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Rita Fernandes

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Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Arte Ponto Vital: Museu Bispo do Rosário expõe sua história

A potência da arte como forma de tratamento de pacientes da saúde mental é apresentada na nova exposição do museu, que inaugura em formato híbrido

Por Rita Fernandes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
10 mar 2021, 16h16
Mural pintado pelo artista Miguel Afa.
Mural pintado pelo artista Miguel Afa. (Miguel Afa/Divulgação)
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Mais uma vez o Museu Bispo do Rosario coloca o dedo na ferida e traz à tona para debate aquilo que é o centro da luta antimanicomial: a defesa dos tratamentos em situações de inserção social do paciente e do poder da arte na cura e na possibilidade de uma vida em família e sociedade. Amanhã, dia 11 de março, inaugura a exposição Arte Ponto Vital, em forma híbrido, que vai retratar a história do local onde hoje funciona o Museu, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Mas nem sempre a arte ocupou aquele lugar, que já foi conhecido como “casa dos horrores”, como relatou na década de 1980 matéria no Fantástico que denunciava os eletrochoques, as cirurgias de lobotomia e todos as violências que eram cometidas contra os pacientes da saúde mental. Os acontecimentos ali se confundem com a história da saúde, da cidade, mas, acima de tudo, com a relação entre a psiquiatria e a arte. De colônia agrícola a manicômio, hospital e museu, o lugar já teve muitos usos.

As orfas - obra de Bispo do Rosario, com ferramentas que ele produziu a partir da linha do uniforme dos internos que ele desfiava (objetos revestido por fio azul).
As orfas – obra de Bispo do Rosario, com ferramentas que ele produziu a partir da linha do uniforme dos internos que ele desfiava. (Ian de Freitas/Divulgação)

Para retratar essa história nem sempre bordada com as linhas do Bispo, nome do artista que se tornou expoente internacional da arte brasileira, serão apresentadas obras de diversos autores que já passaram por lá, sob uma curadoria coletiva que conta com a participação dos artistas do Atelier Gaia, que também apresentam suas perspectivas sobre essa história. Podemos destacar várias obras, como as ferramentas que Bispo do Rosário usava para produzir suas obras, que serão expostas pela primeira vez (na vitrine de acrílico), as que ele produziu a partir da linha do uniforme dos internos que ele desfiava (as orfas – objetos revestido por fio azul) e outras, como as dos artistas do Atelier Gaia. 

São 30 nomes que reconstroem o percurso das manifestações artísticas que surgiram na Colônia Juliano Moreira desde a sua criação, nos anos 1940, quando aconteciam os ateliês de arteterapia. E no trilho da narrativa das obras escolhidas, estão lá a evolução dos tratamentos psiquiátricos até o momento atual, a descoberta dos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário e de Stella do Patrocínio, até o rompimento com o sistema manicomial. São pinturas, esculturas, fotos históricas, vídeos e até aparelhos arcaicos que eram usados em pacientes no início do século XX, para tratamentos com choques e lobotomias, por exemplo.

Aparelho de lobotomia, cirurgia que era realizada em pacientes da Colônia Juliano Moreira, no século XX, tratamento abolido das práticas da saúde mental.
Aparelho de lobotomia, cirurgia que era realizada em pacientes da Colônia Juliano Moreira, no século XX. (Ian de Freitas/Divulgação)
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Arte Ponto Vital será uma exposição híbrida, presencial e virtual, e na mesa de abertura, realizada amanhã de forma online, às 19 horas, pelo youtube do museu estarão presentes: Bárbara Neubarth, do Hospital Psiquiátrico São Pedro; Eurípedes Cruz Junior, do Museu de Imagens do Inconsciente; Michelle Louise Guimarães, do Museu de Arte Osório César; Raquel Fernandes, diretora do Museu Bispo do Rosário; e mediação de Christina Penna, da Bispo do Rosario Associação Cultural. Arte Ponto Vital inclui ainda webinários e visitas guiadas e mediadas.

“É importante reviver essa história nesse momento em que, infelizmente, existe um risco real da volta dos manicômios de uma forma disfarçada, em um processo flagrante de silenciamento das pessoas. Muitos artistas viveram e morreram na Colônia, sem nunca ter tido qualquer visibilidade”, explica a médica psiquiátrica Raquel Fernandes, diretora do Museu.

As orfas - obra de Bispo do Rosario, com ferramentas que ele produziu a partir da linha do uniforme dos internos que ele desfiava (objetos revestido por fio azul).
As orfas – obra de Bispo do Rosario, com ferramentas que ele produziu a partir da linha do uniforme dos internos que ele desfiava (objetos revestido por fio azul). (Ian de Freitas/Divulgação)

Entre os trabalhos, além dos artistas de referência do museu, participam também os que integraram o programa de resistência artística do projeto CasaB como Ricardo Basbaum, Fernanda Magalhães e Luiz Gustavo Carvalho, e do Atelier Gaia, como Arlindo Oliveira, André Bastos, Clovis Aparecido, Leonardo Lobão, Luiz Carlos Marques, Patricia Ruth, Pedro Motta, Rogéria Barbosa, Sebastião Swayzzer e Victor Alexandre.

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“Nunca foi tão atual pensar a importância da arte como algo estruturante na essência humana. Ou, como disse o crítico de arte Mário Pedrosa, uma ‘necessidade vital’. Mas quais as possibilidades dentro de universo na vida de pessoas atravessadas pelo sofrimento psíquico?”, explica Ricardo Resende, curador da instituição.

De Colônia à Museu

A Colônia de Psicopatas-Homens, inaugurada em Jacarepaguá em 1924, representou um modelo de assistência psiquiátrica organizado em colônias agrícolas para abrigar pacientes ditos incuráveis. Renomeada Colônia Juliano Moreira (CJM), em 1935, ampliou de maneira significativa suas instalações com a instituição de um novo modelo de assistência – o hospital-colônia. Os anos 1970 marcam o início da luta antimanicomial brasileira, cujos movimentos denunciaram as violências praticadas nos manicômios, além de criticar o modelo de tratamento e lutar por cidadania e direitos humanos.

O avanço da Reforma Psiquiátrica apontou a urgência de atravessar os muros das instituições, reavendo a cidade. Nos anos 2000, a Colônia Juliano Moreira passou a se chamar Instituto Municipal de Assistência à Saúde Mental Juliano Moreira (IMASJM). Foi criado o Clube de Lazer, um dos precursores dos atuais Centros de Convivência e o projeto de geração de renda Arte Horta & Cia para usuários dos serviços de saúde mental. É também nesse período que o museu muda seu nome para Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea.

Em 2013, o Museu incorporou todos os programas culturais do Instituto através de seu novo eixo de atuação local – o Polo Experimental de Convivência Educação e Cultura. Surge o Atelier Gaia, integrante do Polo, que se transforma em um lugar de criação e formação, gerido coletivamente pelos seus artistas.

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A exposição apresenta obras de diversos artistas que já passaram por lá.
A exposição apresenta obras de diversos artistas que já passaram por lá e outros que fazem parte do Atelier Gaia. (Ian de Farias/Divulgação)

Com o apoio do museu, os artistas ampliam suas pesquisas e práticas, favorecendo o ingresso no circuito da arte e o intercâmbio com artistas de outros contextos – em especial através de seu programa de residências artísticas chamado Casa B.

O Polo Experimental – com suas oficinas de bordado, música, mosaico, horta, audiovisual, teatro de bonecos, dança, pilates, culinária, bloco de carnaval e a rádio Delírio Cultural – transforma-se nessa amálgama, que reúne a comunidade, artistas, usuários e trabalhadores de saúde mental em uma relação horizontal e não hierarquizada para experimentar através da arte, novos encontros e possibilidades de existência. Sua potência está na ampliação dos laços, no tornar-se casa, território de vínculos, criação, transformação e afetos.

A exposição Arte Ponto Vital poderá ser visitada de terça à sexta, de 10 às 17h, com entrada gratuita mediante agendamento através do site (www.museubispodorosario.com) ou e-mail agendamento@museubispodorosario.com e haverá limite de pessoas por horário.

Rita Fernandes é jornalista, escritora, pesquisadora de cultura e carnaval.

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