Acredite se quiser”, “Nem tudo é verdade” e “A verdade de cada um” são nomes de crônicas que escrevi aqui e no Jornal da Tarde, de São Paulo, estas há mais de vinte anos. Todas elas davam satisfação aos leitores sobre a veracidade do que eu escrevia, já que esses leitores estavam querendo saber.
— É verdade?
— Você não inventou isso não?
— Ah, conta outra, Maneco, que essa não dá para acreditar.
E, acreditem (acreditem mesmo), não se trata de uma ou duas manifestações, mas de muitas.
“Mas por que você quer saber?”, perguntei eu por e-mail a um desses indagadores, que encontrei “ao vivo” e se identificou no Café Severino, alguns dias atrás.
— Curiosidade, apenas.
“Bem”, disse eu, “nem sempre é a pura verdade, nem sempre é a impura…” Ia dizer “nem sempre é a impura mentira”. Ia dizer, mas não disse. Nada é mentira, mas sempre há um pouco de criação (ou invenção) em tudo o que se escreve, nesse duro ofício de escrever para ser lido. E nem por isso se pode dizer que sejam mentiras. A última crônica, há duas semanas — “Capeta” —, despertou novamente a indagação. Pois eu garanto que foi tudo verdade, respeitando-se a fronteira tênue entre verdade e invenção.
Fui mesmo uma criança terrível, um verdadeiro capeta, razão suficiente para que meu pai me despachasse para o internato por quatro anos, a ser domesticado (eles usavam essa expressão) por padres espanhóis agostinianos, que utilizavam a palmatória com grande frequência, além da famosa vara de marmelo, que até o século XIX era usada para surrar os escravos. Isso sem contar o ajoelhar-se sobre grãos de milho e o ajoelhar-se com os braços em cruz, à frente de todos, e assim permanecer enquanto se aguentasse. Esses castigos não eram encarados como abusivos, mas como necessários e usuais, sem restrição, como corretivo justo e eficiente para punir (repetindo: domesticar) os jovens chamados também de rebeldes. Como eram padres espanhóis, foi fácil identificá-los como algozes da Inquisição, episódio da história em que a Espanha desempenhou um papel relevante. Eles mesmos, os padres, eram os primeiros a reconhecer que a Inquisição foi a maneira encontrada pela Igreja para purificar os tomados pelo demônio — o nome oficial do capeta.
Posso garantir a vocês, caríssimos leitores, que fui um capeta de verdade. Como foi verdadeira a tolerância da minha mãe a todas as manifestações do meu péssimo comportamento dos 8 ou 9 anos até os 15.
Aos leitores em dúvida, lembro a frase de Machado de Assis, no seu romance Memorial de Aires: “A verdade pode ser às vezes inverossímil”. Ou o provérbio italiano que pode justificar todas as nossas invenções, se bem contadas: “Se non è vero, è ben trovato”. Ou seja: “Se não é verdade, é bem contado”. Que me desculpem, caso não sejam.