O que Drummond, Lispector, Millôr e Gullar disseram sobre o Ano Novo
Poetas e escritores sempre foram e são inspiração para os pensamentos na virada de ano

Para se inspirar nos pedidos da virada do ano, acreditando realmente nas mudanças, aqui vão resoluções de alguns personagens ao longo da história.
Os desejos de mudança, superstições e afins são muito naturais nesta época do ano. “É comum usar o fim de ano para fazer um balanço da vida. Começar 2025 mais leve dependerá de fazer as pazes com o ano que se encerra — o fechamento claro do que se dedicou, ou ao menos tentou, não pode ser ignorado. Fortaleça o acolhimento consigo, sem ficar indolente. Use este período de maior tranquilidade em várias indústrias, para reconsiderar como caminhar no novo ano”, indica a psiquiatra Maria Francisca Mauro, diz.
Selecionamos alguns personagens:

Em 2015, Luis Maurício Graña Drummond e Pedro Augusto Graña Drummond, netos de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), cuja estátua fica bem no meio daquele que é chamado de o maior réveillon do mundo, Copacabana, claro, reuniram todos os poemas do avô sobre o Ano Novo, em “Receita de Ano-Novo”. Trecho do poema que dá nome ao título: “Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo. Eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.”

A coluna perguntou ao ChatGPT o que a poeta Clarice Lispector (1920-1977), cuja estátua fica ali no Leme, num dos pontos de um dos palcos do réveillon, diria.
ChatGPT: “Se Clarice Lispector estivesse viva hoje, acredito que ela abordaria as resoluções de Ano Novo com a mesma intensidade poética e introspectiva que marcou sua obra. Talvez ela dissesse algo como: ‘A virada de ano é um artifício humano para tentar fazer as pazes com o tempo, esse senhor intocável que nos observa sem se curvar. Resolvo não resolver demais, pois o tempo não ouve promessas, apenas testemunha o fluxo do que somos. Não peço muito ao Divino nesta noite; Ele, ocupado com a orquestra do Universo, não pode deter-se em nossos balbucios terrenos. Deixo minhas resoluções serem apenas um sopro no vento, um gesto de amor próprio, sem a pretensão de mudar o mundo, mas com a coragem de mudar a mim mesma.”
E continua: “Clarice provavelmente sublinharia a transitoriedade do tempo e como a vida é mais sobre o agora do que sobre os planos para o depois. Ela veria beleza em não ter controle absoluto e, talvez, na aceitação das incertezas que o novo ano traz”.

O jornalista, escritor e desenhista Millôr Fernandes (1923-2012), que também tem uma escultura em sua homenagem, só que em Ipanema, um dos maiores frasistas do país, escreveu em seu “Millôr definitivo – a bíblica do caos”: “Ano novo, pois é. Coisa bem velha. Mesmo assim, o mundo está cheio de pessoas que não têm e querem filhos, de gente que tem filhos demais e quer vendê-los, de intermediários de troca e doação, de policiais que impedem tudo e prendem todos. Há gente de nariz grande procurando plásticos, mulheres de peito demais, peito de menos, pessoas que querem viver mais e mais, enquanto outras – cheias de saco cheio de viver – se atirando do oitavo andar, em cima delas. Mas não há de ser nada. No fim, o bandido morre. Aliás o mocinho também, toda a plateia, e até a bilheteira mirrada mas bonitinha que, por ser tão jovem, pensa que é eterna.”

Ferreira Gullar (1930-2016), imortal da Academia Brasileira de Letras e considerado um dos poetas mais importantes do Brasil: “Meia-noite. Fim de um ano, início de outro. Olho o céu: nenhum indício. O abismo vence o olhar. O mesmo espantoso silêncio da Via-Láctea feito um ectoplasma sobre a minha cabeça: nada ali indica que um ano novo começa. E não começa nem no céu, nem no chão do planeta: começa no coração. Começa como a esperança de vida melhor que, entre os astros, não se escuta nem se vê, nem pode haver: que isso é coisa de homem, esse bicho estelar que sonha (e luta)”.

Mudando para o Reino Unido, no dia 2 de janeiro de 1931, a grande escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941), autora de romances como “Mrs. Dalloway”, “As Ondas” e “Orlando”, escreveu em seu diário (ela manteve o hábito de escrever sobre sua vida), deixando 26 volumes, que iam além do cotidiano:
“Aqui estão minhas resoluções para os próximos três meses: não ter nenhuma, para não ser amarrada por elas. Ser livre e gentil comigo mesma, não levar isso a festas: sentar-me em particular, lendo no estúdio. Fazer um bom trabalho em ‘As Ondas’ (livro lançado naquele mesmo ano). Parar de me irritar pela garantia de que nada vale a irritação. Às vezes ler, às vezes não ler. Sair, sim – mas ficar em casa, apesar de ser convidada. Quanto a roupas, comprar boas.”
Em 4 de janeiro de 1936, mais uma: “Ler o menor número possível de jornais semanais até acabar ‘Os Anos’ (livro que lançaria em 1937); para encher meu cérebro só com livros e hábitos distantes; totalmente ser a mais essencial e a menos superficial possível, mais física e menos apreensiva possível.”