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Glória

  Em Hamlet, o jovem príncipe ensaia os atores para uma representação diante do rei usurpador e assassino do seu pai. Cria uma pantomima que denuncia a ação criminosa. E diz: “O teatro é a armadilha onde vou apanhar a consciência do rei”. E o teatro, no correr de tantos séculos, tem sido a atividade […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 19h09 - Publicado em 27 abr 2013, 02h53

 

Em Hamlet, o jovem príncipe ensaia os atores para uma representação diante do rei usurpador e assassino do seu pai. Cria uma pantomima que denuncia a ação criminosa. E diz: “O teatro é a armadilha onde vou apanhar a consciência do rei”. E o teatro, no correr de tantos séculos, tem sido a atividade que mais denuncia, que mais cobra, que mais exige. Que mais forma e aprimora o artista. Que dá a ele as ferramentas necessárias a uma das mais belas e ricas profissões.

Que lhe dá o gesto. Que lhe dá a voz da qual nada se perde da primeira à última fila da plateia.

Gosto de conversar com gente de teatro. Essa gente que escolheu a profissão sagrada de “perder-se para encontrar-se”, como bem definiu o escritor Albert Camus. É muito diferente de gente de cinema e de televisão.

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Não há como compará-los. Nem se trata de estabelecer quem é melhor ou pior. É outra coisa. É como uma medalha que se carrega no peito. Uma insígnia, uma distinção. Fazem a diferença. São vaidosos como todo artista, mas sempre desejam mais do que uma capa de revista. Aprenderam que é importante ler e ouvir música.

Uma vez, um jovem ator me falava sobre o Francisco Cuoco, ao lado de quem estava trabalhando numa novela de televisão. Estava admirado da competência, seriedade, disciplina do Cuoco. De como o Cuoco era culto e bem informado.

E eu disse:

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— Mas o Cuoco é um homem de teatro.

Um homem de teatro. Acho que a primeira vez que eu ouvi essa expressão, que é mais abrangente do que parece, foi do ator francês Louis Jouvet, mas ela pode ser muito mais antiga e estar perdida entre os séculos. Um homem de teatro é completo. O andar, o sentar-se. Os gestos cotidianos. A voz.

Trabalho ouvindo a rádio MEC, a minha preferida entre todas as outras. E durante a programação, por 24 horas, pode-se ouvir poesia dita por atores e atrizes. Muitos são bons, dá prazer ouvi-los, mas ninguém é tão bom quanto o Paulo Autran. Eu fecho os olhos e ouço os versos de Cecília Meireles, Drummond, Fernando Pessoa… E de tal maneira ele diz esses versos que eu me transporto para um palco imaginário, no qual gostaria de permanecer para sempre. Paulo Autran era um homem de teatro.

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Percebo que na televisão há muito descuido com a voz e a dicção dos atores. De alguns deles, perde-se boa parte do que falam. Não é falta de talento, mas de escola. Há que aprender, como em qualquer ofício. E, como diz o velho ditado: ninguém nasce sabendo.

Nada contra a televisão e o cinema, mas há que reconhecer que é em cima de um palco que se aprende o que há de melhor na arte de representar. Sem passar por ele, fica muito difícil alguém dizer: sou um ator.

Sou uma atriz.

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Alguns me dirão:

— Mas e a Glória Pires, como é que sabe tanto, é tão completa, tão admirada, se nunca pisou num palco?

E eu direi:

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— Ela é simplesmente a exceção que confirma a regra.

A Glória é a glória. Não se explica. Admira-se. Ama-se.

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