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Por trás dos panos: reportagens, entrevistas e novidades sobre a cena teatral carioca
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Inez Viana usa a obra de Nelson Rodrigues para falar sobre machismo

A exemplo do dramaturgo, que ela leva ao palco do Teatro Glaucio Gill, Inez reflete sobre problemas da sociedade brasileira em artigo exclusivo

Por Renata Magalhães
Atualizado em 29 jun 2018, 15h27 - Publicado em 29 jun 2018, 11h30

Abuso (a)

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada mil adolescentes brasileiras, entre 15 e 19 anos, 68,4, ficam grávidas. O índice brasileiro está acima da média latino-americana, estimada em 65,5. E esta é a principal razão das mortes das  adolescentes nas Américas. Muitas dessas gestações não são uma escolha deliberada, mas a causa, por exemplo, de uma relação de abuso. (b)

O abuso consegue ser o carro-chefe das relações humanas, em suas várias escalas. Segue tentando abafar a dor e as consequências psicológicas deixadas e ainda legitima os abusadores como isso ser coisa normal. Nos textos de Nelson Rodrigues, vemos isso claramente, como retrato de uma época, onde a maioria dos homens tratava suas mulheres como um
pano de chão. Retrato de uma época? Tratava? Infelizmente, estamos falando daqui, de hoje, e, no presente, voltamos ao passado. Ou, nunca saímos dele. Apesar de gritarmos “não é não!”, de denunciarmos, de sairmos para as manifestações com faixas e palavras escritas sobre nossos corpos e mentes abusadas, parece que não saímos ainda daquela época, onde ultrapassar os limites era tolerado. E continuam sendo, os exemplos não param de crescer! Aqui ilustro dois, bastante relevantes, que aconteceram recentemente:

1) Os brasileiros imbecis (c) que nos fizeram passar vergonha na Copa da Rússia, ao assediarem uma mulher que não falava o português, a induziram dizer palavras que, se ela soubesse o sentido, certamente se sentiria ofendida;
2) A maneira machista e violenta com que, num programa de entrevista de um canal que se diz de cultura, uma candidata a presidenta da república foi interrompida 62 vezes, por entrevistadores que, sem respeitá-la, não a deixavam completar seu raciocínio, apesar dela enfrentá-los com inteligência, elegância e estar preparada, enquanto que, no mesmo programa, outros candidatos, foram interrompidos apenas 6 vezes.

Uma adolescente foi abusada. Seu nome: Lúcia. Tem catorze anos. Como consequência, ficou grávida. Mas não se sabe quem é o pai da criança que carrega. Ela não quer dizer. Lúcia é uma das personagens do romance A Mentira, de Nelson Rodrigues,
que também nos coloca diante de outros temas abusivos como a misoginia. A pergunta principal que ecoou durante meses em minha cabeça e nas da Cia OmondÉ foi: como montar um Nelson hoje, abordando esses pensamentos machistas? Como contar hoje essa história?

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Crítica: ousada direção de Inez Viana resulta em ótima peça da Cia OmondÉ

As atrizes e atores que contam e vivem todos os personagens, não se atém em fazer trejeitos de seus sexos opostos, quando compõe os mesmos. Aliás, não fazem mimeses de gênero. Assim, a crítica se evidencia mais e o jogo se expande para além do elenco, incluindo o expectador e a representação dá lugar a questões essenciais.

Com pouquíssimos elementos externos, como um pano de chão, uma garrafa d’agua, centenas de sandálias de dedo, um figurino vigente e uma luz decisiva, que corroboram com a encenação, trazemos para o palco do Teatro Glaucio Gill, uma montagem nada convencional, pelo jogo mencionado, e por colocar a plateia, desde o primeiro momento, cúmplice
do espetáculo. Ela acompanha com interesse e envolvimento as trocas de personagens, a história desta gravidez indesejada, e se surpreende com o inesperado desfecho. No centro da cena, o retrato de uma classe média frágil e hipócrita.

Durante o processo de ensaios, confirmamos que ainda carregamos muitos preconceitos em relação à nossa postura, não só diante da condição da mulher hoje, mas da falta de entendimento sobre o que caracteriza uma situação de abuso. E antes que alguém diga que estamos exagerando, que foi brincadeira, que agora não se pode dizer mais nada, peço que se coloque no lugar da outra e do outro. Só transformando a vida num grande espelho, a gente vai conseguir entender que o que vemos no outro, está em nós e, consequentemente, nossas adolescentes poderão chegar a fase adulta optando por serem ou não mães.

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(a) Injustiça, desordem, excesso, ultrapassar limites.
(b) Esteban Caballero, diretor regional do Fundo de População das Nações Unidas para a América Latina.
(c) Aqueles que não possuem inteligência e são covardes.

Inez Viana, diretora e atriz da Cia. OmondÉ

A Mentira. Teatro Gláucio Gill. Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana. Sexta a domingo, 20h. R$ 40,00.

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