Minha mãe não mentia, mas escondia a idade. E a melhor maneira de conseguir essa omissão era evitar o assunto. E, se fosse inevitável abordá-lo, disfarçar o tempo com os artifícios que estivessem à mão. Assim, em novembro de 1950, no dia em que ela comemorava aniversário, eu comentei durante o almoço festivo:
— Mãe! A senhora faz hoje meio século de vida! Já pensou?
— Já pensei e não gostei.
Eu insisti.
— Mas, mãe, todo mundo sabe que a senhora está fazendo 50 anos.
— Mas precisa associar a meio século? Assim parece muito mais. Tenho 50, tudo bem, não nego, mas não meio século. A conotação é dispensável.
Minha mãe era muito vaidosa. Linda e vaidosa. Numa crônica de novembro de 2005, aqui neste mesmo espaço da Vejinha, saudei as mulheres de 50 anos, encerrando o texto com estas palavras: Bem-aventuradas as cinquentonas! As que se renovam a cada dia, a cada instante, e que podem renascer incessante e indefinidamente, repetindo os versos de Cecília Meireles: “Aprendi com as primaveras a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira”.
Na ocasião, recebi mensagem de uma senhora que agradecia a maneira positiva como eu me referia às mulheres de 50 anos. Pois bem: nesta semana recebi nova mensagem da mesma leitora e gostei tanto do que ela escreveu que li em voz alta para a minha mulher. E reproduzo aqui, certo de que ela (a leitora) me autorizaria a fazê-lo. Leiam, abrindo aspas:
“Passaram-se quase dez anos desde o dia em que lhe mandei um e-mail agradecendo pelo seu olhar delicado. Agora estou comemorando muito o fim dos meus 50. Comprei uma bike, sempre que me dá vontade paro no Bracarense para tomar um chope com bolinho de feijoada (sozinha ou acompanhada), voltei a andar de patins, falo com todo mundo que puxa papo (pois meu tempo está parado e eu é que caminho por ele). Decreto feriados em minha homenagem, vou à praia, faço stand-up paddle, trabalho nos horários que me interessam e quando tenho vontade, pois meu compromisso agora é com o que vejo, o que sinto e o que me interessa. Não tenho nem relógio, portanto nunca sei a hora nem o dia. Não é fantástico? Aguardo um novo texto seu, agora com um olhar mais generoso ainda: para as mulheres de 60! Posso esperar até 2015. Enquanto isso, vou nas manobras e nas marolas com que a vida me presenteia. Um grande beijo. Elizabety Mirannda”.
Terminada a leitura, vi que minha mulher estava comovida por ouvir alguém que declarava com tanta franqueza a sua felicidade aos 60 anos.
— É minha xará — comentou ela.
E ficamos assim, por um tempo em silêncio, embarcados numa imensa nave de sonhos. De sonhos e pesadelos que temos vivido juntos nesses 37 anos em que estamos casados.
*
Bety, minha mulher, fez 60 anos na semana passada. Tenho, portanto, também uma sessentona em casa. Uma sessentona que a vida muitas vezes tem envergado, mas que não consegue derrubar.
— Tim-tim, meu amor!
— Tim-tim!