A crônica sobre as casas de chá de São Paulo chamou a atenção de alguns leitores — que, pelo teor do que escreveram, pertencem à minha geração. E um deles, de boa memória, protesta, com leveza, contra os exemplos que apresentei: cito Mappin e Jaraguá, duas casas de chá paulistanas, e deixo de mencionar as do Rio. E, declarando-se não saudosista nem bairrista, afirma que é apenas uma questão de justiça: afinal, o Rio, até mesmo por ter sido durante muito tempo a capital da República, sempre deu espaço às casas elegantes, de frequência seleta, assim como aos restaurantes prestigiados pela classe teatral, como La Fiorentina e Cervantes, ambos em Copacabana. Mais famosos (segundo ela, a leitora) do que o Giggeto, em São Paulo. E vai adiante em suas comparações.
— O senhor fala no Nick Bar, paulistano também, como um inesquecível bar frequentado por uma constelação de astros e estrelas. Mas em qual deles o senhor encontraria um Tom Jobim ao piano? Quem sabe até acompanhando Vinicius de Moraes?
Saudosismo, rivalidade ou bairrismo, qualquer nome que se dê a essa disputa que já se tornou folclórica, o que restou é o que conta. Consultei meu arquivo e encontrei a crônica mencionada, a de número 94, publicada aqui na Vejinha em 17 de fevereiro de 2008, portanto à beira de completar dez anos. Chama-se “Nick Bar”, tal como a peça de William Saroyan, produzida pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com um elenco fulgurante, onde brilhava a sempre lembrada Cacilda Becker.
Aos leitores de boa memória, peço licença para reproduzir um pequeno fragmento dessa crônica:
Quem tenha vivido ou passado por São Paulo nos anos 50 saberá o que foi esse ponto de encontro de algumas das mais cintilantes personalidades artísticas do nosso país. Para os mais jovens, eu conto que o Nick Bar funcionava ao lado do Teatro Brasileiro de Comédia, na Bela Vista, coração do Bexiga, em São Paulo. Eram vizinhos de porta — o bar e o teatro —, e a intimidade entre eles era tão grande que havia uma passagem que os ligava. Isso significa que o público, ao sair do espetáculo, nem sequer precisava pisar a calçada. Ia direto aos drinques…
Não existia nenhum tapete vermelho para desfilar, mas não tínhamos como esquecer presenças com as quais cruzávamos no pequeno espaço do Nick Bar. Assim, de memória, e sem esforço, cito os nomes de Édith Piaf, Sammy Davis Jr., Nat King Cole, Marlene Dietrich, do pianista Friedrich Gulda e do ator Jean-Louis Barrault.
E não posso esquecer a quadrinha que alguém escreveu e que muitas vezes foi evocada nas reuniões no Nick Bar. Uma pequena paródia de Meus Oito Anos, do mais carente dos poetas românticos brasileiros, Casimiro de Abreu:
Ai que saudades que eu tenho
Dos bares da minha vida,
Das noites nunca esquecidas,
Que os anos não trazem mais.