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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Coronavírus e a tempestade perfeita da “quarta onda”

As novas vítimas em saúde mental pós-pandemia se somarão ao grande déficit atual de atendimento

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 28 abr 2020, 13h19 - Publicado em 28 abr 2020, 13h07

Em seu livro “O ponto da virada” (Editora Sextante), o jornalista Malcolm Gladwell desenvolve a ideia de que pequenas mudanças no equilíbrio de um sistema podem levar a grandes efeitos. “A melhor maneira de compreender o surgimento de tendências da moda, o fluxo e refluxo das ondas de crimes, assim como a transformação de livros desconhecidos em best-sellers, o aumento do consumo de cigarro por adolescentes, os fenômenos da propaganda boca a boca ou qualquer outra mudança misteriosa que marque o dia-a-dia, é pensar em todas elas como epidemias. Ideias, produtos, mensagens e comportamentos se espalham como vírus”, define o autor.

Pontos de virada também costumam ocorrer em catástrofes como a atual pandemia do novo coronavírus. Eventos que em outros contextos levariam a consequências moderadas, sob as atuais circunstâncias podem ter efeitos maiores.

Um exemplo de fator que pode provocar um ponto de virada é a perda de fé nos líderes e nas instituições. Quando esses pontos de virada ocorrem, a aderência às medidas de proteção à saúde diminui rapidamente. “Ideias se espalham como vírus”, sinalizou Gladwell. E diante do vírus mais letal das últimas décadas, quando a população precisa receber e acreditar em ideias e mensagens uniformes enviadas por seus governantes, o que vemos são fatos políticos que mostram uma verdadeira dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios e expõem a população a uma verdadeira epidemia social. A esta altura do campeonato, não precisamos de desinformação e falta de confiança como fatores de estresse. Em meio a algo tão novo quanto essa pandemia, parece que teremos muito trabalho pela frente.

Outro vetor desestabilizador é a mídia, que ao mesmo tempo em que dissemina informação atualizada e confiável, pode transmitir medo e angústia pela exploração monotemática da tragédia.

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Algumas autoridades sanitárias começam a falar em uma “terceira onda” de crise no sistema hospitalar por conta da demanda reprimida de tratamentos postergados em função da Covid, como diabéticos, hipertensos e cardíacos. No entanto, já pode-se falar também de uma “quarta onda”: depois de quase dois meses de isolamento social, não é exagero afirmar que haverá um rastro de duras consequências na saúde mental da população. Vários serviços de psiquiatria estão sendo fechados, tanto de tratamento ambulatorial quanto de internação, numa postura desqualificadora e preconceituosa para com a atenção à saúde mental. A eles, soma-se o acúmulo de pacientes com transtorno psiquiátrico prévio que já não encontravam suporte no sistema de saúde. O que até um mês atrás parecia uma marola, ganha corpo a cada novo caso de indivíduo sem tratamento e em sofrimento. A tempestade perfeita está desenhada.

Transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e quadros complicados de luto constituem importante parte das doenças e das causas de morte associadas às catástrofes. Em maior frequência, ocorrem reações psicológicas agudas como diminuição do sentimento de segurança, raiva, além do engajamento em comportamentos de risco à saúde, como uso de medicamentos, álcool, tabaco, violência e conflitos interpessoais.

Nem todos estão conseguindo procurar seus médicos psiquiatras ou psicólogos, outros não se sentem à vontade com consultas online. Para completar, ainda há o preconceito com a ajuda em saúde mental, sob o inacreditável estigma de que “é coisa de maluco”.

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O resultado é que as reações psicológicas e os comportamentos de risco, bem como suas consequências, acabam aparecendo nas emergências dos hospitais, criando um peso ainda maior para o sistema de saúde, já colapsado pela Covid-19. Tais indivíduos, já com danos psicológicos, não encontram acolhimento ou apoio nos profissionais de saúde, sobrecarregados que estão.

Nem tudo é má notícia. A mesma experiência traumática que nos apontou os transtornos mentais que enfrentaremos, também nos mostrou que a resiliência está presente, e que a maioria de nós se sairá bem. Sem dúvida, líderes inspiradores, escolas e comunidades religiosas serão fundamentais para construir fontes de superação às sequelas psicológicas da pandemia. Mas o que já era importante agora será vital: o trabalho conjunto dos especialistas em saúde mental (assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras) para dar acolhimento e ajuda à população neste momento.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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