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Rafael Mattoso

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Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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A Portela celebra seus 99 anos de resistência

Salve o samba de Oswaldo Cruz, sua águia altaneira e toda comunidade azul e branco!

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
11 abr 2022, 13h49
Desfile da Portela 2018
Portela: Azul e Branca tem 22 títulos do Carnaval e seguirá no topo em 2024 (Léo Cordeiro/Arquivo pessoal)
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Depois de um duro e longo tempo sem poder voar sobre a avenida, felizmente, a águia azul e branco já está prestes a decolar novamente. Quis o destino que seu retorno ao carnaval ocorresse no mesmo mês do seu aniversário de fundação, faltando apenas um ano para celebrarmos um século de existência e muita resistência.
As expectativas são grandes quanto às coincidências que nos trouxeram até aqui: em 2021, rememorarmos os aniversários de 120 anos de Paulo da Portela, em 18 de junho, assim como os 100 anos de Zé Kéti, em 16 de setembro. Tudo isso no mesmo ano em que a Portela se tornou patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro, apenas quatro dias após o Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro, e, infelizmente, só cinco dias antes de o mestre Monarco ter virado uma eterna estrela na velha Guarda Celestial.
A força que emana desses grandes griots, representantes legítimos das nossas diásporas africanas, nos conduzem a seguir lutando, preservando e transmitindo cultura e sociabilidades a partir dessa escola suburbana de Oswaldo Cruz.
O compromisso e a responsabilidade para defender toda essa ancestralidade se tornam ainda mais pujantes quando o seu enredo exalta o baobá, a milenar e gigantesca árvore da vida. Neste dia 11 de abril, data do seu aniversário, a Portela é mais do que nunca um frondoso baobá, ligação visceral entre o Ayê, nossa casa Terra, e o Orum, céu espiritual.
Agora faltam poucos dias para o carnaval 2022, ano onde também comemoraremos os oitenta anos de Clara Nunes, além dos quarenta anos do sucesso da música eternizada em sua voz, “Portela na Avenida”, que virou marco do carnaval de 1982. E, como diriam Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte: “Salve o samba, salve a santa, salve ela. Salve o manto azul e branco da Portela, desfilando triunfal sobre o altar do carnaval.”

Foto Vilma Nascimento, porta-bandeira da Portela, durante o Carnaval de 1979
Vilma Nascimento, porta-bandeira da Portela, durante o Carnaval de 1979 (Aníbal Philot/Internet)

Buscando expressar melhor a importância da data e o sentimento de amor e identidade portelense, convidamos os amigos do Departamento Cultural da Portela, aqui representados nas figuras de Rogério Rodrigues e Mauro Sérgio Farias, para nos ofertar um pouco mais dessa rica história.

“Na maior parte de sua história, o Brasil conviveu com a vergonhosa chaga da escravidão – um processo absolutamente violento, que deixou marcas profundas em nossa formação cultural. Evidentemente, a barbárie inerente a esse processo não se estabeleceu sem resistência por parte das pessoas escravizadas e seus descendentes. Em diferentes momentos históricos, foram desenvolvidas estratégias das mais variadas para sobreviver à violência do cativeiro e do racismo dele decorrente. Formaram-se quilombos, irmandades religiosas e várias outras redes de ajuda e assistência. Legítimas herdeiras dessa tradição de resistência, as escolas de samba se constituíram e se constituem desde o seu alvorecer como estratégia de sobrevivência de descendentes de africanos escravizados. Não à toa, os principais núcleos de irradiação do samba no Rio de Janeiro se formaram concomitantemente a um violento processo de segregação, quando no começo do século XX, grandes contingentes de negros pobres foram desalojados do centro da cidade.

As reformas urbanas, associadas a um projeto higienista e excludente, deram poucas opções para as classes populares além de morros e ou terrenos nos entornos das estradas de ferro, ajudando significativamente no adensamento ocupacional das favelas, subúrbios e baixadas da cidade.

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Logo, essas agremiações representam resistência no sentido essencial do termo. São espaços de socialização, ajuda mútua, lazer e expressão cultural de comunidades formadas a partir de sobreviventes da exclusão, da indiferença e do racismo. E, mais importante de tudo, elas constituem um espaço de preservação e divulgação de saberes e práticas culturais de descendentes de africanos escravizados na Diáspora. Elas são a afirmação concreta da resistência e da identidade de um território.

Esse mês de abril é particularmente importante para um desses territórios. O lugar a que nos referimos surgiu a partir de ex-escravos oriundos das fazendas do interior do Estado do Rio de Janeiro e da Zona da Mata mineira, de comunidades ‘expulsas’ do Centro da capital pelo ‘botaabaixo’ e que seguiram para a Zona Norte da cidade, formando o bairro que, posteriormente, veio a ser conhecido como Oswaldo Cruz.

Nos dias de hoje, a região é conhecida por ser o berço da escola de samba Portela. Com 99 anos celebrados neste 11 de abril, a histórica agremiação carnavalesca é reconhecida por sua trajetória de resistência e pela sua rica produção artística. O escritor Nei Lopes, profundo conhecedor do universo do samba e da cultura afro-brasileira, nos dá uma ideia do quão importante é essa conexão entre as escolas de samba e seus territórios. Em seu Dicionário da Hinterlândia Carioca, no verbete sobre Oswaldo Cruz, ele faz questão de mencionar a Portela como a sua ‘mais importante expressão cultural’. Tal afirmação reflete o grau de importância da escola na vida da região em que ela está inserida, sem nenhum exagero.

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O primeiro grande líder da agremiação, o compositor Paulo da Portela, foi um batalhador incansável pelo reconhecimento das manifestações culturais de sua comunidade como legítimas e respeitáveis. Ele pleiteou, junto ao poder público, o aval para as festas e apresentações carnavalescas da Portela e de outras agremiações, constituindo-se uma liderança reconhecida por todo o mundo do samba. Paulo empenhou-se pessoalmente em afastar os estigmas que sempre rondaram as manifestações culturais populares, como a feiura e a marginalidade, incentivando os sambistas a se vestirem e se portarem com elegância e altivez. Era conhecido seu lema segundo o qual sambistas deviam estar com ‘pés e pescoços ocupados’, o que se traduzia no cuidado em usar gravatas e bons calçados. Um esforço consciente em distanciar-se dos pés descalços que anteriormente caracterizavam os negros escravizados.

Viver e circular por Oswaldo Cruz, Madureira e bairros adjacentes é testemunhar cotidianamente a centralidade dessa escola quase centenária na vida da comunidade. É topar com o legado de Paulo da Portela em cada esquina. É vivenciar, de forma concreta, 99 anos de arte, cultura e resistência. Que cheguem os cem.”

Foto da águia da Portela no desfile 2018
Portela no desfile 2018 (Guy Veloso/Internet)
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A trajetória da maior campeã do carnaval carioca segue seu curso. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, mesmo tendo sido fundado em 11 de abril de 1923, continua com toda vitalidade cantando e encantando Madureira e toda a cidade, repercutindo no Brasil e no mundo.
Única escola que participou de todos os desfiles, sa Portela foi inclusive campeã do primeiro concurso de escolas de samba que ainda não era oficial, em 1929. Desde então, muitos nomes significativos ajudaram a pavimentar o sucesso dessa instituição. Entre seus bambas destacamos: Paulo da Portela, Antônio Rufino, Aniceto, Manacéa, Argemiro, Chico Santana, Casquinha, Alcides, Candeia, Waldir 59, Zé Ketti, Wilson Moreira, Monarco, Noca da Portela, Paulinho da Viola, Tia Surica e Tia Doca, entre tantos outros.
Certamente precisaríamos de muito mais tempo e espaço para retratarmos devidamente a grandeza da Portela. Felizmente, existem muitos trabalhos que se debruçam e dão conta desta tarefa. Os livros “Paulo Da Portela: traço de união entre duas culturas”, de Marília Barboza e Lygia Santos, “Tantas Páginas Belas: histórias da Portela”, de Luiz Antônio Simas, e “A Velha Guarda da Portela”, de João Baptista M. Vargens e Carlos Monte, são só alguns desses bons exemplos.
Assim como afirma o grande Paulinho da Viola, por mais que eu tente, “Não posso definir aquele azul, não era do céu, nem era do mar. Foi um rio que passou em minha vida. E meu coração se deixou levar.”

Foto dos inegrantes da bateria ajoelhados em frente a águia da quadra da Portela
(Departamento Cultural da Portela/Arquivo pessoal)

Este texto foi escrito em parceria com Mauro Sérgio Farias, pesquisador, historiador e membro do Departamento Cultural da Portela. Ex-integrante do Departamento Cultural da Lins Imperial e avaliador do Troféu Estandarte Mirim.

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