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Por Rita Fernandes, jornalista
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Do baú de fotos às memórias de um outro Brasil

Revirando baús, revi o Pagode da Tia Doca, com D. Ivone Lara, Paulinho da Viola e Clara Nunes, e descobri a Missa de São Benedito, com Clementina de Jesus

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Atualizado em 11 Maio 2020, 16h18 - Publicado em 11 Maio 2020, 15h45

Há boas descobertas na quarentena. Uma delas é o quanto é importante termos memórias. Venho revirando e revendo meus álbuns de fotos e a vida passa inteira diante das imagens. Meu filho defende a ideia de que só entendemos o tempo por que temos a capacidade de nos lembrar do que fizemos, de nos reconhecer diante do passado. Foi o que fiz ao rever minha própria história nos registros de tantas comemorações, viagens, encontros, projetos, família e amigos.

Falo sobre nós, mas penso também no Brasil, sobre a memória de um país. Me lembro de uma conversa com um grande amigo, Vandelir Camilo, pesquisador que trabalha no campo da memória social. Ele me conta sobre as políticas de estado desde a primeira República para apagar qualquer memória heroica do negro no Brasil, e não deixar qualquer possibilidade de construção de uma identidade coletiva.

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Clementina de Jeus – Missa de São Benedito Clementina de Jesus (de branco) foi solista da Missa de São Benedito, composição de José Maria Neves ()
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Foi nessa conversa que ele me apresentou o compositor e músico negro José Maria Neves e sua Missa de São Benedito, composta em 1965. Essa missa foi apresentada pela primeira vez na Sala Cecilia Meireles, em 1966, e teve como solista ninguém menos do que Clementina de Jesus. Tentei, sem sucesso, encontrar registros nos arquivos digitais do Museu da Imagem e do Som (MIS), porque quero muito conhecer essa missa. Sugeri ao Vandelir que façamos disso uma promessa de um projeto, tão logo as coisas melhorem por aqui.

“O estado apaga trajetórias intelectuais dos negros e só trabalha imagens da escravidão, como as dos quadros de Debret, que retratam cenas no pelourinho e que acabam ocupando nosso imaginário”, ele me disse uma vez. “Nesse mesmo período, tivemos médicos, professores, jornalistas, escritores, todos negros, mas não se falam deles nas escolas e nos livros didáticos”, continua.

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José Maurício Nunes Garcia, médico. Séc 19. (Restauro: Gustavo Marigo/Reprodução)

Fiquei conhecendo também os dois filhos do Padre José Maurício Nunes Garcia, que viveram no século 19. “Sim, o padre teve filhos”, me responde diante da minha curiosidade. Um foi o doutor José Maurício Nunes Garcia, médico e professor na Faculdade de Medicina do Rio. O outro, o jornalista Antônio José Nunes Garcia, dono de vários jornais da imprensa negra. Como a gente não sabe nada mesmo da nossa história!

Ainda da série “revirando os baús”, hoje cedo chegou para mim um vídeo de um Pagode da Tia Doca, gravado pela TV Tupi em 1981. Uma raridade, com um time de bambas da minha Portela, cantando no quintal da Tia Doca, em Oswaldo Cruz, ela que abria sua casa aos domingos para os amigos do samba. Tem Alvaiade, Casquinha, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, novíssimo, e Clara Nunes! Imagina a emoção da pessoa que é portelense, ao acordar com um presente desses?!

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Tanta coisa para pensar nesses tempos de Covid-19, questões de saúde, de sobrevivência. Mas precisamos incluir também reflexões sobre a memória no Brasil. Temos um país que, infelizmente, ainda apaga seus intelectuais negros, constrói narrativas distorcidas, não valoriza seus museus e nem salvaguarda seus patrimônios materiais e imateriais.

Como li em um post outro dia: “sorte de quem estocou momentos para lembrar”. Não somos nada sem memória. Vale para nós, mas vale, acima de tudo, para o Brasil.

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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