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Teatro de Revista

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Espetáculos, personagens, bastidores e tudo mais sobre o que acontece na cena teatral carioca, pelo olhar do crítico da Veja Rio
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Exclusivo: Eduardo Wotzik escreve sobre Bonitinha, mas Ordinária

Um dos mais destacados diretores teatrais em atividade no país, Eduardo Wotzik voltou no tempo no último dia 18 de maio. Naquele dia, sua versão de Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária, clássico de Nelson Rodrigues que ele montara em 1992, ganhou vida no palco do tradicional Teatro Nacional São João, na cidade do Porto, […]

Por rafaelteixeira
Atualizado em 25 fev 2017, 19h06 - Publicado em 29 Maio 2013, 15h52
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Um dos mais destacados diretores teatrais em atividade no país, Eduardo Wotzik voltou no tempo no último dia 18 de maio. Naquele dia, sua versão de Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária, clássico de Nelson Rodrigues que ele montara em 1992, ganhou vida no palco do tradicional Teatro Nacional São João, na cidade do Porto, em Portugal. Com praticamente o mesmo elenco da encenação original, a apresentação daquela noite materializou novamente a montagem que, 21 anos antes, fora considerada um marco do teatro carioca.

Sobre a marcante experiência, Wotzik escreveu um texto exclusivo para o blog. Confiram.

Inesquecerei

Só recriando a língua portuguesa para tentar encontrar palavra que exprima com mínima precisão o que eu senti ao me apresentar, ontem, no Teatro São João do Porto, em Portugal, com Bonitinha, mas Ordinária, de Nelson Rodrigues, representando o Brasil no Projeto Brasil-Portugal para uma plateia que vibrava a cada observação rodrigueana acerca de nosso país, e de pé ovacionava o espetáculo por infindáveis minutos de aplausos e apupos transbordantes de afeto. Inesqueceremos.

O brasileiro é cínico pra burro. No Brasil ou se é canalha na véspera ou no dia seguinte. No Brasil todo mundo é Peixoto — diziam os personagens da peça, que ressoava forte aos ouvidos de todos, transgredindo lusitanos e reverberando ainda mais real àqueles brasileiros presentes, uma vez que o Brasil ficou ainda mais assumidamente canalha desde que montei esse texto pela primeira vez ha vinte anos atrás. Eu explico. Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária é uma peca de Nelson Rodrigues escrita em 1961, e montada por mim em 1992. É que estava àquela época em busca de um texto que nos obrigasse à teatralidade que era meu objeto de estudo e pesquisa então, e para isso passava dezoito horas semanais, com esses mesmo atores que hoje a representam, numa na sala da Casa de Cultura Laura Alvim (hoje um cinema), investigando prática e teoricamente os caminhos que pudessem levar atores a expressões de segunda natureza. E foi aquele momento, e a partir do instrumento desses, que criei e descobri uma técnica que chamei de Aspiração, e que uso até hoje na formação e produção de uma expressão do artista da cena que garanta sua comunicação e expressão teatral. Inesquecerei.

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Levar ao Velho Mundo, berço histórico do nosso teatro, o mesmo espetáculo elaborado há vinte anos com os mesmos atores, mesmas marcas, mesmas soluções cênicas, e perceber que a montagem se tornou um clássico da cena, uma referência, e que sua contemporaneidade grita pelas paredes do teatro, é para chorar de emoção. E foi o que eu fiz. Sentei numa daquelas escadas de passadeiras de veludo vermelho, debaixo de uma luminária de três braços com uma cúpula maravilhosa, e chorei feito um menino de 17 anos, enquanto pensava no tempo, em como o teatro pode enganar o tempo (era tudo tão magnífico, como se vinte anos não se tivessem passado). Pensava também que quando se faz teatro em teatro mesmo de verdade, teatro que tem fantasma, tudo faz sentido, todo seu preparo técnico se apresenta útil, tudo aquilo que seu imaginário almejou acerca da profissão que você escolheu fica real, imediatamente, os teatros de shopping, as salas multiuso se colocam nos seus devidos lugares, alternativas, e lembramos que fazemos teatro porque um dia nos apaixonamos por eles. Como aquele discípulo que achava que o guru era um retrato, ou ainda uma criança que se assusta quando descobre que o elefante não é um desenho, é preciso que se lembre que teatro é o Municipal (fechado para o ator), o Copacabana (fechado para o ator), o Villa-Lobos (incendiado), o Teatro Glória (fechado para sempre). Teatro não é sanduíche com guaraná. Pensava também naquela trupe de atores e técnicos que lá estavam, e que me acompanham há tanto tempo, e há tanto tempo acreditando nas minhas mais diversificadas propostas e viagens artísticas, a tal ponto que quando propus fazer a Bonitinha em Portugal, ninguém estranhou. Desmarcaram agendas, arrumaram as malas, e lá estavam todos, em cima do palco, com uma vitalidade de meninos, uma excitação e uma curiosidade juvenil, uma maturidade profissional, lindos de se ver, repletos de paixão e alegria pela profissão. E o Porto viu o ator Jose Araújo, um negro de 68 anos que nunca tinha saído do Brasil, mais a atriz Cora Zobaran, de 86 anos, atravessarem o oceano para, com Clarice Niskier, Gustavo Gasparani, Henri Pagnoncelli, Cristina Bethencourt, Jacyan Castilho, Nilvan Santos, Ricardo Brajterman, Grazie Schmitt, Michele Fontaine, Paulo Giardini, Tatianna Trinxet, Teresa Frota, Alexandre Varella, Kakau Berredo, Fernanda Mantovanni, Priscilla Rozenbaum, Isio Ghelman, Olinto Mendes Sá e Nelson Rodrigues, escreverem comigo mais um capítulo inesquecível da historia do nosso venturoso teatro brasileiro. Inesquecerei.

Assistir Portugal, nossa “pátria mãe gentil”, morrer de vergonha pela falta de ética do seu filho preferido, e o Brasil, rebelde que só, não estar nem aí para coisa nenhuma.  O Edgard é o único sujeito que ainda se ruboriza no Brasil comenta o Peixoto sobre o herói da peça, talvez a mais debochada das obras de Nelson Rodrigues, mas também a única com final feliz.

No mais, agradecer ao governo brasileiro, a Pedro Álvares Cabral, que nos descobriu, e a Pero Vaz de Caminha, que foi quem logo de cara percebeu que gente extraordinária éramos nós, e escreveu o primeiro texto sobre nós mesmos.

Eduardo Wotzik/2013

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