Ilustrando a infância
Se tivesse que dizer um nome cobiçado no momento dentro do mercado editorial brasileiro (e estrangeiro), ele seria Roger Mello. Natural de Brasília, e com uma carreira consolidada por aqui, o ilustrador, de 48 anos, foi o primeiro artista brasileiro a conquistar o Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o “Nobel” da literatura infantil, na categoria […]
Se tivesse que dizer um nome cobiçado no momento dentro do mercado editorial brasileiro (e estrangeiro), ele seria Roger Mello. Natural de Brasília, e com uma carreira consolidada por aqui, o ilustrador, de 48 anos, foi o primeiro artista brasileiro a conquistar o Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o “Nobel” da literatura infantil, na categoria em que é especialista. O rapaz, que já havia sido indicado nas outras duas últimas edições (2012 e 2010), agora se junta às escritoras Lygia Bojunga e Ana Maria Machado, que também trouxeram a premiação para o Brasil em 1982 e 2000, respectivamente.
O anúncio foi feito durante a Feira do Livro de Bolonha, na Itália, na semana passada, e desde então a agenda de Roger não para de acumular compromissos. Muito simpático, conversamos sobre a renomada carreira e a nova premiação- tudo registrado logo aí embaixo ; )
Ah! Por curiosidade, o Roger se formou em Desenho Industrial e Programação Visual pela UERJ, trabalhou ao lado do Ziraldo e já se dedicou ao desenho animado, com cursos no Senac, na própria UERJ e no grupo Animation, com a equipe do National Film Board, do Canadá. Vinhetas para TV e peças de teatro também estão no seu gordo currículo.
Após estar entre os finalistas por duas vezes seguidas, o prêmio finalmente chegou. Por que acha que levou desta vez?
Acho que neste momento eles realmente entenderam a minha ‘proposta viajante’. Apesar de morar no Rio há mais de 30 anos (Roger se divide entre o Leblon e Pedra de Guaratiba), sou nômade, já estive em mais de treze países e tento trazer essa relação entre culturas para o meu trabalho. E foi essa uma das justificativas dos avaliadores: saber explorar a história do país sem diminuir a inteligência da criança para decodificá-la. Em meus desenhos, elas são guiadas pela imaginação.
E era um resultado esperado?
Nossa, eu achava que ia perder feio. Estava disputando com grandes nomes, entre eles John Burningham! (que já foi traduzido por Ana Maria Machado, em livro esgotado no mercado). Mas a graça é ganhar de bons concorrentes, não é mesmo?
Quase todo o seu repertório é construído na área infantil. Algum motivo especial?
É um público sensacional por falar o que pensa. Além do mais, tudo o que toca o imaginário, o fabuloso, geralmente é do território infantil. Mas pensar na criança como um público-alvo é traí-la, pois o “a quem de destina” é muito amplo. O gênero infantojuvenil não é um, mas vários. Então quando escrevo, escrevo para mim e elas são as motivadoras.
Geralmente as pessoas consideram ilustrações algo acessório, podendo até mesmo desmerecer um livro por conter muitas delas. O que acha disso?
Uma bobagem, as pessoas precisam parar de falar isso. Na nossa história, os livros sempre foram ilustrados. Imagem e texto se complementam.
Junto a programas e instituições culturais, você costuma circular o Brasil para lecionar oficinas de ilustração. O que procura ensinar aos participantes?
Procuro mostrar como fazemos para a imagem falar, mas de maneira alguma imponho um modelo. A pessoa deve encontrar em si o seu grito, o que julga provocar ao lado do texto, algo que não esclareça, mas lance novos olhares.
Podemos perceber no seu trabalho a presença de muitas cores vivas e imagens naturais, como plantas e bichos. Seria uma forma de representar o país?
De fato, passo longe do cara da escala pastel. A minha cor entra com a saturação no máximo. Mas não reafirmo estereótipos porque somos isso. O sangue é vermelho, por exemplo. E tem mais: cor não significa nada. Branco não é paz, amarelo não é riqueza. Cor é interação e fluxo. Sobre os bichos, animal é anima, ou seja, provido de alma, quase não se diferencia de nós. É a possibilidade do outro, e eu posso chegar até mim entrando em contato ele.
Quando começou a desenhar de fato? Chegou a fazer algum curso de aperfeiçoamento?
Desenho desde os três anos de idade e a minha primeira ilustração, veja só, foi um bicho. Mas comecei sozinho, ninguém era artista lá em casa, mas me estimulavam guardando minhas artes. O problema é quando os pais criam uma expectativa em cima da criança ao perceberem um rastro de talento, e isso mata o processo. Ah, gosto de destacar a Biblioteca Escola de Criatividade, em Brasília. Fui matriculado lá quando pequeno e pude construir minhas bases. Tínhamos muita liberdade, a única coisa proibida era copiar- o que me deixava louco quando gostava do desenho ou de alguma referência.
E o que pensa sobre a entrada da tecnologia na construção das imagens?
Era inevitável. A ilustração digital existe, mas não é a única linguagem. Acredito que com o tempo, o processo lúdico será cada vez mais valorizado. Eu, por exemplo, respeito, mas prefiro tudo à mão. Uso tinta de parede, rolinho, pincel, lápis de cor e giz de cera. Gosto da matéria, apontar o lápis, tudo isso ajuda a pensar o elemento constitutivo.
No seu amplo acervo, tem algum trabalho que gosta de destacar e outros que se arrepende de ter feito?
Adoro o Todo Cuidado é Pouco, que escrevi em 1999. É um livro doido, sobre o caos, que vai emendando causas e consequências e recheado de personagens. Nunca desenhei tanto! E livros que me arrependo? Vários! Na década de 90, ilustrei muitos que podem entrar nessa lista, mas prefiro não citar nomes. Eles tinham bons textos, mas precisava de mais tempo.
Por falar nisso, quanto tempo leva geralmente para terminar uma obra?
Até um ano e não demoro nunca menos que três meses. Preciso do tempo do descanso, guardar a produção na gaveta, voltar, remexer, guardar novamente. Mas minha dedicação ao trabalho é 24h. A arte não é dissociada da vida.