Peças dos Dezequilibrados e da Pangeia promovem itinerância do público ao longo do espetáculo
Dois espetáculos com estreia marcada para esta semana na cidade subvertem o conceito tradicional de espaço cênico, propondo aos espectadores que se desloquem por mais de um ambiente. Sob direção de Ivan Sugahara, estreia no domingo (8) a montagem dos Dezequilibrados de Fala Comigo como a Chuva e Me Deixa Ouvir (foto), drama de Tennessee Williams sobre um […]
Dois espetáculos com estreia marcada para esta semana na cidade subvertem o conceito tradicional de espaço cênico, propondo aos espectadores que se desloquem por mais de um ambiente. Sob direção de Ivan Sugahara, estreia no domingo (8) a montagem dos Dezequilibrados de Fala Comigo como a Chuva e Me Deixa Ouvir (foto), drama de Tennessee Williams sobre um casal em crise, vivido por Ângela Câmara e Saulo Rodrigues. Na concepção do diretor, a plateia percorre cinco espaços da Casa da Glória, um sobrado do século XVIII localizado no bairro que lhe dá nome. Já em Maratona, comédia dramática da Pangeia, que estreia na sexta (6) na Sede das Cias, com direção de Diego de Angeli e Gabriela Carneiro da Cunha, a itinerância é mais curta: o espetáculo começa na Escadaria Selarón e depois migra para o interior do imóvel. A peça transforma a Sede da Cias no Clube Oásis, palco de uma maratona de dança que obriga os participantes a bailar ininterruptamente.
O blog conversou com os diretores sobre essas experiências, fazendo as mesmas perguntas a todos. Confiram:
Sem estragar eventuais surpresas da história, você pode esmiuçar como se dá essa itinerância pela casa? Quais são os cômodos percorridos, e o que acontece em cada um deles?
IVAN SUGAHARA: O espetáculo passa por cinco ambientes da Casa da Glória, um lindo sobrado do século XVIII. O espetáculo tem início no interior, na maior sala da casa, em que o público começa a testemunhar o cotidiano de um casal em crise. Em seguida, a ação se desloca para a cozinha e os espectadores acompanham os personagens, flagrando mais uma cena da sua rotina. Depois a peça passa para a área externa, onde acontece a maior parte da encenação. O público circula então pelo pátio, piscina e jardim, assistindo a evolução do drama do casal que é apresentado de forma poética, fazendo uso da luz do sol, daí o horário vespertino das sessões.
DIEGO DE ANGELI E GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA: Há um ano estamos ocupando a Sede das cias. Ocupar um espaço não se trata só de ocupar o interior deste espaço. Todo o entorno, o trajeto que nos faz chegar até a casa, as pessoas que encontramos lá todos os dias, os vizinhos, comércio, tudo isso se relaciona diretamente com a ocupação. A Escadaria Selarón é uma das mais belas obras de arte dessa cidade, não poderíamos deixar de integrá-la na peça. Além disso a peça tem uma relação direta com o que essa escadaria pode representar, o que significa subir na vida. Desse espaço seguimos para o foyer, mais apertado, local de medalhas, bandeiras e de um corpo a corpo do apresentador fanático com o público. Lá ele oferece pequenos sonhos para serem disputados pelos espectadores. Dá uma chance de ir aos banheiros, decorados ao estilo Clube Oásis e começa a contagem dos eliminados até chegar ao teatro, local em que o público senta e torce pelo seu competidor preferido.
Como, exatamente, o público vai acompanhando o espetáculo? Ele fica em pé o tempo todo? Alguém os leva de um cômodo para o outro, deliberadamente, ou ele simplesmente acompanha os atores, de forma espontânea?
I.S.: O público se senta em três dos cinco ambientes nos quais o espetáculo acontece. Nos outros dois ele fica em pé, mas são cenas menores. Portanto, na maior parte do tempo o público fica sentado. Os atores conduzem o público de um ambiente para o outro, de modo que o deslocamento é fluido e inserido dentro da ação dramática.
D.A. e G.C.C.: O público da peça é o público da maratona de dança. Ou seja, o espectador é alguém que veio acompanhar a competição, ver os participantes chegarem ao seu limite. O apresentador funciona também como um anfitrião desse show. É ele, com o auxílio de sua assistente, quem conduz o público pelo espaço e, a cada etapa, da escadaria ao teatro, ressignifica o lugar do público diante da trama. A que tipo de evento essa plateia foi assistir? Era o que nos perguntávamos a cada espaço que íamos ocupando com dramaturgia, sentindo se o uso estava adequado, reiterativo ou trazendo sensações que interessam ao espetáculo. Saímos da escadaria ao ar livre, por exemplo, para um foyer quase claustrofóbico.
Que outras experiências nessa linha já foram feitas pela companhia de vocês?
I.S.: Uma das principais linhas de pesquisa do grupo é a ocupação de espaços não convencionais, buscando novas formas de relação com o público. Este novo espetáculo dá continuidade a um trabalho que inclui peças como Um Quarto de Crime e Castigo, Bonitinha, mas Ordinária, Vida, o Filme e Memória Afetiva de um Amor Esquecido, realizadas respectivamente em um apartamento, uma boate, um cinema e um edifício. Utilizando procedimentos como a itinerância, a interatividade e a proximidade com o espectador, a companhia vem buscando deslocá-lo de uma posição basicamente observadora, exterior ao espetáculo, para outra em que ele se integra à cena, estando dentro do espetáculo e, em alguma medida, fazendo parte dele. Todas as experiências anteriores foram muito bem recebidas pelo público, uma vez que não se trata de coagi-lo a participar, mas de buscar a sua adesão emocional por meio do seu progressivo envolvimento com a cena.
D.A. e G.C.C.: Desde o início da Pangeia temos processos in loco. As nossas primeiras experimentações culminaram na Trilogia do Espaço: em Passagens, fazíamos experiências em espaços públicos da cidade; A Casa, em espaços privados, visitando a casa de cada ator; já em Câmera, fizemos um mergulho no espaço íntimo. Mas foram trabalhos criados para serem apresentados em caixa cênica. Ano passado, quando começamos a ocupar a Sede das Cias, fizemos A Casa em Obra (uma atualização da peça A Casa, de 2009), e aproveitamos a configuração da própria Sede (originalmente, uma casa). Num dos momentos da peça, todos subíamos até o terraço e, diante de uma janela, conversávamos com um vizinho, morador do bairro há anos. Dessa vez, em Maratona, fizemos processos abertos com o público, as Maratonas Abertas, e desde então fomos experimentando esse trânsito do espectador no uso da itinerância, assim como na melhor aplicação dramática que podíamos dar a cada espaço, da recepção à despedida. Por vezes, fazíamos cortejos pela escadaria e arredores.
Em que medida essas experiências com os espaços cênicos potencializam ou diluem o efeito, digamos, do teatro em si, ou seja, texto, direção, atores?
I.S.: Ao longo de séculos, o edifício teatral se consolidou como o espaço para se assistir teatro. E ainda que persistam modelos como o teatro de arena, o palco italiano acabou se firmando como a arquitetura ideal do edifício teatral. Nesse sentido, a frontalidade palco-platéia foi se tornando a referência concreta da relação ator-espectador. E, em alguma medida, penso que a automatização dessa relação esvaziou a troca de experiências entre atores e espectadores. Nesse sentido, a ocupação de espaços não convencionais é uma busca de revitalizar a relação ator-espectador. De reformular as ligações do público com o teatro, procurando valorizar o seu potencial de encontro entre indivíduos.
D.A. e G.C.C.: No caso de Maratona, a Sede das Cias se transforma no Clube Oásis. Foi uma peça criada a partir da configuração do espaço e da relação com os moradores e passantes. O que significa que deixamos a lapa invadir o teatro. Os nosso ensaios na Escadaria sempre sofreram intervenções dos moradores e turistas que ali passavam. E o próprio texto foi desenvolvido a partir dos ensaios ali, não ignorando os azulejos do Selarón, a vista pra cidade… As mangueiras coloridas de led que iluminam as barracas, por exemplo, fazem parte da nossa cenografia. Fomos, então, explorando o que se revelava potente no que diz respeito ao uso do espaço, dando um valor dramático para aquilo que vemos todos os dias. A Escadaria Selarón, patrimônio da cidade, se torna metáfora da peça a partir do uso que damos a ela. E assim fomos nos relacionando com cada espaço, tornando-o cênico à medida em que os preenchemos com o universo da maratona de dança.