Livro tenta ressignificar passado de filhos trans
"Manto da Transição" fala sobre a perspectiva das mães de filhos que fizeram a transição de gênero
A transição de gênero é um marco para pessoas trans e todos que os cercam, especialmente a família. Levantando o debate com o intuito de ajudar outras mães que passam pelo mesmo processo, a escritora e dramaturga Adélia Nicolete lançou o livro “Manto da Transição: Narrativas Escritas e Bordadas por uma Mãe de Trans”. Nas páginas, além de contar seu relato pessoal e de outras mães que também passaram pelo mesmo processo juntos dos filhos que fizeram a reafirmação de gênero, Nicolete ainda busca ressignificar os momentos vividos no passado.
“Assim que meu filho verbalizou o desejo de transição, em 2014, ainda era precária a visibilidade da trans masculinidade. Não tínhamos informação na mídia, não conhecíamos ninguém, e eu fiquei numa situação desesperadora e resolvi fazer um diário pra ser um registro escrito do que estava acontecendo comigo”, conta a autora.
Foi a partir dessa coletânea de memórias escritas ao longo da transição do filho Bernardo que surgiu a ideia do livro. “Eu quis fazer um projeto em que a experiência materna de transição fosse conhecida para que outras mães sentissem um acolhimento no seu desespero, na sua culpa, no seu medo”, explicou Adélia.
A partir do momento que conheceu outros meninos trans masculinos e suas mães, para autora perdeu o sentido que fosse apenas a sua experiência pessoal. Foi quando teve a ideia de ouvir outras mães de diferentes origens, profissão e condições econômicas para lançar um livro com uma série de narrativas que não escondem o sofrimento, mas que tem como final o acolhimento. Adélia acredita que com a visibilidade sendo cava vez maior a fase de culpa que muitas mães sentem tende a ser desmistificada.
Mas o livro traz ainda uma importante discussão sobre o que fazer com o passado vivido ao lado dos filhos. “Várias mães falaram o quanto era difícil de desfazer do vestidinho, das fotos, do objetivos que caracterizavam o filho antes da transição”, lembra a autora. Foi daí que surgiu a ideia de ressignificar as vestimentas, através do bordado, que compõe a segunda parte da obra literária.
“Esse projeto de alguma forma está dizendo que não é preciso jogar fora. Que a gente pode dar um outro sentido para essas peças de roupa e ela pode transitar de algo guardado no fundo do baú que olhamos as vezes pra chorar em outra coisa, como uma obra de arte, que conta uma história de acolhimento”, explica Nicolete.
Ela acredita que é uma forma de não se desfazer do passado que foi vivido, mas dar um novo significado para ele, respeitando a individualidade do filho: “A gente escuta muitas vezes que as mães tiveram que viver um, que foi preciso a filha morrer para nascer o filho. Mas não é isso. Se o acolhimento acontece de maneira tranquila pra todo mundo esse passado ele continua lá. A gente apenas passa a encarar como o passado do nosso filho, que usava outra roupa mas que é o mesmo. Passa a falar das situações que aconteceram se referindo no masculino, mas não esquece tudo que foi vivido”.