava com amigas tão bobas quanto eu quando o assunto é o mundo mágico criado por Walt Disney.

Chegou a hora. Os personagens adentraram o recinto e Pateta logo veio fazer graça na nossa mesa. Cao, meu marido, que não estava no mesmo clima infantil, custou a acreditar nos pulinhos que eu, Maíz e Vanynha demos ao ver aquele maravilhoso gigante bocó.

– Vocês sabem que tem uma pessoa suando dentro dessa roupa, né? Que deve estar de saco cheio fazendo isso há horas, deve xingar essa fantasia pesada e provavelmente odeia o Pateta e todo o complexo Disney.

Ignoramos o Cao e sua total falta de sensibilidade.

Quando vi que a Margarida estava dando atenção demasiada a uma outra mesa, estrilei:

– Ei! Por que ela está demorando horas lá? Eu quero a Margarida aqui!

– A mesa está cheia de crianças. Crianças que devem ter seis anos. Elas merecem ficar mais tempo com a Margarida, não acha? – debochou Cao.

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– Claro que não. Por que crianças têm regalia? Só por serem crianças? Era só o que faltava! Idade é um número, a Margarida não pode discriminar a gente por causa de um número!

– A gente tá na Disney! Disney é para crianças!

– Não é! – respondemos em coro eu, Maíz e Vanynha.

– É sim!

– Não é, não! – repetimos.

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Cao desistiu. Era muita mulher com alma de criança numa mesma mesa.

Ao fim da noite, fotos tiradas com todos os personagens, só faltava a Minnie. Confesso que sempre ignorei a Minnie. E até a Margarida, que eu tanto queria que me desse atenção. Gosto é do Donald e do Pateta. O Mickey é muito certinho, muito mauricinho. Não amo. Mas também não desamo.

Minnie chegou com cara de poucos amigos. Parecia com pressa, devia ter um programa marcado, a vaca. Comentei com Cao o jeito blasé de Minnie Mouse.

– Ela não é vaca, é rata. E a cara dela não mexe!  Como é que pode estar com ‘cara de poucos amigos’? – perguntou meu marido, exaltado.

– Meu Deus, mas será que você não sente o clima? – rebati na hora.

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Minnie tirou fotos de forma protocolar, pouco interagiu conosco e se recusou a repetir uma foto com Maíz, sua fã de carteirinha. Ficamos decepcionadas.

Vanynha não deixou barato e reclamou com o gerente sobre o péssimo comportamento de Minnie Mouse. Que nós estávamos ali no último horário do jantar, mas que isso não era motivo para sermos maltratadas, ignoradas; que éramos adultas sem crianças, mas que isso também não justificava. O gerente deu toda a razão a Vanynha, pediu desculpas, chamou a Minnie de novo, tiramos fotos com ela e sem ela, ganhamos brindes. No fim das contas, foi até bom a Minnie ser vaca com a gente.

No dia seguinte, Bia, minha afilhada e coisa mais linda do mundo, quis saber como tinha sido meu jantar com a turma do Mickey.

– Foi bacana, Bia. Mas a Minnie é péssima.

– Por quê, dinda?

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– Porque a Minnie foi uma vaca comigo e com as minhas amigas.

– A Minnie? – perguntou, boca aberta, mãos no rosto, fisionomia entre chocada e decepcionada.

Droga! Falei com uma criança como se eu tivesse a idade dela. E nem me dei conta. Precisava consertar o estrago. Até porque Roberta, mãe da Bia, arregalou tanto os olhos que fiquei com medo.

– Como é que a dinda vai explicar? Não é a Minnie, a dinda não gostou da pessoa que estava dentro da Minnie, sabe?

Roberta arregalou mais ainda os olhos, queria me fulminar com eles. Eu não estava indo bem…

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–  Tem uma pessoa dentro da Minnie? Que pessoa? A Minnie é uma pessoa, dinda!

– Não! A Minnie é um personagem.

– Quer dizer que a Minnie não existe?

– Claro que existe. Existe mas não existe, entendeu? – suei frio.

Meu Deus! Alguém tinha uma rolha GG para tapar a minha boca? Roberta não tinha, mas agiu.

– Vamos pegar mais ovinho mexido, filha? – perguntou, tirando a pequena da mesa e rangendo os dentes na minha direção.

Ainda bem que não me botou de castigo. Estava vendo a hora em que ela diria pra mim, enérgica: “Sem parque hoje. E sem televisão! Vai ficar sozinha no quarto pensando no que fez!”.

Voltaram.

– Mas o que a Minnie fez com você, dinda?

Ai, meu Deus! Ela não tinha esquecido! Eu precisava falar o mínimo possível. Estava a ponto de traumatizar a criança.

– Foi grossa.

Roberta arregalou os olhos de novo. Vai ver não gostou da palavra. Troquei por outra.

– Antipática.

– O que é antipática?

– O oposto de simpática.

– O que é simpática?

– Uma pessoa simpática é uma pessoa… legal. Legal, isso!

– Por que a Minnie não foi legal com você? Logo com você, dinda… – quis saber, desolada.

Tadinha!

Não sabia mais o que dizer. Por que as crianças fazem tantas perguntas? Eu não podia mentir pra ela.

– Não sei. Ela certamente tinha algum programa marcado, estava com pressa pra ir embora.

– Programa com o Mickey?

– Devia ser. Um cinema, sei lá.

– Que filme eles iam ver?

– Ah, Bia. Ela mal falou comigo, como é que eu vou saber?

Crianças…

Uma outra pirralha sentada na mesa chamou a atenção da minha afilhada e ela parou de fazer perguntas. Ufa! Só então lembrei que não sei falar com crianças. Na verdade, sou uma tragédia falando com crianças.

Quando achei que o episódio da Minnie vaca estava enterrado, quase dois anos depois Bia perguntou, do nada, durante um almoço:

– Por que a Minnie não foi legal com você, dinda?

– A Minnie não foi legal com você? – reforçou a avó da Bia.

Roberta arregalou de novo os olhos pra mim, já prevendo um novo desastre. Glup!

– Filha, lembra que você foi malcriada com a mamãe outro dia? E que quando a mamãe perguntou por que você estava agindo daquele jeito você disse que estava cansada? Então… Foi isso que aconteceu. A Minnie devia estar com soninho. Só isso – explicou, encerrando de vez o assunto, arregalando de novo os olhos para mim e dizendo com eles: “Nem mais uma palavra! Ai, ai, ai!”.

Obedeci, calei a boca. E graças ao bom Deus a Roberta não me botou de castigo.

 

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