Toda mesa é um confessionário, a começar por aquela que temos em casa, para os familiares. E os cafés, de modo geral, são propícios ao exercício da imaginação e da memória, fuçando o passado e supondo o futuro. E é lembrando que se recupera a história. Veracidade? Bem, de uma mesa de café nada se confere com rigor. O que se diz se perde. Então nada sobra? Não é bem assim. Como no poema Resíduo, de Drummond, de tudo fica um pouco.
“Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha.”
Nos encontros no Severino já se falou dos mais diversos assuntos. E algumas vezes choramos na mesma mesa em que rimos na véspera. Já pensei em fazer um livro com algumas histórias vividas entre queijos e vinhos. Eu começaria essa antologia pelo caso de amor entre Waltinho, Nelsinho e Biazinha.
Foi numa dessas tardes de insistente verão que o Waltinho reapareceu no café, depois de quase um ano. E a presença dele criou um silêncio inesperado e penetrante. Sabíamos que a razão da sua ausência estava no adultério da mulher, com quem vivia havia duas décadas, com o seu melhor amigo. E não estávamos sozinhos no conhecimento desses fatos. O Leblon inteiro sabia.
Tínhamos um acordo tácito, caso ocorresse o reaparecimento de Waltinho à nossa roda: não tocar no assunto. E assim aconteceu quando ele adentrou no café. Procuramos manter a naturalidade, como se a história não tivesse existido.
Mas eis o que aconteceu e nos surpreendeu: depois de um alô, Waltinho puxou uma cadeira, pediu uma taça de vinho e cravou, direto:
— Aquele infeliz do Nelsinho não podia ter feito isso! Meu melhor amigo, pô!
E encarando todos nós:
— Estão sabendo que ele seduziu minha mulher? Estão sabendo disso?
E repetiu com indignação, alterando a voz:
— O Nelsinho, meu melhor amigo! A quem eu confiei a história da minha vida. Para quem eu não tinha segredos!
E não suportando mais o nosso silêncio:
— Ninguém tem nada para falar?
A verdade é que ficamos sem ação com tamanha objetividade. Homens não gostam de falar em traição quando são eles os traídos.
Não sabendo o que dizer e já incomodado também com o silêncio na mesa, eu fiz uma tentativa, afirmando com vozeirão:
— Mas que sem-vergonha!
Waltinho nem ouviu, parecia delirar.
— O Nelsinho! Meu amigo de infância. Do grupo escolar até a faculdade. Acreditem, nunca desconfiei.
Claro que essa história já rolava à boca pequena por todo o bairro. Afinal, o Leblon conhecia o Nelsinho e sabia do seu dom-juanismo. Seu lema era: “Mulher eu não refugo! Olhou, sorriu, eu emplaco”.
Bem, depois de esvaziar a garrafa de um tinto chileno, Waltinho deixou as lágrimas correr, sempre repetindo:
— O Nelsinho… meu melhor amigo, e a Bia… Como puderam fazer isso comigo?
E, num murmúrio, concluiu, entre soluços:
— Não sei qual dos dois me faz mais falta!
Foi inevitável uma troca de olhares entre nós, os presentes.