Coronavírus: a razão que você precisava para (finalmente) parar de fumar
Fumar aumenta, e muito, as chances de grave adoecimento e morte em meio à pandemia
Quando recebo vídeos catastróficos e sensacionalistas em grupos de WhatsApp, faço a minha parte como médica: ofereço informações científicas aos que me cercam. Estamos na época em que a ciência deve ser mais valorizada. Não apenas o conhecimento científico que previne graves adoecimentos e mortes relacionados à Covid-19, mas também aquele que pode nos proporcionar vacinas e tratamentos mais eficazes.
Pois bem, hoje venho dar uma boa notícia: se você é fumante, pode fazer mais do que ficar em casa, se não deseja morrer de coronavírus. Basta deixar de fumar.
Já sabemos há muitas décadas que o uso de cigarros está relacionado a baixa de imunidade e a diversas doenças respiratórias, como bronquite e enfisema, que são fatores de risco para o Covid-19. O que não sabíamos, e que considero de extrema relevância, é que fumar aumenta, e muito, as chances de grave adoecimento e morte em meio à pandemia.
É o que indicou um estudo publicado no Chinese Medical Journal, em pacientes com Covid-19 e hospitalizados por pneumonia, mostrando que a probabilidade de uma progressão desfavorável da doença – levando à necessidade de ventilação mecânica, UTI e até mesmo à morte – era 14 vezes maior em pessoas com histórico de tabagismo, comparativamente às não fumantes.
Outro estudo, ainda maior, publicado no European Respiratory Journal, acompanhou 1590 pacientes hospitalizados em vários centros médicos da China. Os especialistas analisaram a relação entre comorbidades – como diabetes, hipertensão e cardiopatia – com a evolução dos casos para os desfechos mais graves (inclusive óbito). Eles descobriram que há um aumento de 67% de chance de progressão desfavorável do caso somente pelo fato de o paciente ter fumado ao longo da vida, independente da idade, comorbidades ou das condições geralmente associadas ao tabagismo (como enfisema ou câncer, por exemplo). Para os desavisados, tenho um acréscimo: o uso de tabaco aquecido ou de cigarros eletrônicos não diminui a vulnerabilidade do indivíduo. Esses dispositivos também têm ação inflamatória.
É triste quando dados de estudos chineses começam a se comprovar em casos reais pertos de nós, aqui no Brasil. Na semana passada, uma sargento da PM, de apenas 46 anos, faleceu de Covid-19. Ela era ex-fumante.
Como se não houvesse evidências suficientes, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ressalta que o gesto de levar o cigarro à boca pode acabar transferindo o vírus para dentro do organismo, se a mão ou os dedos estiverem contaminados. Outro comportamento condenado pela OMS é o compartilhamento de utensílios para fumo, como narguilé e cigarros eletrônicos (vapers).
Pode-se mesmo extrapolar que, possivelmente, mais homens morram devido ao Covid-19, pois existe um maior contingente de homens fumantes. Mas essas são apenas suposições.
O fato é que muitos pacientes vêm me procurando com a ideia de parar de fumar. O momento é propício. Por mais que o isolamento e o temor da morte possam aumentar a ansiedade, eles mesmos podem ser utilizados como força propulsora para a mudança. São tantos os hábitos que reavaliamos em meio a essa pandemia, por que não mudar mais este? Se estamos em um momento em que o espírito de solidariedade está mais presente, então é hora de pedir ajuda aos amigos, à família, àqueles com quem se convive, utilizar de todos os recursos disponíveis em plataformas online em busca de apoio para vencer mais este desafio.
Talvez a pandemia tenha chegado para reduzir nossa dimensão de espaço e ampliar nossa dimensão de tempo. Quem sabe assim possamos nos curar de tantas amarras internas que não nos dávamos a oportunidade de resolver. O cigarro é mais uma delas. Afinal de contas, parar de fumar é a coisa mais importante que um fumante pode fazer por sua vida!
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.