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Lu Lacerda

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Jornalista apaixonada pelo Rio
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O que disse Glória Maria à coluna num Dia da Consciência Negra

Glória foi a primeira repórter negra de projeção na TV

Por lu.lacerda
Atualizado em 20 nov 2024, 16h52 - Publicado em 20 nov 2024, 16h00
Glória Maria está sorrindo e usa blusa de alcinha marrom-clara. Ela tem os cabelos com as pontas aloiradas e penteado com ondas.
Glória Maria: entrevista sobre racismo num Dia da Consciência Negra (TV Globo/Divulgação)
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Aqui, entrevista feita pela coluna em novembro de 2017, com a jornalista Glória Maria, morta em 2023, sobre o racismo, que se mantém atualíssimo. Glória foi a primeira repórter negra de projeção na TV: “Já vivenciei todas as caras do racismo na minha vida”, disse ela.

1 – A escravidão ainda existe?

A escravidão continua existindo, só mudou de cara. Não somos mais presos por correntes ou grilhões, sim, mas a nossa escravidão é tão cruel que somos vistos como inferiores, subalternos, sub-humanos e, pior ainda, sem poder de decisão. O poder branco é branco, uma voz negra não tem importância. Continuamos vivendo da maneira que a sociedade branca permite. Pra escapar, a gente precisa entrar numa guerra por liberdade; pra existir, precisamos mostrar que fazemos parte deste mundo, o que é um absurdo. Dos tempos de escravidão oficial até hoje, praticamente nada mudou. Precisamos de cotas pra provar que somos inteligentes, que temos capacidade de estudar e aprender. Casamentos inter-raciais são cada vez mais raros.

2 – Você acha que a educação pode melhorar o racismo?

Precisamos ter a consciência de que somos todos iguais. Mesmo as pessoas brancas, entre si, se sentem umas melhores que as outras; com relação aos negros, esse sentimento é elevado à potencialidade. Se assim fosse, não existiria racista educado, ou seja, independe da educação: conheço pessoas cultas, educadas, mas racistas. O que precisa haver é a consciência da igualdade, de que o outro é igual a você, para que não exista o sentimento de racismo, que continua explícito, claro e transparente – só não existe para quem não é vítima desse sentimento.

 3 – Você viaja o mundo inteiro. O que apontaria de diferenças entre o comportamento dos brasileiros e o de outros povos?

O racismo no Brasil é muito mais grave, muito mais cruel, porque parte da desinformação e do egoísmo. Em outros países, existe, mas, quando acontece, é direto – temos como nos defender; você reconhece o inimigo e fica mais fácil lidar com ele. No nosso país, as pessoas, além de racistas, são covardes. A grande maioria prefere dizer que o racismo não existe, e, muitas vezes, fala que ele tem um motorista preto, uma babá preta, uma empregada preta e que essas pessoas são aceitas em suas casas – sei, como inferiores!

4 – O que esse feriado de Dia da Consciência negra pode trazer?

Desde o momento em que mexe na ferida, abre um espaço maior para a discussão — esse é um caminho. O grande problema de nós, negros, é a invisibilidade. Você não precisa se preocupar com aquilo que não vê ou acredita que não exista. Um dia como este, mesmo para as pessoas que preferem jogar o assunto pra baixo do tapete, ainda que por alguns segundos, ela tem de pensar, e mesmo que, a longuíssimo prazo, pode modificar o problema racial.

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5 – Você já percebeu qualquer gesto de discriminação com as suas filhas?

Quando comecei a apresentar o Fantástico, em 1998, muita gente fez movimento, dizendo que foi por pressão do movimento negro, e não pelo meu talento e minha capacidade. Se um branco faz, é porque conquistou; ninguém diz que foi pressão da sociedade branca. A primeira vez que o Eraldo Pereira assumiu a bancada do Jornal Nacional, virou algo extraordinário: “como um negro apresentando o JN?” Significa pro mundo que não era natural, tanto que tinha de se justificar, como se fosse o primeiro homem a chegar à lua. Comigo, às vezes, se passa também de maneira diferente – vão pensar duas vezes, são racistas, ou seja, burras, mas não são idiotas. É como se eu fosse um troféu: ter a Glória Maria, uma negra famosa, conhecida, como se dissesse “a gente demonstra que não é racista, a Glória tá aqui”; mas vai a Glória Maria pisar na bola, e diriam: “Tá vendo? isso é coisa de crioulo”. Esta semana, saiu uma estatística apontando que 71% das vítimas de homicídios são negras. Levei um susto e pensei: até parece o movimento de extermínio de uma raça.

6 – Normalmente, você não tem namorados negros. Por quê?

Os homens negros preferem as brancas. O próprio negro se discrimina; para ele acreditar que venceu e tem status, precisa usar os valores brancos, como as suas mulheres, por exemplo. Quanto mais escura a sua pele, mais excluído você é.

7 – O que significa a cor da pele?

Pra mim, a cor da pele nada significa porque eu costumo ver a alma – o que me interessa é o caráter e a capacidade de amar. No mundo em que vivemos, de competição e exclusão, esse tipo de sentimento não significa nada.

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8 -E sobre os casos recentes envolvendo o jornalista William Waack (foi acusado de racismo depois da publicação de um vídeo nas redes sociais em 2017) e a ministra Luislinda Dias de Valois Santos (a primeira magistrada no Brasil a dar uma sentença condenatória por crime de racismo, em 1993)?

A frase não é do William — é do universo. Ter dito uma frase racista não significa que ele especificamente seja racista. Convivi a vida inteira com o William e nunca percebi nele uma demonstração de racismo. Waack simplesmente teve uma reação inconsciente, que expressa o racismo. Chegou a esse ponto: uma reação inconsciente. Esse tipo de coisa é uma piada como fazem com português. Quanto à ministra Luislinda, ela fez o que todos eles fazem: acumular cargos. Ela não pode? Seria a única? É negra e teve a “ousadia” de conseguir ser ministra. Por que nunca se falou isso dos outros? É o que eu falei no início: “é coisa de preto”. O erro é sempre negro; o acerto é sempre branco.

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