No mês da Consciência Negra, a capoeira homenageia o Mestre Pastinha
Novembro chega ao fim com a certeza que a luta contra o racismo estrutural deve seguir forte sem baixar a guarda
Chagamos a dezembro com a expectativa que o ano de 2022 traga novas esperanças. Mas antes de falarmos do mês que já começa com o Dia Nacional do Samba, quero propor uma reflexão ainda sobre o fim de novembro.
Na última semana de novembro muitos acontecimentos vieram à tona e me fizeram pensar ainda mais sobre a luta antirracista. Cito como exemplo o dia 24, onde rememoramos o poeta João da Cruz e Sousa, que completaria seus 160 anos. A vida do “Cisne Negro”, como era conhecido o nosso maior expoente do Simbolismo nacional, infelizmente foi uma verdadeira tragédia.
Esse grande poeta e intelectual negro, mesmo sendo extremamente erudito, teve uma vida marcada pela pobreza e doença familiar, além de também sofrer um duplo preconceito: racial e literário. Após falecer prematuramente, com apenas 36 anos, sua esposa Gavita Rosa Gonçalves continuou morando na mesma casa simples situada no bairro suburbano do Encantado, com a mãe que lhe ajudava cuidar dos seus 4 filhos. Em 1915, João da Cruz e Sousa, último filho do poeta, morre de tuberculose, tal como seu pai, sua mãe e seus irmãos.
Da mesma forma, nesta mesma semana, entre os dias 22 e 27 de novembro, recordamos dos 111 anos da Revolta da Chibata. Lembrando que esse motim foi uma iniciativa dos soldados da Marinha liderados pelo “Almirante Negro” João Cândido Felisberto.
Também ocorreu nos dias 26, 27 e 28 de novembro o III Viradão Cultural Suburbano, que em 2021 homenageou os 140 anos do escritor Lima Barreto. Sem esquecer que dia 29 foi aniversario de 75 anos da grande Conceição Evaristo e dia 30 completam 41 anos da despedida ao mestre Cartola.
A influência negra é inquestionável tanto na história como para economia e nossa cultura, entre muitos outros aspectos da sociedade brasileira. São tantas heranças pretas, ancestrais, fortes e potentes que seria impossível escolher uma única manifestação para exemplificar nossa africanidade. Porém, escolhemos falar a partir de agora um pouco mais sobre a capoeira por um motivo também especial, os 40 anos da morte do Mestre Pastinha.
Felizmente contamos com a imprescindível ajuda do amigo e historiador Gabriel Cid, doutor em Sociologia e mestre em Planejamento Urbano e Regional. Gabriel, que também é capoeirista, nos lembra que foi no dia 13 de novembro de 1981, que Mestre Pastinha faleceu, em Salvador, na Bahia. Mesmo assim, após 4 décadas de sua passagem, seu legado continua vivo em todo o mundo.
Mestre Pastinha escreveu livros, gravou LPs, foi tema de filmes, foi à África e principalmente jogou e ensinou capoeira. Seu nome reverbera na corrente que une capoeiristas.
No Rio de Janeiro, há 41 anos, é realizada uma homenagem póstuma à Vicente Ferreira Pastinha, na Rua Uruguaiana, em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos. Já tradicional, a homenagem criada por capoeiristas que seguem a escola pastianiana é realizada após uma missa que acaba em uma grande roda de capoeira.
A capoeira possui uma forte relação histórica com o Rio de Janeiro, pelo menos desde o século XVIII. Inicialmente chamada de capoeiragem sua prática envolvia, como hoje, elementos lúdicos, marciais e possivelmente musicais, calcados nas experiências e memórias de homens e mulheres sequestrados em África e aqui escravizados, mas que foram capazes de resistir e sobreviver.
A capoeiragem, embora não se limitasse à elas, era vinculada à organização das temidas maltas, ao longo do século XIX. Os nagoas e guaiamuns reuniam maltas que possuíam símbolos como uso de cores no chapéu para se diferenciarem, muitas delas distinguidas pelos nomes das freguesias onde se localizavam. Em nossa cidade, ao longo de muitas décadas, apesar da violenta repressão, a capoeira se firmou como um elemento indissociável da paisagem urbana do Rio de Janeiro.
A República, recém-“proclamada” em um dos rotineiros golpes de Estado deste país, não se mostrou afetuosa à prática, ao contrário a reprimiu de forma ainda mais violenta em seus primeiros anos. Ao longo das décadas seguintes a tradição da capoeiragem sobrevive, se transmutando na figura do bamba, do malandro, no universo do samba e até mesmo nos quartéis. Ainda em 1938 havia homens sendo presos no Rio pelo crime de capoeiragem, artigo 402 do Código penal Brasileiro de 1890.
Em Salvador, nas primeiras décadas do século XX, homens e mulheres organizam uma ritualística muito própria do que hoje define o que entendemos como roda de capoeira. Aos poucos, o termo capoeira foi sendo associado a prática esportiva, luta ou folclore nacional.
Nascido em 1889, Vicente Ferreira Pastinha viveu e contribuiu para a passagem da repressão a organização e reconhecimento das escolas de capoeira, sendo um ator de destaque e influenciando novas gerações.
Sabemos que a capoeira carioca foi diretamente afetada pela vinda de mestres baianos para a cidade, na metade do século XX. Nesta fase se destacam os nomes de Arthur Emídio, Paraná, Mário Buscapé e Roque. Estes Mestres vieram da Bahia para o Rio de Janeiro e aqui, junto a seus alunos, criaram um estilo que se tornaria típico do que poderíamos chamar de capoeira carioca suburbana. Não somente, mas neste momento especialmente nos Subúrbios se organizaram escolas e grupos que ainda hoje se fazem presentes. Em 1970, Mestre Moraes, que aprendeu capoeira na academia de Pastinha, chega no Rio e anos depois forma outros mestres que dão continuidade à tradição da nossa Capoeira Angola. Essa tradição pôde ser vista na 41° Homenagem Póstuma à Mestre Pastinha, realizada no último 13 de novembro de 2021, vadiando com outras linhagens do universo da capoeira.
Após a Roda, os convidados puderam comer mocotó e visitar a exposição com fotos e pensamentos pastinianos, organizados por Mestre Neco Pelourinho que atualmente dá aulas de capoeira angola no Espaço Quilombo Cultural Casa do Nando, na Rua Camerindo, 176.
Este texto foi escrito em parceria com Gabriel Cid, doutor em Sociologia, pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da UERJ. Gabriel é um dos autores dos livros ” Nos quintais do samba da Grande Madureira: memória história e imagens de ontem e hoje” e “Memórias, identidades, territórios: diálogos entre gerações na Região da Grande Madureira”.