Aula regada a torresmo, cerveja e samba celebra 70 anos do Salgueiro
Luiz Antonio Simas dá aula no Bar do Bode Cheiroso seguida de roda de samba, em projeto que conta histórias da cidade e da cultura de rua.
Na tarde de quarta-feira, 5 de abril, o Bar do Bode Cheiroso foi a sede de uma aula diferente. O historiador Luiz Antônio Simas falou, ali na rua, para um público de cerca de 300 pessoas, sobre os 70 anos do Salgueiro, escola de samba do bairro da Tijuca. Aula regada a cerveja, torresmo e samba, com a participação do jornalista Leonardo Bruno, que tem um livro sobre a escola vermelha e branca e se prepara para lançar mais um no segundo semestre, com Nei Lopes.
Não bastasse a aula, que além de contar a história do Salgueiro também destacou a cultura tijucana e carioca, ainda teve a roda de samba comandada por Gabrielzinho da Muda, com várias participações, como João Cavalcanti e Chico Alves, que lembraram compositores da escola.
Esse projeto de retomar as aulas em botequins, segundo Simas, está ligado à pandemia, quando muitos dos bares da região estavam com dificuldades em função do isolamento social imposto à população. “A ideia era fomentar a economia da rua em horários vazios. Ocupar esse vazio com a cultura de rua”, diz.
Para quem não conhece, o Bar do Bode Cheiroso fica na Rua General Canabarro, no Maracanã. Famoso pelos seus petiscos, especialmente o torresmo e os pastéis, o bar funciona desde 1945 e é um dos mais tradicionais da cidade. Simas conta que a região chamada de Grande Tijuca é a que tem a maior concentração de grandes escolas de samba do Rio. Além do Salgueiro, escola homenageada, estão ali as sedes da Estácio de Sá, Unidos da Tijuca, Império da Tijuca, Mangueira e Vila Isabel.
Na sequência das comemorações aos 70 anos do Salgueiro, três grandes bares da Tijuca – Bode Cheiroso, Bar da Gema e Momo – estão homenageando a escola com pratos que se referem a títulos importantes, como “Bahia de Todos os Deuses” (1969), pelo Bode Cheiroso; Xica da Silva” (1963), pelo Bar da Gema; e “Peguei um Ita no Norte” (1993), pelo Momo.
Simas destaca o quanto as escolas de samba estão inseridas nas suas comunidades. “Uma escola de samba não existe para desfilar, ela desfila porque existe. E tem uma diferença grande nisso. Uma grande escola de samba como é o Salgueiro desfila porque primeiro existe, porque tem uma tradição de samba, uma tradição comunitária, uma tradição de seus grandes poetas e de suas matriarcas. Isso é absolutamente fundamental”.
Ali, ficamos sabendo que uma fusão de três escolas deu origem aos Acadêmicos do Salgueiro, em 1963: Depois eu Digo, Unidos do Salgueiro e Azul e Branco. A princípio, a turma da Unidos do Salgueiro não era a favor da fusão e foi difícil escolher as cores da nova agremiação, já que cada uma tinha suas, como azul e branco, verde e branco e azul e rosa. Foi assim que o Salgueiro ganhou o vermelho e o branco, já que não podia ter nenhuma das outras.
“O estudo sobre a história do Rio de Janeiro mostra que a gente festeja no Rio não porque a vida é fácil, mas porque não é. A festa é uma reconstrução do sentido da vida no perrengue. Isso é invenção do samba no Rio de Janeiro”, vai discorrendo o professor.
Revolução Salgueirense
Simas conta que o Salgueiro foi a escola que proporcionou uma virada nos enredos, trazendo, pela primeira vez, as temáticas africanas. “As escolas de samba eram agremiações majoritariamente pretas que contavam em seus enredos uma história oficial branca. Casamento de Dom Pedro, Apoteose de Oswaldo Cruz e por aí vai. Em 1960, o Salgueiro vem com uma ideia inusitada: Quilombo dos Palmares. Zumbi chega à avenida antes de chegar aos livros didáticos. E é o primeiro título da escola!”, conta o historiador, que escreveu recentemente um livro sobre os enredos.
Em 1963, novamente a escola inova com uma dupla transgressão. O enredo Xica da Silva, além da temática negra, traz o protagonismo feminino pra dentro das escolas de samba. “Talvez seja o desfile mais marcante do Salgueiro. Imagine o que é trazer uma protagonista feminina e negra na década de 1960!”, destaca.
O título com Xica da Silva completou 60 anos. O jornalista Leonardo Bruno, que escreveu o livro “Explode, coração – Histórias do Salgueiro” e que lança no segundo semestre com Nei Lopes outro sobre o tema, diz que esse desfile é um marco do período chamado de Época de Ouro das Escolas de Samba, que vai 1963 a 1993. “Quem inaugura esse período é justamente Xica da Silva e quem encerra, no auge da popularidade das escolas de samba, é o enredo Explode Coração, samba que todo mundo, em todo o Brasil, conhece”, ressalta.
Para quem quiser participar das próximas aulas na rua com o professor Simas, dois momentos bem especiais: no dia 16 de abril, domingo, às 11h, no subúrbio de Quintino, inicia o projeto “Coretos – A história nas ruas”, com a aula “Jorge – Um carioca”, em que ele vai falar sobre São Jorge. E, no dia 20 de abril, no Bar Madri, uma “celebração de calçada”, como ele define, também para o Santo Guerreiro.
“É o início de uma parceria com a subprefeitura da Zona Norte e a secretaria municipal de cultura pra correr gira em diversos coretos! Depois tem Vigário Geral e Méier. Levem as crianças, as cadeiras, os isopores, o rosário de Maria, o tambor de santo…”, convoca Simas em suas redes sociais.
(*) A artista Erica Modesto, que eu conheci ali na mesa do bar, colaborou nesta coluna com as fotos de cobertura.
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.