Prefeitura publica portaria que libera patrocínio aos blocos
Em uma decisão importante, a Riotur liberou marcas diferentes das do Caderno de Encargos para apoiar blocos e suas ações de marketing

Uma importante vitória do Carnaval de rua aconteceu esta semana no Rio. A prefeitura publicou a Portaria 315, no dia 7 de fevereiro, que redefine as possibilidades de patrocínios aos blocos carnavalescos oficiais. Depois de longa articulação das ligas Sebastiana, que eu represento, Zé Pereira, Sambare, Coreto, Carnafolia e Liga do Centro, em uma série de reuniões com a Riotur e com o prefeito Eduardo Paes, a resolução traz novo fôlego para que os blocos possam, de fato, ter seus próprios patrocinadores, sem riscos de multas e de ações restritivas, como vinha acontecendo.
“A portaria vem para atender a uma demanda antiga dos blocos, e dar mais transparência às regras para a captação de patrocínio. Entendemos que havia uma zona cinzenta que não deixava clara as regras e ações permitidas. Os blocos de rua fazem parte da cultura carioca, e são de extrema importância para o turismo na cidade. A Riotur está aberta para qualquer diálogo que possa contribuir e facilitar o processo para que a festa continue fazendo do Rio o destino com o maior carnaval do planeta”, destaca o presidente da Riotur, Bernardo Fellows.
O documento traz clareza sobre o que pode e o que não pode em relação tanto às ações dos patrocinadores dos blocos quanto às dos oficiais, afirmando principalmente que as agremiações podem, sim, ter marcas diferentes das que fazem parte do Caderno de Encargos. E que elas podem fazer ativações no que se determinou chamar área do cortejo (do início ao fim do trajeto do bloco, considerando-se o primeiro e o último elementos). Em anos anteriores, as empresas estavam sendo multadas, especialmente se fizessem ações de ativação nos desfiles, como entrega de brindes.
“Finalmente uma das maiores injustiças do carnaval de rua foi corrigida. Com a nova portaria, as marcas poderão entrar no Carnaval diretamente com os blocos. Há consequências óbvias, como dar mais possibilidades de recursos aos blocos. Mas há outra possivelmente ainda mais importante, que é a abertura para marcas menores, com menos recursos, de entrarem no jogo. Isso certamente vai aliviar centenas de blocos em relação aos problemas econômicos, tirando-os da invisibilidade e evitando, por exemplo, o endividamento dos componentes. Uma medida histórica, horizontal, para ser celebrada”, comemora Rodrigo Rezende, presidente da liga Amigos do Zé Pereira, que tem estado há anos ao meu lado nessa luta.
Sem que essas restrições estivessem escritas em lugar algum, nem sobre as marcas, nem sobre os brindes, as multas incidiam especialmente sobre as empresas, que passaram a não querer mais patrocinar os blocos. E não importava se era uma empresa de grande porte ou simplesmente a padaria do bairro, que muitas vezes se predispõe a ajudar o bloco. A multa era para todos, como aconteceu inclusive com a Liga Sambare, dos blocos da Barra, Recreio, Vargens e adjacências, que foi multada por usar a sua própria marca.
“Essa liberação dos patrocínios, mesmo vindo só agora, foi uma vitória para o Carnaval de rua. Era um pedido nosso há muito tempo, pois estávamos enfrentando um mundo de proibições. Para se ter ideia dos absurdos, há um ano atrás, a nossa associação ganhou uma multa por exibir sua própria logomarca nos trios, e o fiscal da prefeitura simplesmente ignorar que não se tratava de empresa”, conta Valeria Wright, presidente da Sambare.
Não bastasse isso, as marcas oficiais vinham fazendo sampling dentro dos blocos, sem que colocassem um centavo nos desfiles, o que acabou gerando grande crise nos desfiles de 2024 entre organizadores e empresas patrocinadoras do Caderno de Encargos. Houve bloco, como o Cordão da Bola Preta, que chegou a parar seu desfile para pedir a retirada dos promotores, brindes e blimps. Ou o Sargento Pimenta, que viu seu palco ocupado indevidamente por uma marca que não lhe dava nada.

Caderno de Encargos
Criado em 2020 pelo então secretário de Turismo Antonio Pedro Figueira de Mello, no primeiro governo do prefeito Eduardo Paes, o Caderno de Encargos – documento que passou a regulamentar os patrocínios oficiais da prefeitura e suas contrapartidas desde então – tornou-se controverso e desatualizado. Desde o seu lançamento, lá se vão 15 anos, muita coisa mudou, já que Carnaval é uma festa orgânica como a própria cidade. Além disso, o texto deixava em área cinzenta as possibilidades de cada parte, blocos e Riotur. Sem uma definição das delimitações de ações de exibição de marcas, aos poucos foram sendo “inventadas” regras que só traziam ganhos a um dos lados. E não era o dos blocos.
“Criamos o Caderno de Encargos, em 2010, para organizar a cidade e proporcionar harmonia para foliões e moradores. Mas se torna primordial que os blocos tenham sua fonte de receitas com seus patrocinadores. Bloco de carnaval não é empresa e tem custos, o fomento local e a liberação de brindes e publicidade com os apoiadores dos blocos é necessário e importante. Afinal de contas, quem faz o Carnaval de Rua do Rio são os blocos. Sem eles não tem patrocínio e nem organizador da folia”, diz Antonio Pedro Figueira de Mello.
Segundo ele, originalmente o documento previa uma quantidade máxima de três marcas patrocinadoras – uma master e duas de apoio –, mas, desde 2024, passou a considerar a entrada de nove marcas oficiais, sem nenhuma justificativa para o aumento da arrecadação. O crescimento do carnaval de rua, em número de agremiações chamadas de oficiais, está estacionado há alguns anos em torno de 500 blocos. Sabe-se que a cidade conta com muito mais do que isso nas ruas de janeiro a março, mas para os cálculos daquilo que é chamado de “carnaval oficial” e, portanto, ancorado pela infraestrutura do caderno, os números são estes. Soma-se a isso a criação de uma “outorga” para a Riotur, no valor de R$ 2 milhões, na administração Crivella, reajustada para R$ 6 milhões atualmente, e que nunca foi explicada.
Assim, o estrangulamento do financiamento às agremiações ficou evidente, num jogo desequilibrado entre quem de fato faz a festa e quem organiza a infraestrutura de apoio. Os blocos ficaram em uma situação de não ter mais como pagar suas despesas, como ritmistas da bateria, músicos, cantores, aderecistas e trios elétricos.
Em parte, foram essas restrições e o sufocamento financeiro decorrente da falta de opções para pagar a conta que levou muitos blocos a tomarem decisões de encerramento. Diante do quadro de estrangulamento financeiro, quem faz a brincadeira da folia na rua acabou se vendo diante de um modelo que já não fazia mais sentido. Tirar do bolso para colocar o bloco na rua, enquanto a “infraestrutura” (banheiros químicos, postos médicos, grades e publicidade oficial, entre outros itens) era paga por vários patrocinadores. Tudo estava muito desequilibrado.
Agora, um manual digital com orientações e diretrizes já está disponível para consultas no site da Riotur. O material apresenta instruções que vão desde a aplicação e uso das marcas até restrições e delimitações, estabelecendo principalmente qual é a área de direito dos blocos, o seu cortejo. Com isso, certamente para o carnaval de 2026 os blocos terão mais conforto nas suas negociações, podendo acomodar inclusive marcas novas e que possuem interesse no Carnaval, mas que não viam formas de dar o seu apoio.
Em permanente transformação, o Carnaval de rua avança nas ruas da cidade em suas múltiplas formas e formatos. Essa questão do patrocínio é uma entre tantas questões nesse imenso cenário. Mas é motivo real para celebrarmos, já que algo realmente mudou favorecendo os blocos, na maior parte das vezes penalizados.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana, pesquisadora de cultura e carnaval.