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Por Patrícia Lins e Silva, pedagoga
Educação
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A educação em tempos de pandemia: todos em adaptação

“A aula na tela não pode ser uma imitação da versão presencial porque diversos fatores são diferentes e interferem na maneira de aprender”

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Atualizado em 22 Maio 2020, 19h09 - Publicado em 1 Maio 2020, 08h00

Quem pode produzir grandes obras científicas, literárias ou artísticas em casa, com filhos à volta, roupa no tanque para lavar, jantar para preparar e trabalho a fazer? Pois, durante a peste que dizimou um quinto da população de Londres, William Shakespeare e Isaac Newton não apenas sobreviveram à doença como criaram obras portentosas, admiradas até hoje. A pergunta que não cala é como realizaram esse feito. Uma resposta que ocorre é que conseguiram tal proeza porque não tinham a responsabilidade de cuidar dos filhos e da casa. Shakespeare morava em Londres e a família ficava em Stratford-upon-Avon. Teve tranquilidade para escrever a angustiante tragédia O Rei Lear, uma história bela e inquietante.

Newton nunca se casou nem teve filhos e se refugiou na propriedade de sua família, no leste da Inglaterra, isolada e com muitas macieiras, debaixo das quais teve todo o sossego para desenvolver suas teorias sobre óptica. A pandemia vem desvelar as desigualdades já existentes. O isolamento social não é igual para todos: uns trabalham de casa; outros têm meios para se sustentar no isolamento; uns estão instalados em espaços grandes, o que é diferente de estar num lugar apertado; muitos precisam sair para trabalhar, mesmo com os riscos; e muitos outros nem têm como se isolar ou de onde tirar o sustento.

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No caso específico das mulheres, a pandemia representa um retrocesso, uma volta no tempo. Com colégios e creches fechadas, sem poderem terceirizar os cuidados dos filhos e da casa, elas reassumiram o trabalho doméstico, com a estranheza da escola online, nunca experimentada antes pelas crianças, pela família e pela própria instituição. Todos estão em adaptação. A escola precisa oferecer outra dinâmica, porque diversos fatores são diferentes e interferem na maneira de aprender. A aula na tela não pode ser uma imitação da versão presencial.

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Como diz Yuval Noah  Harari, autor dos livros Sapiens e Homo Deus, o que as escolas ensinam hoje está ultrapassado para quem será adulto daqui a dez ou vinte anos. Os “conteúdos” atuais não terão sentido. A tecnologia digital e a internet mudaram o que é preciso saber para viver no século XXI. A automação, os robôs, a inteligência artificial, as “máquinas que aprendem” farão tarefas antes realizadas por humanos. E, se a informação for necessária, pode-se achar tudo nos sites de busca.

A escola terá de dar ênfase à capacidade de aprender e de pensar dos alunos. O professor é fundamental para orientá-los na solução de desafios e problemas reais (como o que estamos passando, por exemplo), que farão parte da realidade do futuro. Precisarão aprender a inovar, criar, raciocinar. As crianças têm de construir autonomia para enfrentar os desafios sozinhas, com seus pares, não na condição de dependência, mas de troca. A família precisa entender que a escola mudou, que aquele modelo que conhece e frequentou era outro, bom, mas que não é para esta nova era.

A mãe não tem de assumir o papel de professora. A criança vai resolver suas dúvidas com a equipe e com os colegas. Ainda haverá bastante tempo para se conseguir compreender como será a forma e o funcionamento da escola que virá. Agora se vislumbra uma transição imposta pela pandemia, que obriga a pensar novos caminhos. Viver num momento de transição é como existir numa realidade híbrida de passado e futuro, com um presente penoso e tenso.

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Junto à crise sanitária, a crise econômica que a acompanha acena para desemprego e recessão, o que leva a família a pensar na possibilidade de estender a atual situação e recorrer a quem sempre foi “mão de obra não remunerada”, na expressão da filósofa italiana Silvia Federici. Se a mulher lava, cozinha, arruma a casa e cuida de filhos, é claro que não sobra tempo para escrever um Rei Lear ou elaborar uma teoria da óptica. Aquelas necessitadas, cujo trabalho costuma exigir presença física, são ainda mais atingidas. Como principais provedoras da família, precisam de alguma renda.

Sem escolas nem creches, com quem ficam as crianças que não têm o privilégio de aulas online? Mesmo ampliado, o conceito de família tradicional ainda coloca frequentemente a mulher como cuidadora e o homem como provedor, mesmo que ela trabalhe fora. Espera-se que a pandemia leve a humanidade a refletir sobre suas absurdas e injustas desigualdades. Agora é tempo de pensar em soluções equitativas de gênero e na correção da abissal e inaceitável desigualdade econômica e social que existe entre as pessoas que habitam o planeta.

*Patrícia Lins e Silva é pedagoga e autora do livro Inteligência Se Aprende

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