Coronavírus : decisões em tempo de incerteza
Nossa especialidade em planejar o “depois” subitamente não existe
Todo fim de ano é assim: várias decisões tomadas, promessa de mudanças de hábitos e lista de novos projetos. Mas a verdade é que entra ano, sai ano e caímos de novo no modo “piloto automático”. Em dezembro, temos a esperança que janeiro está chegando e não vale a pena começar nada novo. Mas na virada de ano tudo será possível e empurramos nossos planos para depois.
Curioso foi que neste ano, quando janeiro chegou, inúmeros memes e piadas circularam na internet: “Passam 365 dias, mas janeiro não acaba”. O que acontece com a gente? Queríamos muito que o ano começasse, mas quando ele começa, ao invés de colocarmos os planos em prática, adiamos para depois do próximo marco do calendário: o Carnaval. E nos enchemos de planos, metas, objetivos e certezas de tudo que a gente vai colocar em prática… depois do Carnaval.
O Carnaval passou, o ano “começou” e quando é hora de, enfim, dar início ao ano e viver plenamente, nos deparamos com esse tsunami de informações e notícias sobre o coronavírus. E aí a nossa especialidade, planejar o “depois”, subitamente não existe. Todas as certezas que eu tinha do planejamento das férias de julho, de passar o final de semana estudando com meus filhos, de pegar um cineminha, da passagem já comprada para um evento em maio: tudo vira incerteza. A passagem para o evento já foi cancelada e não sei se as férias escolares existirão em julho.
O combinado com meus filhos, de estudar para a prova e depois pegarmos um cinema como recompensa, não aconteceu. E pior: não faço ideia de quando vai acontecer. Faz ou não sentido estudar para a prova? “Sabe o que eu acho, mãe? Que esse ano nem vai existir porque não vai dar tempo de ter aulas suficientes e no ano que vem a gente vai ter que começar do começo”, disse a minha filha.
Acabaram as nossas certezas. Das festas marcadas, da passagem de avião e hotel reservados, daquele evento que você se programou. O aplicativo de agenda no celular, que já tinha todos os meus compromissos das próximas semanas, perdeu o sentido. Somos tão bons em desejar o “depois” que agora perdemos o chão. Por quê?
É contraditório e curioso. Nunca tivemos tanta informação. Não há outro assunto, da hora que acordamos até a hora que dormimos: na televisão, nas redes sociais, nos grupos de Whatsapp infestados de teorias, nos artigos médico-científicos liberados pelas publicações. Faria muito sentido que tanta informação nos desse alguma sensação de certeza. No entanto, podemos devorar artigos, ver todos os vídeos e áudios que nos enviam, conversar com a vizinha sobre o assunto, mas o fato é que, nesse caso, o excesso de informação não diminuiu em nada a insegurança. Ao contrário, transforma o óbvio em incerto. E, sem a habitual luz no fim do túnel, não temos como pensar o que faremos depois da Páscoa, o próximo evento do calendário coletivo.
Como seguir em frente? Como tomar decisões em tempos de incerteza? De tudo que sabemos, nada nos assegura uma rotina que organize o cérebro em etapas. Como tomar qualquer decisão sem essa métrica que nos serve de bengala? A pergunta que tem dominado alguns é: quando vamos começar a viver 2020?
Pois então, prepare-se! Benvindos a 2020, onde a angústia e a incerteza do hoje, geralmente maquiados pelo pensamento mágico do amanhã, se materializaram de forma concreta no tempo presente. Finalmente assumimos que não sabemos como será o hoje.
Agora sim: o ano começou e já me ensinou uma lição preciosa que até então eu achava um clichê banal: não deixe para depois o que você pode viver hoje. O que aconteceu comigo? Aprendizado. Temos que saber priorizar, decidir o que é importante hoje e o que realmente pode ficar para amanhã, caso amanhã seja possível…
Não comemorei meu aniversário em 2020 porque achei que depois eu teria tempo de organizar melhor e sabe o que aconteceu? Agora vou colocar nos planos de 2021.
Sabrina Presman é psicóloga, mãe de dois filhos, especialista em Psicoterapia Breve. Divide seu tempo entre o cuidado com paciente, a gestão de saúde e desenvolvimento de liderança e educação dos filhos através da Psicologia Positiva. É diretora da Espaço Clif e vice-presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas).