Imagem Blog

Lu Lacerda

Por Lu Lacerda Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Jornalista apaixonada pelo Rio

Moscatelli, sobre o Dia do Meio Ambiente: “Capivara e manguezal não votam”

O dia 5 de junho, em minha infância e adolescência, não me dizia coisa alguma. O tema ambiental ainda era “rarefeito”

Por lu.lacerda
Atualizado em 5 jun 2025, 14h00 - Publicado em 5 jun 2025, 10h00
Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio
Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)
Continua após publicidade
O colhereiro às margens da lagoa da Tijuca
O colhereiro às margens da lagoa da Tijuca (Mario Moscatelli/Divulgação)
Recuperação e ampliação dos manguezais da península do Caju, com apoio da Águas do Rio
Recuperação e ampliação dos manguezais da península do Caju, com apoio da Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)
Lixo jogado nos lixos e que acumula nos manguezais, recuperados e ampliados pela equipe de Mario e a Águas do Rio
Lixo jogado nos lixos e que acumula nos manguezais, recuperados e ampliados pela equipe de Mario e a Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)

Francamente, o dia 5 de junho, em minha infância e adolescência, não me dizia coisa alguma. O tema ambiental ainda era “rarefeito” ao quase pouquíssimo abordado nas escolas e demais cursos em que me formei.

Foi mesmo, a partir do período em que entrei “em combate” no campo, que aprendi, de forma bastante dura, o que significava esse dia num país megadiverso e também um dos mais perigosos para quem ouse (até hoje, isso é mais do que verdadeiro) enfrentar os delinquentes ambientais que deitam e rolam faz uns 500 anos por aqui.

Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio
Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)
Continua após a publicidade
Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio
Projeto de gestão dos manguezais da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)

O sonho de defender a Baía de Ilha Grande e seus diversos ecossistemas rapidamente se transformou num dos meus piores pesadelos no período de 1989/1991, quando, por “apenas” aplicar a lei ambiental contra grandes especuladores imobiliários locais, eu comprei briga com praticamente toda a estrutura pública e privada que se beneficiava da degradação criminosa, principalmente de manguezais e costões rochosos, visando à instalação de marinas e loteamentos de luxo.

Como o Departamento de Controle Ambiental da prefeitura local, à época comandada por mim, era a única linha de defesa dos ecossistemas locais, surgiram ameaças, perseguições, contratações de exterminadores, para impedir que aquele “biólogo cabeludo” que enfrentava a criminalidade ambiental — amplamente amparada pelos órgãos que deveriam proteger o que vinha sendo degradado, mas que legitimavam a degradação — continuasse a aplicar as leis ambientais.

Área de naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio
Área de naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas com apoio da Águas do Rio (Mario Moscatelli/Divulgação)
Continua após a publicidade
Capivara feliz na Lagoa Rodrigo de Freitas: desde a naturalização, a fauna ficou mais diversificada
Capivara feliz na Lagoa Rodrigo de Freitas: desde a naturalização, a fauna ficou mais diversificada (Mario Moscatelli/Divulgação)

Foram anos difíceis, com direito à fuga do Brasil, entrevista para o falecido Jô Soares (fato que me salvou sem dúvida de virar estatística) e finalmente, praticamente a expulsão do município onde eu já não tinha mais condições de lidar com aquela situação. Era hora de recuar e dar um tempo.

Dar um tempo? Que nada!

Paralelamente às batalhas em Angra dos Reis, comecei e depois intensifiquei a naturalização das margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde, depois de ser “expulso” de Angra dos Reis, abri uma nova frente de batalha com a todo-poderosa estatal que cobrava, recebia, mas fazia um péssimo trabalho de saneamento não apenas na lagoa, como também no sistema lagunar de Jacarepaguá e Baía de Guanabara.

Continua após a publicidade

Mais um “cachorro grande”, acostumado a fazer o que queria com os recursos naturais, principalmente no que diz respeito à água de rios, lagoas e baías, sem nunca ser incomodado. Pois é, mas isso foi até 1991, quando intensifiquei os combates contra os despejos de esgoto e sua consequência direta, isto é, as recorrentes mortandades de peixes.

As frentes de batalha se ampliaram na Baía de Guanabara, tanto pelas supressões de manguezais como pelo despejo monstruoso de lixo e esgoto na bacia hidrográfica local, tudo a partir de 1997, fotografado e posteriormente gravado, denunciado através dos meios de comunicação. Isso sem falar no embate com outra mal-acostumada estatal que, em 2000, despejou, por meio de um acidente, mais de um milhão de litros de óleo nas águas da Baía de Guanabara, asfaltando praias, espelho d´água e manguezais.

Vieram os grandes eventos megalomaníacos com seus legados ambientais. A maioria não saiu do papel; com isso, a intensidade dos “combates” aumentou, visto que a mídia mundial se deparava, incrédula, com a realidade por mim apresentada, com a incapacidade gerencial do poder público em entregar o que era prometido.

Fui indagado por cônsules de alguns países sobre a real situação ambiental onde seus atletas iriam competir. Sem pestanejar, convidei-os para visitar, de helicóptero, os ecossistemas degradados por meio do projeto OLHOVERDE. Cada um deles tirou suas conclusões.

Continua após a publicidade

Em resumo, várias frentes de combate contra uma cultura baseada no usar até acabar, até mesmo na água misturada com esgoto que, por meio de muita química, era transformada em água potável para a maioria da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Infelizmente, desde 1999, eu denunciava a situação dramática do ponto de captação da estação de tratamento de água do Guandu, sem que nenhuma autoridade tomasse nenhuma atitude concreta, até que vieram as crises da “geosmina”. Mesmo tendo ocorrido a primeira crise, houve necessidade de mais outra, já alertada previamente para que, com o novo marco do saneamento, fossem tomadas recentemente medidas mitigadoras. Um verdadeiro escárnio.

Destaco que, desde 1989, desconheço que algum delinquente ambiental tenha pago, de alguma forma, pelos milhares de vidas de animais e plantas mortas nos ecossistemas que vi serem degradados ou suprimidos. Provavelmente deverão pagar pelos seus crimes em outras dimensões, pois, nesta, a “coisa” ficou o dito pelo não dito, pois, afinal, capivara, manguezal, costão rochoso e cia. não votam tampouco pagam impostos, portanto são dispensáveis.

Tenho vários amigos nos manguezais que consegui evitar fossem transformados em loteamentos e marinas na Baía de Ilha Grande. Também tenho plantado incessantemente a semente da naturalização dos espaços urbanos, dos mais nobres aos mais paupérrimos, totalizando mais de uma centena de hectares pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

A cada COP — e vamos para a 30ª! —, muita conversa, muita bravata, muito palanque, muitos acordos e poucos resultados práticos diante do monstro ambiental que criamos e continuamos alimentando.

Continua após a publicidade

Está claro que aquilo que era “especulação” ou possibilidade teórica da parte dos especialistas do clima e ecólogos, hoje é realidade tanto na resposta planetária como na nova extinção em massa, em andamento.

Previsibilidade, redundância, confiabilidade e homeostase são alguns dos pilares ambientais que criaram as condições para aquilo que chamamos de civilização, responsável por prodígios tecnológicos e por genocídios e ecocídios atrozes. Infelizmente, por razões diversas, a civilização sabota, de forma sistemática e sistêmica, esses mecanismos de homeostase planetária, responsáveis pela previsibilidade, redundância e confiabilidade.

De minha parte, vou recuperando e ampliando manguezais e, por tabela, colaborando na recuperação de baías e lagoas, pois é claro que desenvolvimento econômico só existe com gestão e respeito ao ambiente. Degradação apenas interessa ao degradador.

Considero que estou honrando minha estada neste planeta acolhedor e buscando o equilíbrio da Força.

Fomos avisados!

Mario
(Arquivo/Divulgação)
Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.