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Por Rita Fernandes, jornalista
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Cultura na pandemia: deixa a roda girar

Interrompidas pelo isolamento imposto pela Covid-19, as rodas de samba precisam do encontro e do contato físico entre pessoas para que possam existir

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Atualizado em 1 jun 2020, 16h20 - Publicado em 1 jun 2020, 16h07

Que saudades das rodas cariocas, Samba do Trabalhador, Cacique de Ramos, Samba Que Elas Querem, Gloriosa Roda de Samba, Fabuloso Grupo Eu Canto Samba, Samba da Gávea, Suburbanistas, Bip Bip e tantas outras. A cidade e a vida ficaram pobres sem elas. Perdemos nós, os amantes, e a democracia, já tão ameaçada.

De samba, choro, jongo, maracatu, ciranda, capoeira ou poesia, todas as rodas estão suspensas por conta do isolamento social imposto pela Covid-19. Frequentadora assídua que sou, me pergunto como será o seu retorno, essa manifestação popular tão necessária a uma cidade que se fortalece nas suas ruas e festas. Talvez seja a forma de encontro que mais tenha sofrido os efeitos nefastos dessa pandemia, porque vai demorar a voltar.

Roda é ajuntamento de pessoas, onde a música pode ser protagonista ou simplesmente o palco dos encontros. Muitos componentes as tornam únicas e deliciosas: a música, a cantoria conjunta, o bailado, os amigos, as conversas, as bebidas, o calor, os pedidos de música, as palmas, os ritmos, as paqueras, os amores. Roda de samba é, acima de tudo, encontro de gente!

Isolado em casa, Moacyr Luz tem feito lives com os músicos do seu Samba do Trabalhador às segundas-feiras (Marluci Martins/Divulgação)

Moacyr Luz e seu Samba do Trabalhador reuniam mil pessoas todas as segundas-feiras na quadra do Clube Renascença, antes da pandemia. Impossível retomar numa hora dessas. Agora os “encontros” acontecem nas lives, às segundas, de 17h às 20h, tentando manter a rotina anterior. “Mas tá longe de ser a mesma coisa”, diz Moacyr, que sente falta do calor humano, da interação com o público e dos aplausos.

O último show foi no Circo Voador, na véspera do início do isolamento, quando lançou o disco “Fazendo Samba”. “Tínhamos tantas agendas e tudo foi cancelado”, lamenta, lembrando que há muitos profissionais envolvidos. “Sonho Estranho”, em parceria com Chico Alves e o Samba do Trabalhador, para ele resume bem esse momento que vivemos. A letra fala por si só.

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A cantora Marina Iris, que tem o Balaio Bom, diz que lives são apenas uma forma de rompimento do isolamento e de sobrevivência dos artistas, já que a tecnologia não oferece um modelo que reproduza exatamente o ambiente de uma roda de samba.

Marina acredita que, quando for possível o retorno das rodas de samba, elas serão uma espécie de cura para todo esse trauma social. (Foto Michelle Beff/Divulgação)

“Roda pressupõe aglomeração, contato físico, observação e interação constante entre artistas e público. Diferente de show, tem uma construção conjunta de repertório, com os pedidos do público e até dos pequenos acontecimentos no local, como uma cerveja que cai, por exemplo”, diz. Marina não faz previsões de quando as rodas vão voltar, mas acredita que, quando isso acontecer, elas serão uma espécie de cura para todo esse trauma social.

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“Roda de samba é terreiro, né? É força vital do nosso espírito livre, é gol de canhota. Mas acredito que vai demorar pra voltar. Vamos ter que bater muito tambor”, reforça Dorina, cantora à frente da Suburbanistas, roda criada em 2001 com Luiz Carlos da Vila e Mauro Diniz, que ela ainda mantém.

Outra que acabou indo parar no Instagram foi a Roda do Bip. Segundas são dedicadas ao choro, enquanto as quintas ficam reservadas ao samba, como acontecia no pequeno bar de 18m2, em Copacabana. Tiago Prata lidera os encontros, que não têm hora para terminar. O ápice, segundo ele, se deu no “gurufim” em homenagem ao Aldir Blanc, quase dez horas no ar. “Foi difícil administrar tantas participações. Passaram músicos, cantores, amigos e familiares do Aldir”, conta Pratinha, que procura manter o mesmo clima que havia no bar.

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Tiago Prata lidera os encontros da Roda do Bip e recebe músicos como Pedro Paulo Malta (Página do Instagram/Reprodução)

“Além da legião de músicos que fazem fila para tocar, tem os personagens do Bip”, diverte-se. “Como o argentino Matias e sua mãe, Monica de Bonis, que aparecem de madrugada e cantam Violeta Parra e outras canções. E o Paulinho Cartaz, com suas frases políticas”.

Sem ser roda de samba, talvez as lives da sambista Teresa Cristina sejam as que reproduzem melhor, no ambiente virtual, um pouco do clima das rodas de samba. Há encontros de amigos, paquera entre os participantes e até fofoca numa tal fila de um banheiro virtual. O que não faz uma quarentena! “A live da Teresa não é roda, não é show, não tem como classificar, mas tem um pouco do que acontece nas rodas presenciais”, diz Marina Iris.

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Mas, com toda a tecnologia, não há roda de samba sem o contato físico entre pessoas. Pouco provável que sejamos capazes de transferir para qualquer plataforma tecnológica o que acontece no ambiente de uma roda de samba.

Eu sigo aguardando que venham dias melhores e que um dia tudo isso passe. Rezando para que seja possível, ainda nessa vida, o prazer de uma roda de samba, daquelas bem cheias, muita gente, muita música, muito calor. Enquanto isso, repito os versos de Candeia, que Teresa Cristina tanto canta: “De qualquer maneira, meu amor, eu canto. De qualquer maneira, meu encanto, eu vou sambar”.

Que seja logo o fim dessa pandemia!

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Para quem quiser um pouco das rodas cariocas:

Moacyr Luz e Samba do Trabalhador – Segundas, de 17h às 20h
https://www.instagram.com/moacyrluzesambadotrabalhador/
Roda do Bip – Segundas e quintas – Às 21h, sem hora para terminar
https://www.instagram.com/rodadobip/

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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