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Por Rita Fernandes, jornalista
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Floresceu e brilhou no palco do 30º Prêmio da Música Brasileira

Em noite carregada de emoção, no Theatro Municipal, a premiação retornou depois de quatro anos, mostrando a força e a resistência da música brasileira

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2 jun 2023, 17h08

A primavera floresceu no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro na noite do 30º Prêmio da Música Brasileira, no último dia 31. E quem é da cultura sabe o que isso siginifica. Depois de quatro anos marcados pelo desmonte da cultura, agravados por dois anos de pandemia, era de se esperar que a celebração traduzisse o sentimento de vitória e de renovação tão esperado, pela resiliência de uma classe que aprendeu a sobreviver nesse país.

Certamente aquela cerimônia será lembrada por muito tempo e por muitas coisas. Pela premiação de artistas como Alaíde Costa – que recebeu o Prêmio de Lançamento MPB pelo disco O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim, uma produção de Marcus Preto, Pupillo e Emicida, quanto merecimento! –, Erasmo Carlos (in memorian) e outros, e pelo menos por três outros fatores que merecem ser destacados: a homenageada, Alcione, a “Marrom”, que mais do que merece esse reconhecimento em vida, com seus 50 anos de carreira; o ineditismo de encontros musicais, com o melhor em termos de pluralidade da música brasileira atual; e a vibração de um cenário cheio de flores, assinado por Gringo Cardia, além de um troféu inspirado na Vitória-Régia, que resumem a alegria desse retorno. Zé Mauricio acertou em cheio e em tudo.

Alaíde Costa ganhou o Prêmio de Lançamento MPB com o disco O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim, uma produção de Marcus Preto, Pupillo e Emicida.
Alaíde Costa ganhou o Prêmio de Lançamento MPB com o disco O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim, uma produção de Marcus Preto, Pupillo e Emicida. (Filmart Media/Divulgação)

O roteiro, apresentado por Lázaro Ramos e Felipe Netto, com a participação da atriz Lilian Valeska no papel de Alcione, contou e cantou a trajetória da cantora maranhaense, a partir de suas histórias de família, da carreira e das fotos, feitas principalmente por Antonio Guerreiro, além dos muitos hits que fizeram da Marrom quem ela é. Alcione é uma artista do povo, intensa e dramática, que canta as dores e as mazelas das paixões e do cotidiano dos relacionamentos sem colocar disfarces. Impossível não cantar junto a estrofes como “Não posso mais alimentar a esse amor tão louco”, em Sufoco, e “Não divido você com ninguém, não nasci pra viver num harém”, em A Loba.

Diante de um teatro lotado, foram passando sucessos como ‘Garoto Maroto’, ‘Minha Estranha Loucura’, ‘Meu Vício é Você’, ‘Nem Morta’, e sambas que se tornaram clássicos na sua voz como ‘Não Deixe o Samba Morrer’, ‘Rio Antigo’ e ‘Gostoso Veneno’.

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A elegância de duas gerações de cantoras que arrasaram na homenagem à Alcione.
A elegância de duas gerações de cantoras que arrasaram na homenagem à Alcione. (Filmart Media/Divulgação)

Maria Bethânia e Gloria Groover marcaram um encontro inédito de duas gerações, que se completaram profundamente cantando “O Meu Amor” e que iniciou a série de apresentações. Destaque para o figurino de Gloria, em consonância com a elegância de Bethânia. Diante de uma titã como é Bethania, Gloria foi perfeita. Criolo chegou com “Garoto Maroto”, rapidamente acompanhado de Xande de Pilares, numa mistura incrível de vozes e estilos. Diogo Nogueira, de dourado como Alcione, acertou em cheio em “Rio Antigo”, numa mistura com os rapazes do Inova Samba.

Emicida, lindo de terno claro, teve a companhia de Fióti, em um contrapondo com sua saia vermelha e capa preta ao melhor estilo “Exu”, trazendo a força da África na interpretação das canções Agolonã e Laguidibá, marcadas pela batida dos tambores e tantãs de Pretinho da Serrinha e sua banda. Zé Ibarra preencheu o teatro com a beleza e afinação de sua voz, na conhecidíssima “Você Me Vira a Cabeça”, com Tim Bernardes e Fran que dividiram com ele o palco em “Me Ébano”, depois das apresentações solo de cada um. Seu Jorge, sem a presença de Isa que havia sido anunciada na programação, veio com “Gostoso Veneno”. Mas o ponto alto das apresentações, merecedor de aplausos de pé de toda a plateia, foi a interpretação arrebatadora de Ferrugem e Péricles em “Sabiá”. Ficou ali a certeza de que os dois, juntos, é uma das coisas mais bonitas que a música brasileira pode ter.

As flores do cenário de Gringo Cardia e a apresentação arrebatadora de Péricles e Ferrugem, com
As flores do cenário de Gringo Cardia e a apresentação arrebatadora de Péricles e Ferrugem, com “Sabiá”. (Filmart Media/Divulgação)

Caetano Veloso entrou sozinho no palco e celebrou a cantora com “Onde o Rio É Mais Baiano”, canção que já gravaram juntos.  A baiana Luedji Luna trouxe de volta a ancestralidade africana com Afrekete e Figa de Guiné. E única apresentação que ficou aquém das expectativas nas homenagens prestadas à Marrom foi a de Marina Sena, com “Nem Morta, demonstrando que ainda falta à cantora experiência e traquejo para um palco daqueles. Acanhada e sem a presença de palco necessária para a força da homenagem, escolheu um figuro que não a ajudou no contexto de sua apresentação.

Alcione entrou no palco de dourado, puro brilho como ela é, fechando a noite, com aquele seu vozeirão jogando aos nossos corações “Magia do Palco”, canção emblemática ao que acontecia ali, e os super sucessos “Pagu”, “A Loba”, “Sufoco” e “O Surdo”.  Delírio e êxtase,  para quem foi ali ver a Marrom. Ao cantor, compositor e DJ Pedro Sampaio, queridinho da garotada, coube o encerramento da festa, com “Não Deixe o Samba Morrer”, logo acompanhado de nada mais, nada menos, que a escola de samba do coração da homenageada, com a bateria da Mangueira

Flores, cores e Vitória-Régia: a nova primavera do PMB

Prêmios, vozes e encontros musicais à parte, a cenografia de Gringo Cardia e a nova marca do Prêmio – que virou troféu –, desenvolvida por Luisa Annik Beauchamps e Julia Iunes, completaram o conjunto criativo e o brilho da noite.

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Gringo, que faz o Prêmio há 28 anos, trouxe flores diversas, fechando com Beatriz Milhazes, em uma celebração ‘bem pra cima’, como ele diz. Simplesmente magnífico todo o cenário,  com muito  colorido, igual ao da própria noite. As flores eram projetadas no palco a cada apresentação, tendo cada número musical uma diferente como tema.

Imagem sem texto alternativo A África, nas canções apresentadas por Emicida e Fioti, vestido de Exu. (Filmart Media/Divulgação)

“Esse ano o Prêmio foi muito especial porque ele marca a sua volta, depois de três anos, por causa da pandemia e pela falta de apoio. Então eu pensei que tínhamos que fazer florir, renascer. Depois do inverno sempre vem a primavera, né, e é isso que estamos vivendo com esse retorno. Além do quê,  combina muito com a Alcione, que apesar de ser uma cantora dramática, é muito positiva, auto astral”, diz Gringo Cardia.

Em paralelo, a urgência e o desejo de uma nova marca, que traduzisse todo esse contexto em que o Prêmio estava sendo realizado. Inspirada na Vitória-Régia, nossa planta amazônica, Luisa Annik (24), filha de Zé Maurício Machline, e Julia Iunes, amiga de faculdade em Londres, desenvolveram uma nova ideia que acabou se transformando também no troféu da premiação.

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Luisa Annik criou a nova marca e troféu do Prêmio da Música Brasileira a partir da Vitória-Régia. Os troféus foram feitos um a um, de material reciclado.
Luisa Annik criou a nova marca e troféu do Prêmio da Música Brasileira a partir da Vitória-Régia. Os troféus foram feitos um a um, de material reciclado. (Luisa Annik/Arquivo pessoal)

“A gente achou que fazia todo sentido uma transição da marca, com uma cara fresca e que refletisse esse novo momento. Eu e a Julia pensamos que ela tinha que traduzir a essência do Prêmio e o que ele se propõe a fazer. Deveria ser uma coisa muito brasileira, que tivesse as características de abrangência, de ser um mapa que traduz a capilaridade do Brasil afora, de captar todos os ritmos, as regiões, de contemplar todos os artistas e de mapear ao máximo o que é lançado. Mais do que isso, marcar que é um prêmio que quer ir atrás da alma brasileira, traduzir essa alma sensível, essa musicalidade, essa coisa orgânica que é a nossa cultura, tão forte, tão resistente”, conta Luisa.

A designer assinou também, junto com sua equipe de animadores, as vinhetas dos indicados ao PMB que foram projetadas no telão, com muitas cores e flores, em harmonia com o cenário digital criado por Gringo. Tendo vivido em Londres, a designer reúne experiência em edição de vídeos e animações no trabalho no Luke Halls Studio, para a exposições como “Hallyu: The Korean Wave”, no Victoria & Albert (Londres), “Amy Beyond the Stage”, no Design Museum, e “Come Home Again”, instalação da artista Es Devlin em Londres.

Completando o conceito de sustentabilidade do PMB, os troféus foram feitos de forma artesanal, a partir de uma resina produzida com plástico de materiais recicláveis, em parceria com o designer de objetos Luiz Bunheirão.

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“Quando a Luisa me fez a desafiadora proposta de criar o novo troféu, eu sugeri fazer de uma forma sustentável. Chamei a pesquisadora Maria Ignes Vasconcellos, uma amiga que trabalha com resíduos de plásticos encontrados na areia da praia e que participou do projeto internacional Cool Globes, sobre o aquecimento global. A ideia foi pegar esse plástico lixo, moer até virar pó e colocar numa resina. Com isso, demos uma reutilização para esse plástico, tirando da natureza e transformando num troféu totalmente artesanal. Depois de pronta, cada peça foi trabalhada a mão’, explica Bunheirão.

Todos os agradecimentos a Zé Maurício Machline por essa enorme realização, com a certeza de que, sim, depois do inverno vem a primavera, celebrando a alegria, a cultura e a democracia. E claro, aos patrocinadores iFood e Santander, que acreditaram e apoiaram tornando possivel.

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de música, cultura e carnaval.

 

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