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Rafael Mattoso

Por Rafael Mattoso, historiador Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Madureira, com toda força de sua ancestralidade, celebra seu aniversário

Maio é mais um mês fundamental para demostrarmos o orgulho de ser suburbano

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 26 Maio 2022, 10h18 - Publicado em 24 Maio 2022, 16h21
Foto em preto e branco da Estação de Madureira, 1946
Estação de Madureira, 1946 (Arquivo Nacional/Internet)
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Maio deste ano de 2022 tem nos reservado muitas surpresas. O mês ainda não acabou, e já passamos por um eclipse lunar, com direito a “lua de sangue”, tivemos uma forte chuva de granizo que causou estragos, e ainda encaramos recorde de frio, em meio à chegada de uma massa de ar polar.

E nós, como bons cariocas, seguimos na luta!

Porém, maio quis realmente ser singular para a cidade marcando, principalmente, nossa gente dos subúrbios. Basta constatar que só neste mês já celebramos os aniversários de Marechal Hermes (dia 1), que acaba de ter sua batata-frita reconhecida como patrimônio cultural; do Méier (dia 13), que faz aniversário junto com o grande Lima Barreto, famoso morador da região do Grande Méier; e agora chegou a fez de Madureira.

Antes de falarmos mais sobre a importância de Madureira, ainda sobre Lima Barreto, gostaria de dividir uma triste informação que recebi do amigo Pedro Henrique Oliveira Gomes, professor e agitador cultural do Deriva dos Livros Errantes.

PH, como é mais conhecido pelos amigos suburbanos, escreveu o texto em forma de denúncia que reproduzimos a seguir:

“A idiocracia dos nossos dias.

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Desconhecer/ignorar o passado, sacanear o presente e fustigar com o futuro. Apagaram mais uma vez o Lima Barreto!

O Projeto Negro Muro é uma ação direta de cultura e educação antirracista por meio da arte urbana. Tatuam a cidade do Rio de Janeiro com murais emblemáticos que valorizam as histórias e as personalidades da cultura afro-brasileira. Fatos e personagens ignorados em muitos livros didáticos e escolas. Mas que o Negro Muro apresenta pelos muros da cidade, nos seus diferentes cantos e recantos. São inúmeros com apoio de muita gente. No entanto, sofrem com os apagamentos históricos e com a Santa idiocracia dos nossos dias.

Na região do Grande Méier, dois murais foram criados em homenagem ao Lima Barreto, escritor notável com forte ligação em seus escritos com o bairro de Todos os Santos e arredores. Um mural elaborado em 2018, na Rua Vilela Tavares, no muro de uma antiga escola. O mais recente, criado em dezembro de 2021, no muro de um edifício onde ficava a casa de Lima Barreto, na Rua Major Mascarenhas, em Todos os Santos. O que ambos possuem em comum, além do personagem?

Eram representações históricas, sociais e culturais com forte conteúdo pedagógico para educar informalmente pela cidade. E que, infelizmente, foram acinzentados, literalmente apagados, pela falta de memória social, pela burrice e pelo preconceito. Da rejeição da ABL até os dias atuais, continuamos a ver o negligenciamento da sua história e a luta pelo valor da sua obra.

Que o Projeto Negro Muro encontre mais força ainda para encarar e cuspir na cara do conservadorismo dos pequenos e grandes atos do dia a dia.

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Ler é um ato de rebeldia!”

Torna-se ainda mais alarmante saber que o primeiro mural foi ‘acinzentado’ por uma instituição de ensino privada, uma nova escola que assumiu o imóvel quando o comprou do antigo Instituto Nícia Macieira. Já o segundo mural foi inicialmente aprovado pela assembleia do condomínio onde foi pintado. Porém, recentemente, uma mobilização de parte dos moradores do edifício conseguiu votos para apagar a arte do muro.

Soubemos que o argumento usado passou por questões religiosas, críticas ao caráter militante da obra e que supostamente estaria atrapalhando a venda de novos apartamentos no prédio.

Saber disso no ano que completa um século da morte do escritor e ainda mais no mês do seu aniversário é muito revoltante.

Foto da pintura de um Painel de Lima Barreto feito pelo Negro Muro na parede
Painel Lima Barreto (Negro Muro/Internet)

Voltamos o foco para Madureira, pois nesta terça-feira (24), um dos territórios mais representativos da cultura nacional, tantas vezes cantado e exaltado por compositores, artistas e moradores, completa seus 409 anos. Não faltam motivos para comemorar. Madureira foi recentemente escolhida pela prefeitura como primeira região de especial interesse cultural do Rio. Não só o bairro, mas toda sua grande região administrativa se destaca por patrimônios históricos, economia pujante e muitos locais de entretenimento. Para celebrar a data não vão faltar atividades ao longo de toda a semana, como seminários, exposições e até tour gratuito.

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A festa ainda conta com uma extensa programação, realizada pela prefeitura junto a uma séries de parceiros locais. Teremos também a apresentação do Edital de Zonas de Cultura, assim como, a parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e o projeto Museu Nacional Vive. Essa parceria acaba de trazer para Madureira uma réplica do crânio de Luzia, fóssil da mulher mais antiga das Américas com mais de 11.500 anos, e do Berthasaura leopoldinae, um dinossauro muito raro.

Foto da réplica do crânio da Luzia
(Museu Nacional/Arquivo pessoal)

Afirmo que Madureira é um lugar singular, ponto de encontros, experiências, convivências, culturas, samba e jongo, comércio e espiritualidade. Pode se configurar também como lugar de passagem ou trânsitos, mas nunca apenas isso. Acreditamos que conhecer a história, a geografia, a cultura e os patrimônios suburbanos seja o melhor caminho para combatermos os preconceitos que infelizmente ainda existem sobre os subúrbios e seus moradores.

A rica história de Madureira pode ser contada desde as antigas aldeias indígenas, passando pelos quilombos e favelas, importantes heranças das nossas ancestralidades. Porém, também devemos valorizar os esportes, o comércio, a gastronomia, as varias musicalidades e outras identidades dessa grande encruzilhada cultural da cidade.

Aproveitando a data, o Curso de História da Unisuam, por meio do Professor Rafael Mattoso, junto com as guias de turismo Adriana Jackson e Raquel Oliveira, vão promover o 1º Roteiro Histórico Geográfico da Instituição. Com o tema “Histórias, Caminhos e Heranças Afrodiaspóricas de Madureira”, a atividade compreende um tour pelo bairro e seus principais atrativos.

O tour acontece no dia 28 de maio, sábado, às 14h, e se inicia na Rua Carvalho de Souza, 181 (em frente ao Banco do Brasil).

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Precisamos conhecer cada vez mais e melhor a nossa história, ler a cidade e nos reconhecer em suas ruas, praças e casas. Sabemos que é fundamental reverter um olhar que por muito tempo valorizou apenas uma pequena parte da cidade litorânea.

Madureira é a grande encruzilhada da cidade. Lugar de diversidade religiosa, de intenso comércio, de Samba, Jongo, Charme, Hip Hop, futebol, Parada LGBT e muito mais. Espaço da afro brasilidade, onde as diásporas se reconfiguram em novas identidades.

Os subúrbios tem muita história temos a obrigação de conduzir os alunos e outras pessoas interessadas nesta empreitada.

Cartas da visita guiada a Madureira
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Sobre a data do aniversário e até mesmo sobre a idade de Madureira, muitos vão contestar seus 409 anos. O fato é que o nome Madureira veio do sobrenome de um boiadeiro conhecido como Lourenço, que somente em meados do século XIX passou a ocupar a propriedade.

No entanto, a data de 1613 se refere a primeira ocupação colonial oficial, feita através de uma sesmaria concedida inicialmente a Dona Maria de Oliveira, apenas 48 anos após a fundação da cidade do Rio de Janeiro.

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Somente em 1800 os espólios desta terra passariam às mãos do capitão Francisco Inácio do Canto, teria sido o tal capitão (ou seus herdeiros) que arrendou uma parte da sua propriedade para o boiadeiro de nome Lourenço Madureira.

De fato, a escolha administrativa que indica mais de quatro séculos de história deixa brechas para questionamentos. Como historiador, sou obrigado a afirmar que as fontes são pouco precisas, porém encontramos alguns indícios de uma primeira chegada dos colonizadores à região, já no início do século XVII, em duas fazendas originarias da concessão de sesmarias jesuíticas, as fazendas do Campinho e da Portella.

É interessante constatar que a atual Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, no Irajá, originalmente matriz administrativa da Freguesia, ostenta até hoje o ano de 1613 gravado na pedra colonial de sua fachada.

O curioso é saber que Lourenço deteve o imóvel até falecer, em 16 de fevereiro de 1851, e que apenas sete anos após sua morte os trilhos da Estada de Ferro Dom Pedro II, atual Central do Brasil, cruzaram o chão onde, em 1890, seria inaugurada uma estação em sua referência.

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