Prêmio da Música Brasileira: homenagem a Tim Maia e a Casa PMB
Zé Mauricio Machline, criador do PMB, fala sobre artistas e carnaval, mercado da música atual e de como a Casa PMB vai jogar mais luz nas cenas regionais
De olho nas novidades do Prêmio da Música Brasileira, me chamou a atenção recentemente um post que fazia referência a blocos de carnaval. Alguns muito próximos a mim, inclusive, como o Céu Na Terra e o Superbacana. Achando curioso, liguei para o Zé Mauricio Machline, criador do PMB, para saber o que ele pensava sobre carnaval e essa relação de artistas com blocos de rua. Mas não só, já que a 31ª edição do PMB já estava sendo anunciada e prometia novidades. A conversa com o Zé é sempre ótima e, quando a gente vê, já teceu uma estrada de ideias sobre a música brasileira, que reproduzo na entrevista abaixo.
Destaque para a Casa PMB, novidade dessa edição, tema que lá atrás adiantamos por aqui. Segundo o Zé, uma oportunidade para se conhecer e encontrar os talentos musicais espalhados pelo Brasil. Na verdade serão muitas casas, em diferentes lugares. E a primeira já começa essa semana, em Salvador, com a história e o samba de roda de Roberto Mendes, que dialoga com jovens artistas baianos como Ju Moraes, Hiram, Raquel Reis, Melly, entre outros. A Casa PMB Salvador será nos dias 13 a 15 de março.
Em seguida, dos dias 23 a 26, a Casa PMB vai para Recife, onde ninguém menos que Lia de Itamaracá apresenta sua trajetória na companhia de uma moçada da cena pernambucana, como Igor de Carvalho, Flaira Ferro, Almerio e Martins e muito mais.
E, para celebrar mais essa etapa do PMB, quem receberá as homenagens na noite da premiação, em 12 de junho, será o Rei do Soul, o “síndico” Tim Maia. Ou seja, podemos esperar uma noite e tanta de festa.
Zé, recentemente você abriu uma janela de dicas no Instagram do PMB sobre blocos de rua. Como é sua relação com o carnaval?
Zé Mauricio: Eu abri espaço para os blocos porque acho que é uma manifestação popular muito importante, que tem uma coerência enorme com a música. Teve um tempo em que eu corria atrás de camisetas pra desfilar nas escolas. Eu saía direto de uma para a outra, e teve um ano que eu perdi todas as unhas do pé. Mas nunca fui um seguidor da tradição de blocos. O que eu mais gosto de ver nos blocos é o jeito como as pessoas se comportam para chegar até eles, que é sempre através da música. E eu acho que os blocos do Rio, que se espalharam por diversas cidades, como São Paulo, hoje são muito importantes. A tendência é que se fortaleçam cada vez mais.
Como você vê esse envolvimento de artistas com o carnaval, que fazem dos blocos uma plataforma para suas carreiras? Isso tem acontecido muito em São Paulo, principalmente.
Zé Mauricio: Por que esses artistas que não são exatamente praticantes da música carnavalesca resolveram entrar para esse universo? Porque ali você tem um aglomerado de pessoas amantes de um determinado tipo de música. Os blocos são uma plataforma de divulgação para a música e para o artista. Se você pegar aquela época das marchinhas, não existia cantora no Brasil que não lançasse sua música de carnaval. Se você olhar agora, vai ver que está acontecendo o mesmo fenômeno, só que não é mais com o rádio, tem outro nome, é bloco. São os artistas correndo atrás da importância que o povo dá para uma manifestação popular. E eu acho ótimo, porque isso só engradece a música e o próprio carnaval.
Fazendo um paralelo com as marchinhas de carnaval, “Macetando” acabou sendo um exemplo atual de como isso acontece, não?
Zé Mauricio: Você viu o orgulho dela [Ivente Sangalo] falando que “Macetando” foi considerada a melhor música do carnaval? É a mesma coisa que a Beth Carvalho fazia quando lançava aquelas músicas de carnaval [no Cacique de Ramos], que Isaurinha Garcia, Linda Batista, Marlene, Emilinha. Todas elas faziam, é exatamente a mesma coisa.
E essa novidade da Casa do Prêmio da Música Brasileira?
Zé Mauricio: Você foi a primeira pessoa a saber que o Prêmio abriria para outras coisas, lembra? Pois então, tivemos 10 mil inscrições no ano passado, um recorde, e isso nos levou a pensar o quanto a regionalidade tem uma importância vital para a música brasileira, com seus sotaques, na sua maneira de executar e fazer música. E tem esses artistas, alguns que estão ali no início das suas carreiras, alguns com facilidade de streaming e outros não. A ideia é colocar luz em cima desse movimento regionalista – que eu não posso nem chamar de regional, ele é nacional, apenas com características de música daquelas regiões.
E onde será essa Casa PMB, Zé?
Zé Mauricio: Em diferentes cidades. Vamos juntar artistas de muita visibilidade e importância na trajetória musical dessas regiões com artistas jovens. Na Bahia, Roberto Mendes, que é de uma importância vital para o samba baiano, o samba de roda, e a Ju Moraes, por exemplo, que é uma sambista jovem, fazendo esse contraponto. Em Pernambuco, será Lia de Itamaracá junto com essa gente nova pernambucana que você conhecesse bem [Almerio, Martins, Flaira…]. Vai ser como um encontro numa casa, só que não será apenas musical, vamos estar muito focados na biografia, no histórico daqueles artistas. Traçar um paralelo entre suas vidas, para mostrar o quanto a regionalidade é importante no aspecto da musicalidade.
E depois do Nordeste, para onde vai a Casa PMB?
Zé Mauricio: Para Minas e Goiás. Mas ainda estamos montando as ideias.
E sobre o homenageado desse ano, o escolhido foi Tim Maia. Como você define Tim Maia no contexto da música brasileira?
Zé Mauricio: É um cara de uma musicalidade inigualável para a música preta brasileira. E é um cantor e um intérprete de suma importância para quem faz música no Brasil. A música preta está em tudo que se faz por aqui. Eu não saberia dizer nenhum ritmo musical que não tenha essa referência, em tudo há música preta. Quando o Tim começou com isso era uma sonoridade diferente, e o funk, o trap, o rap, todas essas manifestações têm sua origem ali.
Recentemente, produtores levantaram um debate nas redes sobre o fato de que alguns artistas têm milhões de seguidores nos streamings, mas não refletem a mesma performance nas bilheterias dos festivais. Por que isso acontece?
Zé Mauricio: Porque eu acho que são mercados diferentes. A vontade de ouvir um artista difere um pouco da vontade que você tem de vê-lo. E música é uma questão de conexão, que está sempre muito voltada para aquilo que você está sentindo naquele momento. Tem artistas, por exemplo, que eu amo ouvir, mas não sairia de casa para vê-los. Porque a minha conexão para ver música é diferente daquela que eu ouço. Eu acho que pode ser isso, é a maneira que eu sinto.
Outro ponto de debate é que os cachês subiram muito. Há uma espécie de bolha?
Zé Mauricio: Eu acho que a cultura, de uma maneira geral, estava tão represada, tão diluída, que hoje vemos a real oferta que temos, seja em streaming, seja em shows ao vivo, seja em festivais ou não. Esse crescimento de valor foi natural. Mas eu acho que tudo isso vai se assentar para um mercado que vai ter sim o seu número de shows, de festivais, mas com uma acomodação de tudo. Nós estávamos muito represados.
E fora desse universo dos festivais, falta palco pros artistas, Zé?
Zé Mauricio: Falta palco sim, principalmente para os que estão começando. É muito difícil para um artista em fase de formação de plateia ir para casas com capacidade para 3 mil pessoas, às vezes até mais. Eles precisam de palcos menores pois é aí que vão divulgando o seu trabalho e formando seu público. A partir do momento em que você não tem esses palcos – e eu entendo que talvez economicamente seja difícil –, fica complicado para esse segmento. No caso do Rio de Janeiro então é quase um absurdo. Em São Paulo, você ainda tem algumas opções.
Qual seria um caminho para ajudar na construção dessas carreiras, Zé?
Zé Mauricio: Eu acho que como a gente está terminando de encher essa bolha, ela vai se acomodar, para todos. Eu tenho a impressão de que várias alternativas vão surgir para esses artistas, porque eles representam uma fatia muito forte e importante da economia da música. Tudo isso vai se acomodar de algum jeito no mercado.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, pesquisadora de cultura e carnaval.