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Doce & cruel

  Existem pessoas que falam mal de todo mundo, inclusive de parentes e amigos. Outras, ao contrário, falam bem até dos inimigos. Cruzamos na vida com umas e outras e temos de conviver com a existência de ambas. Conviver e compreender que as que falam mal nem sempre são pessoas essencialmente más. E as que […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 19h13 - Publicado em 15 mar 2013, 19h39

 

Existem pessoas que falam mal de todo mundo, inclusive de parentes e amigos. Outras, ao contrário, falam bem até dos inimigos. Cruzamos na vida com umas e outras e temos de conviver com a existência de ambas. Conviver e compreender que as que falam mal nem sempre são pessoas essencialmente más. E as que falam bem nem sempre são boas. É apenas uma maneira de oferecer sem dar. E de dizer “toma, pega” e estender a mão fechada.

Todos conhecem pessoas assim. Nós mesmos, se nos pusermos a pensar, lembraremos episódios em que nos expressamos dessa maneira dúbia.

O que me fascina nisso que podemos nomear de jogo social e crítico é a habilidade de destruir sem deixar de construir. E vice-versa. Uma doce e cruel receita, como o doce-azedo da culinária oriental. No século XVII, um monge espanhol cunhou esta frase: “A vida é uma luta contra a maldade dos outros”.

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Uma vez eu ouvi um ator de teatro referendar um colega a um empresário que queria contratá-lo:

— Pode contratar, que ele tem muito talento. Às vezes exagera na bebida, mas quando está sóbrio não há ninguém melhor em cima de um palco.

Existem também elogios cara a cara, temperados com açúcar e sal. Conta-se que uma vez um ator paulista muito refinado foi ver uma montagem de Hamlet. Gostou do espetáculo, aplaudiu com entusiasmo e depois foi ao camarim cumprimentar o elenco. E, diante da atriz que interpretava o papel da jovem Ofélia, saiu-se com esta:

— Você está divina. Talvez… uns seis meses mais velha do que a personagem deve ser, mas divina.

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Outro episódio é o de um homem que estava em meio a uma tempestade de infortúnios, com os bens penhorados para pagar dívidas, já tendo perdido a casa, o carro, a mulher e mudado os filhos de uma escola particular para uma pública. E esse pobre homem encontra na rua um ex-empregado, um jovem simples, do interior de São Paulo, que lhe diz, batendo amigavelmente em seu ombro:

— Soube que o senhor está no auge da falência.

Não satisfeito, ainda completou:

— Estou gostando de ver. Caindo de pé. Pra cima.

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É comum ouvirmos frases assim:

— Tão bom, coitado!

— É uma boa moça, mas leviana.

— Generoso, mesmo estando na pior.

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— Linda ela é, ninguém pode negar, mas a beleza não é tudo.

No meio em que eu vivo profissionalmente, essas observações azedas temperadas com mel são frequentes entre colegas. Nem todas por mal disfarçada crueldade.

Mesmo os reconhecidamente gênios não escapam aos “poréns” dos elogios. O poeta W.H. Auden, respondendo à pergunta de um jornalista sobre se teria lido ou tentado ler Finnegans Wake, disse:

— Não sou muito bom quando o assunto é James Joyce. Ele é um grande gênio, obviamente, porém sua obra é simplesmente extensa demais. Para mim, a vida é muito curta e valiosa para dedicar tanto tempo a um livro.

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Admiro também as críticas ácidas, mas diretas, francas, sem disfarce, como as que escrevia na Vanity Fair e na Vogue a inigualável Dorothy Parker. Um dia, criticando uma atriz em determinado espetáculo, tascou:

— Ela consegue percorrer toda a gama de emoções: de A a B.

Tão crítica e mordaz era Dorothy Parker que nem a si mesma negava uma espirituosa piada. Cunhou o próprio epitáfio para ser gravado na lápide de mármore do seu túmulo: “Desculpem pelo pó”.

Encerrando, nada mais apropriado do que estas linhas escritas por Machado de Assis: “Não durma sobre os louros. Não se contente com uma ruidosa nomeada. Reaja contra as sugestões complacentes do seu próprio espírito. Aplique o seu talento a um estudo continuado e severo. Seja enfim o mais austero crítico de si mesmo”.

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