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Manoel Carlos

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Se non è vero…

Leia na crônica de Manoel Carlos

Por Manoel Carlos
15 Maio 2017, 11h43
 (Léo Martins/)
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Acredite se quiser”, “Nem tudo é verdade” e “A verdade de cada um” são nomes de crônicas que escrevi aqui e no Jornal da Tarde, de São Paulo, estas há mais de vinte anos. Todas elas davam satisfação aos leitores sobre a veracidade do que eu escrevia, já que esses leitores estavam querendo saber.

— É verdade?

— Você não inventou isso não?

— Ah, conta outra, Maneco, que essa não dá para acreditar.

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E, acreditem (acreditem mesmo), não se trata de uma ou duas manifestações, mas de muitas.

“Mas por que você quer saber?”, perguntei eu por e-mail a um desses indagadores, que encontrei “ao vivo” e se identificou no Café Severino, alguns dias atrás.

— Curiosidade, apenas.

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“Bem”, disse eu, “nem sempre é a pura verdade, nem sempre é a impura…” Ia dizer “nem sempre é a impura mentira”. Ia dizer, mas não disse. Nada é mentira, mas sempre há um pouco de criação (ou invenção) em tudo o que se escreve, nesse duro ofício de escrever para ser lido. E nem por isso se pode dizer que sejam mentiras. A última crônica, há duas semanas — “Capeta” —, despertou novamente a indagação. Pois eu garanto que foi tudo verdade, respeitando-se a fronteira tênue entre verdade e invenção.

Fui mesmo uma criança terrível, um verdadeiro capeta, razão suficiente para que meu pai me despachasse para o internato por quatro anos, a ser domesticado (eles usavam essa expressão) por padres espanhóis agostinianos, que utilizavam a palmatória com grande frequência, além da famosa vara de marmelo, que até o século XIX era usada para surrar os escravos. Isso sem contar o ajoelhar-se sobre grãos de milho e o ajoelhar-se com os braços em cruz, à frente de todos, e assim permanecer enquanto se aguentasse. Esses castigos não eram encarados como abusivos, mas como necessários e usuais, sem restrição, como corretivo justo e eficiente para punir (repetindo: domesticar) os jovens chamados também de rebeldes. Como eram padres espanhóis, foi fácil identificá-los como algozes da Inquisição, episódio da história em que a Espanha desempenhou um papel relevante. Eles mesmos, os padres, eram os primeiros a reconhecer que a Inquisição foi a maneira encontrada pela Igreja para purificar os tomados pelo demônio — o nome oficial do capeta.

Posso garantir a vocês, caríssimos leitores, que fui um capeta de verdade. Como foi verdadeira a tolerância da minha mãe a todas as manifestações do meu péssimo comportamento dos 8 ou 9 anos até os 15.

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Aos leitores em dúvida, lembro a frase de Machado de Assis, no seu romance Memorial de Aires: “A verdade pode ser às vezes inverossímil”. Ou o provérbio italiano que pode justificar todas as nossas invenções, se bem contadas: “Se non è vero, è ben trovato”. Ou seja: “Se não é verdade, é bem contado”. Que me desculpem, caso não sejam.

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