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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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O Rio comemora seus 457 anos em pleno carnaval que não aconteceria

Nesta terça de Carnaval, a cidade completa seu aniversário de fundação às margens da pandemia e de uma nova guerra internacional

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Atualizado em 1 mar 2022, 15h22 - Publicado em 1 mar 2022, 15h21

O Rio de Janeiro dos cartões-postais, a cidade vista a partir de seu litoral, inegavelmente, é ou já foi exuberante. Sua natureza composta por um mosaico de morros, cachoeiras, lagoas, parias, mangues e sertões, cortados pela Mata Atlântica, principalmente antes da depredação ambiental, não é a única e nem a maior parte do Rio.
Considerada um dos maiores destinos turísticos internacionais, a nossa cidade maravilhosa muitas vezes, infelizmente, esquece da maior parte da sua população e do território suburbano, que fica de costas para o Cristo Redentor.

Não podemos negar que o Rio de Janeiro é uma cidade singular, que suas particularidades vão muito além das belezas naturais e do humor e espontaneidade de seu povo. O mesmo Rio que já foi capital do Brasil, entre 1763 e 1960, segue considerado por muitos como capital cultural e sede de um dos principais carnavais do país. Terra com vocação para festas de rua, berço do choro, do samba, da bossa nova e do funk, cenário que no mês de fevereiro costuma atrair os olhares do mundo para uma das suas maiores tradições populares.
Este ano, o mês de fevereiro certamente teve um saber diferente. Sabe aquele gostinho de que o ano só começa de fato depois do carnaval? Parece que dessa vez vai ficar para abril. Só depois do feriado de Tiradentes, dia 21, teremos os desfiles oficiais das escolas de samba encerrando o carnaval carioca.
No entanto, tudo parece indicar que na prática teremos dois carnavais. Assim como em 1912, há cento e dez anos atrás, quando o carnaval também foi adiado, na época devido ao luto oficial pela morte do diplomata brasileiro Barão do Rio Branco.
De forma muito parecida com o que houve no passado, nossas autoridades atuais também não conseguiram impedir que as pessoas fossem para ruas festejar antecipadamente. O que parece ser mais espantoso nos dias de hoje é que mesmo sem termos superado as consequências da variante Ômicron, de maior capacidade de transmissão e mutação do vírus da Covid-19, e em meio a uma guerra entre Rússia e Ucrânia, mas que pode tomar proporções mundiais e até se tornar um conflito com uso de armas nucleares, muita gente só quer mesmo saber de aproveitar a “farra”.
Um outro elemento muito curioso nesse ano é que a terça-feira de carnaval caiu exatamente o mesmo dia do aniversário de fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mais um motivo para os foliões usarem como pretexto para celebrarem.

Foto aérea da Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, mostrando em primeiro plano a Igreja da Candelária.
(Victor Carnevale/Arquivo pessoal)

É fato que a história fluminense se confunde com a própria história do carnaval e que aqui tudo parece acabar em samba. Até mesmo a rua mais antiga do Rio, chamada no passado de Rua Direita da Praia de Nossa Senhora do Monte do Carmo, ou simplesmente Rua Direita, foi palco de inúmeros entrudos, corsos, cordões, blocos, bailes e desfiles. A famosa rua só ganhou o nome de Primeiro de Março na década de 1870, para homenagear a data da vitória definitiva do Brasil na Guerra do Paraguai. Coincidentemente, a efeméride também remete ao dia da vitória portuguesa na guerra contra os franceses pela posse da futura cidade do Rio de Janeiro, fundada oficialmente em 1º de março de 1565.
Muitos ranchos e coretos se passaram até que surgisse a famosa Deixa Falar, em 1928, considerada como a primeira escola de samba a desfilar e também responsável por ser uma das integrantes do primeiro concurso de sambas. A Deixa Falar, do Estácio, concorreu com a agremiação da estação primeira, Mangueira, e com o então Conjunto Oswaldo Cruz, nossa atual Portela.

A cidade maravilhosa que hoje comemora seus 457 anos tem muitas histórias para contar e precisa realmente retomar seu curso e escrever suas novas páginas. Porém, deve fazer isso de forma mais inclusiva e democrática, sem esquecer do nosso importante passado indígena, Tupinambá. Deve se reconciliar com sua ancestralidade preta, com suas múltiplas africanidades que nos ajudaram a forjar nossa identidade. Os cariocas precisam reconhecer a herança cultural de seus muitos migrantes, principalmente de nordestinos como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, que moraram, contaram e cantaram os encantos do Rio de Janeiro.
Temos que reverenciar as mulheres que construíram nossa história, nomes como Chiquinha Gonzaga, que pela primeira vez transformou polcas, frevos e valsas nas nossas tão famosas marchinhas carnavalescas, começando com “Abre Alas”, de 1890.

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Mulher fantasiada no desfile da Marquês de Sapucaí.
(Victor Carnavale/Arquivo pessoal)

Tal como a história do carnaval, a história do Rio de Janeiro é muito rica, ampla e controversa. Possui forte influência ibérica, assim como um marcante traço de miscigenação. Aqui o baile de máscaras se transformou na fantasia dos bate-bola, as valsas da nobreza viraram no nosso samba funk e até muito contraventor, bicheiro, virou presidente de escola de samba.
Da guerra vencida pelos aliados de Estácio de Sá, em 1565, até a inauguração da Marquês de Sapucaí, em 1984, quem já viveu ou vive nesta cidade certamente acompanha um espetáculo que ora é de amor e beleza e, em outro momento, é de dor e sofrimento.

Parodiando Jackson do pandeiro: “Eu vou parar, que não aguento/ o Rio de Janeiro não me sai do pensamento”

Rafael Mattoso é professor, autor e historiador, mestre em História Comparada pela UFRJ e doutorando da linha de pesquisa em História da Cidade e do Urbanismo. Colunista da Veja Rio, da rádio Roquette Pinto e organizador do livro “Diálogos Suburbanos: identidades e lugares na construção da cidade”.

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