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Manoel Carlos

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Blog do novelista Manoel Carlos

Olhos verdes

Olhos encantados, olhos cor do mar, Olhos pensativos que fazeis sonhar! Os versos são do poeta Vicente de Carvalho, um dos últimos parnasianos brasileiros, que foi popular na minha juventude e hoje está esquecido. O poema Olhos Verdes estava no meu repertório de declamador de festas de aniversário, tentando impressionar as meninas e, às vezes, […]

Por admin
Atualizado em 25 fev 2017, 19h22 - Publicado em 25 jun 2012, 17h01

Olhos encantados, olhos cor do mar,
Olhos pensativos que fazeis sonhar!
Os versos são do poeta Vicente de Carvalho, um dos últimos parnasianos brasileiros, que foi popular na minha juventude e hoje está esquecido. O poema Olhos Verdes estava no meu repertório de declamador de festas de aniversário, tentando impressionar as meninas e, às vezes, fazendo chorar senhoras mais sensíveis. Sim, a minha geração impressionava com poesia. Magnetizávamos, hipnotizávamos, conquistávamos à custa dos poetas.

 

Olhos pensativos que falais de amor!

 

Mas onde estão elas, hoje em dia? Onde se escondem as mulheres de olhos verdes? Não me refiro a atrizes e modelos, celebridades femininas que povoam as revistas, os filmes e as passarelas do mundo. Nessas nunca temos certeza se é natural a cor esmeralda estampada ao redor das pupilas. Refiro-me a mulheres comuns, alcançáveis, atingíveis, que podemos encontrar nas ruas, no metrô, nas plateias dos teatros e na fila da pipoca na entrada dos cinemas. Não as vejo em lugar algum. Sumiram as mulheres de olhos verdes, paixão do meu tempo de rapaz? Saíram de moda, por acaso? E logo agora que o verde está estampado em todos os lugares? O verde das nossas colossais florestas, menos colossais a cada ano. Dona Margarida, minha professorinha do curso primário, não falava floresta, falava mata, apontando a bandeira brasileira. O verde das nossas matas. A cor do abismo, como os olhos verdes de uma mulher que enfeitiçou um vizinho, levando-o a abandonar a família com seis filhos!

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Será que alguma menina da minha classe tinha os olhos da cor das nossas matas?Olhos tentadores da mulher amada!Naquela época já não era muito comum encontrar olhos verdes andando nas ruas, como simples mortais. E, acreditem ou não, namorar uma garota de olhos verdes matava de inveja os amigos. E, se ainda por cima fosse loira, era de atrair também a atenção dos adultos:
— Vi você no cinema, com uma loirinha de olhos verdes! Parabéns.E a gente sorria, modesto, negando de mentirinha a honra da conquista:
— Somos apenas bons amigos.Não, essa frase hipócrita não existia ainda. Apenas sorríamos com modéstia e, se possível, ruborizávamos.

Olhos cismadores que fazeis cismar!Virávamos celebridades no bairro. Eu tive uma namoradinha com esses atributos. Loirinha, de olhos verde-claros. Era de Santa Catarina. Acrescentava com orgulho:
— De Florianópolis.
Nos dias de hoje, certamente diria Floripa, alcunha que ainda não fora criada para a capital. Chamava-se Clarice. Assim mesmo, com C, como a Lispector. Eu desfilava com ela diante dos amigos babões. Carregava-a como a um troféu. Quando ela viajou para Florianópolis, com os pais, prometeu voltar em um mês. E mais: que aceitaria casar-se comigo quando estivéssemos na idade adulta. Afinal, tínhamos naquele momento da despedida minguados 16 anos. Mas Clarice só voltou dois anos depois: linda, loira, olhos verdes e recém-casada com um oficial da Marinha. A partir de então, sempre que eu jogava batalha naval, um joguinho que estava na moda, afundava com violência os cruzadores e encouraçados da frota inimiga. Mais ou menos um ano depois, ela cruzou comigo numa matinê do Cinema Rialto e piscou de leve os olhos verdes. Eu me animei:

— Nosso casamento ficou na promessa, hein?E ela, despachadinha e enganosa:
— Por quê? Eu ainda não morri!
Olhos abençoados, cheios de promessa.Vivemos nesta semana a euforia do verde. Das nossas matas e dos olhos da mulher amada. Nas ruas, nas passeatas e em muitas caras pintadas que protestam. A Rio+20 está na capa de todas as revistas, nas páginas de todos os jornais, no rádio e na televisão. O parco resultado dessa festa cívica cor de esmeralda será cumprido? Ou ficará na promessa, como a da minha namoradinha de 16 anos? Ainda não sabemos. Mas não podemos esquecer que o verde é também a cor da esperança. E essa não podemos perder.
Olhos pensativos que fazeis sonhar,
Olhos cor do mar!

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