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Por Luisa Mascarenhas, psicóloga e escritora
Autora do livro 'A Vida Virtual Como Ela é'
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O divino homem hétero e as mulheres emocionadas…

Sobre a autoconfiança exacerbada e descabida dos homens, a chamada falta de espelho ou de noção da realidade...

Por Luisa Mascarenhas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
14 jul 2022, 16h45

Outro dia uma amiga minha encontrou o ex-namorado, com quem terminou o relacionamento há quase três anos, e ele perguntou como andava o coração dela, se as feridas estavam cicatrizadas. Ela disse que não, e entrou em alguns detalhes que a chateiam em sua relação com o atual “ficante”. Diante da resposta inesperada, o “ex” explicou: “eu estava falando sobre mim. Mas já está respondido…”. Ela me contou achando graça, claro. O momento foi constrangedor e libertador. Ele, que pelo visto achava que o mundo dela até hoje girava em torno do término da relação que tiveram, levou um susto. E ela percebeu o quanto já se desvinculou de tudo que viveu. Está sofrendo em alguns momentos, é verdade. Mas por outro.

Também há pouco tempo, uma outra amiga estava ficando pela primeira vez com um cara e entrou uma mensagem para ele enquanto estavam juntos. Rapidamentem o sujeito bufou e comentou: “ai, que saco, a gente fica duas vezes com a mulher e ela já acha que está namorando…”. E deixou o celular de lado, impaciente.

Esses episódios, e tantos outros que já ouvi e já passei, me fizeram refletir. Não tenho nada contra homens, muito pelo contrário… Sou adepta e parte interessada. Mas, após décadas de experiência com eles, me autorizo a fazer algumas observações. Mesmo sabendo que existem inúmeras e honrosas exceções.

O homem hétero tem a favor de si todo um aparato social. Em sua mente, o mundo gira em torno dele. Até porque é o que vem se replicando há séculos. Sem menosprezar a pressão vivida pelos homens, sem ignorar que o machismo estrutural, mesmo que de outras formas e em outra proporção, oprime e custa caro também a eles, hoje venho fazer quase um desabafo, um protesto. Talvez dar um “toque” em vários héteros que estão por aí à solta fazendo pequenos (ou grandes) estragos sem nem saberem.

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Percebo que há um equívoco que se repete em homens dos mais variados tipos: a sensação de que grande parte das mulheres com as quais eles se relacionam amorosa ou sexualmente quer mais deles do que dizem querer. Na verdade, estão loucas para ter algo mais sério. Querem compromisso, querem “encoleirá-los”, “aprisioná-los”. Querem casamento, querem filhos, querem tudo deles. Elas podem não verbalizar, podem tentar negar, disfarçar, mas estão doidas por eles já no primeiro encontro. Contando os minutos para que eles passem a correspondê-las…

A sensação que dá é que o hétero acha que está sendo pressionado, cercado pela mulherada “emocionada”, que faria de tudo por uma relação de longo prazo com ele.

Não é que não existam por aí muitas mulheres que, pelo peso social que é ser uma mulher “sozinha”, acabem apelando e de fato tentando fazer relações ainda iniciais e muitas vezes claramente não promissoras virarem um namoro ou até casamento. Mas mesmo que a mulher não esteja nem um pouco preocupada com isso, ou que nem queira nada “a mais” com o cara, a leitura costuma ser a mesma.

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A mulher pode ser até casada que o cara acredita que na verdade ela queria mesmo era estar com ele, só não tem coragem de largar o marido, mas sempre foi “mal-resolvida”. A mulher pode morar na Austrália e estar passando uns dias aqui e ficar com o sujeito numa noitada, que o cara acha que se der sinais maiores de interesse é capaz de ela nem voltar mais para sua terra natal e abandonar absolutamente tudo para estar com ele. Ele, o brasileiro irresistível… Apesar de não ser, na maior parte das vezes nem bonito, nem interessante, nem nada demais em nenhum aspecto. Mas que tem a qualidade incomparável de ser… um homem hétero. Olha aí que diferencial.

Já ouvi coisas variadas desse mesmo estilo. Sujeitos que estão sozinhos há anos e cheios de problemas afetivos, que narram suas vidas como se diversas mulheres quisessem ter namorado ou casado com eles, fora as que ainda querem. Como são apaixonantes… Eles estão sozinhos por opção, claro.

Eu fico pensando que os homens devem levar muito ao pé da letra tudo que a gente diz. Se a mulher diz algo como: “tão bom quando a gente está junto…”, o cara deve interpretar: ela quer estar comigo todo dia para o resto da vida.

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Se a mulher fala coisas mais sedutoras, gostosas de ouvir e de falar, mostra interesse, o cara logo quer deixar claro que a relação não passa daquilo ali. Ou seja, ele supõe sempre que por ela, sim, a relação iria longe.

A mulher hétero, quando recebe uma mensagem de um homem, em geral pensa: “olha aí, tá querendo me ver. Legal.” Ou: “tá querendo sexo comigo. Legal também.” O homem hétero pensa: “olha aí, gamou. Tá apaixonada. Se deixar, vai grudar… Vou responder mais tarde, dando um jeito de deixar claro que é só sexo, algo casual. Fazer um gênero blasé para não deixar dúvidas.” Aí vêm frases como: “vamos falando, sem pressão”. “Qualquer dia desses a gente marca”. “Sem estresse”, “tranquilo”, “de boa”, “sem noia”, “naturalmente”, “vamos deixar rolar”, “vamos vendo”…

São tantas as formas usadas para deixar nítido o tom de casualidade que fica até difícil lembrar de todas. Isso quando não surgem frases como: “faz suas coisas, quando der a gente se vê”, “foca em você”. Como se a gente não estivesse fazendo as nossas coisas e nem focadas em nós mesmas, e sim passando nossos dias esperando ansiosamente um sinal de vida dele, o divino homem hétero.

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Cada vez que me deparo com situações assim, fico me perguntando de onde vem tamanha autoconfiança masculina. Mas na verdade sabemos bem de onde vem. É só mesmo uma perplexidade que fica, e uma certa inveja, admito. Imagina que maravilha deve ser pensar, a cada mensagem que chega, que a pessoa está louca por mim. Nossa, fulaninho me mandou uma mensagem querendo me ver. Não sai do meu pé… Sicraninho disse que amou me ver… Tá apaixonado, certeza. Tenho que dar uma sumida antes que ele grude.

Que coisa incrível a experiência de ser homem hétero. Poderia ser cômico, se não fosse o mal estar que gera nas mulheres. Porque essa distorção nos joga para um lugar de menos valia.

Se os homens costumam ler a realidade dessa forma, as mulheres passam a precisar tomar muito cuidado com tudo que falam e como agem. Precisam pisar em ovos para não serem mal interpretadas e desvalorizadas. Ou então falam o que dá na telha e podem aturar respostas soberbas, desapegadas, que tentam por subtexto empurrá-las para essa posição de pessoa carente, querendo a todo custo uma relação com ele.

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E a mulher fica tentando entender de onde ele tirou que ela queria, e também buscando assimilar uma rejeição de um cara por quem ela, na verdade, nem teria interesse maior, mas que despertou um gatilho desagradável e absolutamente desnecessário, de tanto que fez questão de pontuar que não quer ou não teria nada “a mais” com ela.

A mulher pode nunca ter nem cogitado o tema, mas passa a pensar o que de tão errado ela tem. E a resposta é, claro, uma só: ela não é um homem hétero. E por isso ela está no lugar de quem está “à procura”, “em busca”, “correndo atrás” de um.

O mais doido é quando você está falando e saindo com vários caras, no auge da solteirice, animada, e percebe que todos acham a mesma coisa. A vontade que dá é de mandar print das conversas que a gente está tendo ao mesmo tempo em que fala com eles. Um pouco de realidade para a comunidade heterotop.

E o pior é saber que serão vários os caras que vão achar que esse texto é pessoal, que é um recado para “ele”. Ele, aquele que seria hoje, ou teria sido um dia, o centro do meu mundo. Maior do que toda a minha vida de mãe, de profissional, de filha, irmã, amiga, cidadã, aluna, espectadora, leitora, cliente, condômina, motorista, ou o que quer que seja. Porque, é claro, o mundo gira em torno “dele” e eu teria que escrever um texto inteiro para falar para alguém específico algo que eu poderia falar por mensagem, por telefone ou ao vivo se realmente quisesse ou tivesse interesse. Pode parecer exagero, mas é assim que grande parte dos héteros pensa.

Por essas e outras, combinei com uma amiga minha que vamos agora nos disciplinar a pensar como um homem hétero. Se um cara procurar, falar qualquer coisa, vamos sempre buscar a interpretação mais favorável a nós, a que mais der a entender o quanto somos irresistíveis e o quanto todos nos querem perdidamente. Quem sabe cola? Tem colado para eles… Vai que assim conseguimos um pouco mais de equilíbrio?

Lá vem um me mandando mensagem aqui. Falou que tô sumida. Olha só… Se tá me achando sumida é porque sentiu muita saudade. Não sabe viver sem mim. Certamente tá apaixonado. Vai querer grudar… Não sei se respondo agora não. Ele pode achar que tô correspondendo. Eu hein, tô fora. Vai querer colocar coleira em uma mulher cheia de liberdade que nem eu? Amanhã eu respondo, mas sem pressão. Sem estresse. Sem noia. Ele tem que aprender a ter outros interesses, ter vida própria. Não quero macho atrás de mim 24 horas por dia…

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