Psiquiatras sobre eventos de risco: “Há uma certa onipotência hoje em dia”
São trilhas em vulcões, passeio de balão em condições ruins e stand up paddle sem saber nadar

O fim de semana trouxe alertas bem claros sobre a exposição a riscos. São trilhas em vulcões, passeio de balão em condições ruins e stand up paddle sem saber nadar.
Muitas críticas nas redes sociais sobre a busca por “likes” — uma febre global da última década —, e quanto maior a criatividade para aquele clique, maior o engajamento. Porém, quando o cenário é um local de risco, a selfie pode se transformar em tragédia.
“Alguns cenários da prática de esportes radicais ou mesmo de aventuras na natureza são formas de experimentar uma novidade. Com o mundo menor devido à quantidade de conteúdo das redes sociais, acaba por instigar um público maior a se aventurar. Ambientes da natureza e algumas práticas de esporte não oferecem um controle total dos desdobramentos. Existe uma margem de risco, a qual se pode diminuir com a contratação de equipes qualificadas, ou saber quais os riscos envolvidos, assim como qual deve ser o comportamento diante deles”, alerta a psiquiatra Maria Francisca Mauro.
No primeiro caso, a niteroiense Juliana Marins caiu no vulcão do Parque Nacional Gunung Rinjani, na Indonésia. Segundo novas informações, a publicitária foi monitorada “com sucesso por um drone” e permanece presa em um penhasco rochoso a uma profundidade de mais ou menos 500 metros, “visualmente imóvel”.
No segundo, oito pessoas morreram e outras 13 ficaram feridas depois da queda de um balão que pegou fogo em Praia Grande, no sul de Santa Catarina.
No terceiro, mais de 70 pessoas ficaram à deriva no mar de Copacabana, depois de arrastadas por uma ventania — todos os dias, antes do nascer do sol, centenas de pessoas fazem fila para uma visão privilegiada no mar, mas nem todas sabem nadar ou nunca subiram numa prancha.
“Na maior parte das vezes, as pessoas estão de ‘férias’ ou em recreações que minimizam os riscos envolvidos — como se o cálculo de risco baixasse a guarda, para poder se divertir e experimentar um prazer maior. Algumas são tragédias em que as etapas de segurança foram cumpridas, e houve algo inesperado. Agora, em outras situações, as pessoas se sentem mais ‘fortes’ ou ‘desligam o juízo’ para poder ter seu momento de descanso. Quando temos uma sequência de eventos ruins, cabe nos policiarmos para não baixar a guarda com nós mesmos. Há uma certa onipotência, nos dias de hoje, em saber qualquer coisa com uma pesquisa rápida no Google ou ChatGPT, o que aumenta a falsa sensação de controle”, completa Maria Francisca.
Um estudo publicado no Journal of Travel Medicine, em 2022, mostrou 379 mortes relacionadas a selfies entre 2008 e 2021 (última atualização), já considerado um problema de saúde pública.
“A questão se coloca na diferença entre ser destemido e ser corajoso. O destemido é onipotente e onisciente, infantil, acha que nada lhe acontece; só vê o prazer. O corajoso avalia os riscos, tem medo deles e é responsável; por isso se prepara para a atividade, considerando a realidade e o consequente prazer”, diz o psicanalista Arnaldo Chuster.