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Manoel Carlos

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Blog do novelista Manoel Carlos

Numa tarde de maio

Na idade em que nos encontramos, todas as estações repetem o outono, mas nos compensam eternizando-se em maio, pelo esplendor dos seus dias. Como não lembrar o poema do Drummond? “Eu nada te peço a ti, tarde de maio, senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível, sinal de derrota que se vai consumindo […]

Por fernanda
Atualizado em 25 fev 2017, 18h05 - Publicado em 25 Maio 2015, 15h40
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Na idade em que nos encontramos, todas as estações repetem o outono, mas nos compensam eternizando-se em maio, pelo esplendor dos seus dias. Como não lembrar o poema do Drummond?
“Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.”
Pois foi numa dessas tardes que já nascem inesquecíveis que brincamos de contar histórias de amor no Café Severino. O vencedor que contasse a melhor, não importa se real ou inventada, participaria do lanche sem participar da conta. E eu ganhei por escolha de todos. Pondo a modéstia de lado, conto a vocês o que contei aos amigos:
Um casal sem filhos chega de uma viagem à Europa, onde festejou dez anos de união. E aí, sozinhos naquele domingo de maio, eles abrem as malas.
­— Esta camisa você me deu em Lisboa — diz ele.
— Em Madri — corrige ela.
E assim vão concordando, discordando, lembrando gafes cometidas e polvilhando a conversa de mútuas gozações. Até que na bagagem do marido a mulher encontra um lindo vidro de perfume feminino, enfiado entre roupas, aparentemente escondido. Antes que ela pergunte qualquer coisa, ele se adianta, ansioso:
— Ah, comprei isso pra mulher do meu chefe lá na secretaria. Em Paris, aproveitando que você arrumava o cabelo no salão do hotel. Ela me pediu. Mulher do chefe, você sabe, não dá pra negar.
— Vou ficar com ele — disse ela, procurando esconder uma súbita ferocidade. — Diga à mulher do secretário que não encontrou, pronto.
O marido não gosta, mas, percebendo o perigo da desconfiança, dá de ombros.
— Tudo bem.
Ela abre o frasco e sente.
— Maravilhoso — contou ela a uma amiga anos depois.
— Um inebriante cheiro de adultério.
Não se falou mais no assunto. Não se falou, mas não se deixou de pensar.
Na mesma semana, o casal vai jantar num restaurante. Ela percebe que o marido troca olhares e sorrisos com uma jovem que janta com amigos, algumas mesas adiante. Aguça-se o faro comum a todas as mulheres traídas. Mais desconfiada, mas ainda sem certeza, levanta-se para ir ao toalete e passa pela rival.
O perfume, o perfume que ela agora conhece, exala da linda jovem. “É ela!”, pensa a mulher. “Era para ela! Achei a prova!”
Volta à mesa, onde o marido já provou o tinto francês. E, antes que qualquer palavra seja dita entre eles, dá-lhe uma sonora bofetada, ordenando em voz alta:
— Muda de mesa, de mulher e de casa. Estou fora!
E sai martelando o salto alto.
Silêncio na mesa do Café Severino.
— Acabou? — perguntou o Raul, desapontado. — Essa é uma história de amor?
— Essa é uma história de separação. A de amor começou aí, entre o homem e a mulher do perfume perturbador.
Vai também para dez anos que estão juntos e muito felizes com um casalzinho de gêmeos.

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