Adultos sem filtro
Acho muito engraçada a falta de cerimônia das crianças para dizer coisas impactantes, por mais que elas doam, a quem quer que seja. Por exemplo, uma amiga minha pediu que sua filha de cinco aninhos fizesse companhia a uma amiga que a esperava na sala enquanto ela terminava de se arrumar. − Sua mãe é […]
Acho muito engraçada a falta de cerimônia das crianças para dizer coisas impactantes, por mais que elas doam, a quem quer que seja.
Por exemplo, uma amiga minha pediu que sua filha de cinco aninhos fizesse companhia a uma amiga que a esperava na sala enquanto ela terminava de se arrumar.
− Sua mãe é muito chata com esse negócio de estar sempre atrasada, viu? – comentou a amiga, puxando papo com a criança.
− Minha mãe não é chata. Nem atrasada. Você que é feia. E gorda.
O rompante infantil causou uma gargalhada desconfortável, pedidos de desculpas dos pais à tal amiga (que não era feia, muito menos gorda) e ponto final. Quando dizem absurdos do gênero, crianças são perdoadas depois de uma leve bronca e os pais ainda contam o caso para divertir os amigos. Mas e os adultos que agem como os pirralhos?
São os adultos sem filtro, um tipo de gente que sempre me intrigou. Algumas pessoas nascem sem a capacidade de peneirar as palavras que lhes vêm à cabeça antes de verbalizá-las e são capazes de dizer as maiores atrocidades com uma tranquila cara de paisagem, sem a menor culpa, o menor pudor.
Como a vendedora de uma loja que me atendeu quando eu devia ter uns nove anos (repetindo, nove anos. Eu era uma CRIANÇA!). A gerente se aproximou e disse pra mim:
− Que cabelo bonito você tem!
Ao que a vendedora retrucou, antes mesmo que eu agradecesse:
− Bonito não, né? Ela tem muito cabelo. É cheio e armado, só isso.
Fofa, né?
A minha avó Maura veio ao mundo totalmente sem filtro. Outro dia ela comentou, vendo uma foto minha numa revista:
− Nossa, mas que foto linda! Tá parecendo artista de Hollywood! Tá bonita demais!
− Obrigada!
− Não é você.
− Quê?
− N-Ã-O É V-O-C-Ê-Ê-Ê-Ê!!!
− Como assim? Tem meu nome na foto e tudo!
− Mas não é você, não há santo que me convença de que essa é você, querida.
− Ah, não? Quem é essa, então?
− Uma dublê, ué.
Dublê. De foto. Que tal?
Os episódios acima me lembraram outros. Como a conversa que tive com um maquiador de tevê.
− Como ela é simpática! − comentei sobre uma artista que acabara de conhecer.
− Isso é coisa recente, viu? Nunca foi. Até outro dia ela era uma vaca. Adooooro ela, mas esse negócio de simpatia é novidade.
E a mãe de uma amiga minha? Em pleno avião, sentada na segunda fileira, disse para a filha ao voltar do banheiro, com voz de megafone:
− Barbaridade, filha! O que foi que aconteceu com Porto Alegre? Daqui pra trás só tem gente feia!
A filha, claro, afundou na poltrona e fingiu que estava dormindo.
Por último, lembrei o episódio em que uma amiga sem filtro disse aos donos de uma loja de decoração, a quem acabara de ser apresentada:
− Não são vocês que compram essas coisas pra loja, é outra pessoa que faz isso, né? Porque tem tanta coisa feia, cafona, esquisita…
− Não só compramos pessoalmente cada item da loja como viajamos o mundo em busca de objetos interessantes e inusitados.
Pra aliviar o clima, comprei alguns objetos interessantes e inusitados pra minha casa. Gente sem filtro dá um trabalho…