Mary Del Priore: “Envelhecer é a única maneira de continuar vivo”
"Pois é só quando os limites se impõem, que nos damos conta de que o tempo passou"

A pergunta de um milhão de dólares: como envelhecer quando tudo nos convida a negar o envelhecimento? Por que a velhice é sempre definida em termos de perda: perda de fios de cabelo, de amigos, de afetos ou da memória? Resolvi escrever a história da velhice quando comecei a conviver com uma dor no joelho e uma mãe centenária. Pois é só quando os limites se impõem, que nos damos conta de que o tempo passou. Sim, envelhecer é difícil, é chato ou os dois, mas 10
O Brasil também envelheceu. Em 2023, o número de brasileiros envelhecendo cresceu 57,4. Antes marginais, hoje eles são a espécie mais comum de cidadãos. Cada vez mais, velhos em boa forma oferecem máquinas de lavar, passeios turísticos, seguros de vida, remédios para ereção etc. A Medicina se debruça sobre seus problemas específicos, os economistas se inquietam frente ao aumento de aposentadorias e os demógrafos se desolam com uma pirâmide de idades invertida — mais velhos, menos jovens — que aponta para um Brasil cheio de rugas. O Estado também vai tomando consciência da amplitude da situação e começando a pensar nela, pois o Brasil ficou velho antes de ficar rico.
No passado, não era assim: não se combatia a velhice. Vivia-se a velhice “como Deus quisesse ou mandasse”. Ela chegava mansamente, e os velhos não assustavam os jovens. Eles os inspiravam, instalando-se em suas vidas e trabalhando junto suas existências. Como hoje, a velhice ficava pior quando se tornava um fardo para a família. Assunto que, certamente, não aparece nos anúncios dos alegres velhinhos que vendem viagens para Cancún!
Durante quase 500 anos, velhos eram apenas sobreviventes; ninguém se importava quantos anos tinham. No início do século XX, passaram a ser trintenários. Em 1970, eram os quarentões. Em 2024, chegamos aos sexagenários. E para falar deles, novos conceitos não faltam. A socióloga francesa Rose Marie Lagrave acabou de inventar um que eu achei ótimo: “trans-idades”. Não existem os transclasse ou os transgêneros? Por que não “transvelho”? Pois há velhos que se sentem jovens e vice-versa. Afinal, quem envelhece não se sente envelhecer. A idade pode ser um sentimento, um fato ou os dois juntos.
Cheguei à conclusão de que quem tem medo da velhice deve fugir de livros de autoajuda, de remédios milagrosos ou de conselho dos influencers. Quer saber se a velhice está chegando? Basta olhar a juventude. Os fossos geracionais são o termômetro mais eficiente para se saber o quanto se está velho. Somos todos “o velho” ou “a velha” de alguém.
E por que contar a história da velhice? Porque nossos ancestrais foram gente que passou por dificuldades com as quais nem sonhamos. Experimentaram perdas que hoje curamos com ansiolíticos. Sobreviveram às carências de todo tipo, pois ninguém podia deixar de enfrentá-las. A diferença? Uma característica que se tornou pré-histórica. Eles não se queixavam. Não exibiam seus sofrimentos em praça pública, nem havia coitadismo como uma forma de chantagem. Faziam questão de não chatear seus interlocutores com choradeiras. O sofrimento não os vulnerabilizava; ao contrário, era vivido com altruísmo. Altruísmo que fortalecia, que dignificava e que ajudava a seguir vivendo. Foram exemplares. Nada é mais estrangeiro à nossa época em que escancaramos a vida privada para o público do que essa reserva, essa discrição, essa nobreza de sentimentos. Nossos ancestrais passaram por tudo sem pânico, recolhidos, tranquilos. Sabiam distinguir o essencial do acessório. Ser velho era como ser água que jorrava e corria. Ao terminar o livro, a dor no joelho tinha ido embora, e minha mãe também. Morreu à antiga, em casa, com a filha e o neto ao pé da cama. Exemplar, ela viveu intensamente todas as idades.
Mary Del Priore é historiadora, autora de “Uma história da velhice no Brasil”.