Marina Klink (fotógrafa): “Nos colocamos limites imaginários”
Aos 50 anos, comecei a receber convites para apresentar palestras motivacionais, inspirando plateias

Quando somos jovens, escolhemos nossa profissão, trilhando um caminho por intuição, seguindo nossas habilidades. Ao seguirmos os passos que escolhemos dar, vamos pavimentando, com o tempo, uma carreira profissional. Já adultos — e bem-sucedidos —, acomodados naquela mesma profissão, raramente paramos para pensar sobre nossas escolhas, principalmente quando nossa carreira deslancha de vento em popa. Podemos manter, por anos, o mesmo trabalho, numa repetição contínua, sem priorizar ou avaliar o equilíbrio entre o sucesso que nos preenche e a idealizada felicidade. Pois bem, um dia isso aconteceu comigo.
Mãe de três filhas pequenas e casada com um renomado navegador brasileiro (Amyr Klink), há 30 anos eu trabalhava na área de comunicação. Já tinha estruturado a minha própria empresa de assessoria de eventos e conquistado o tão sonhado prestígio. É muito difícil fazer a roda do sucesso parar de girar, até que, num instante de reflexão, percebi que nossos filhos estavam crescendo rapidamente, e que as oportunidades de estarmos todos juntos se tornariam cada vez mais raras. Foi quando tive uma ideia, mas convencer meu marido de que deveríamos viajar em família foi como derrubar um muro sólido da rotina e das nossas convicções. Mas eu estava decidida de que teríamos que viver isso juntos.
As meninas eram ainda pequenas e eu sabia que tudo terminaria bem. Da minha parte, fiz uma grande ressalva na agenda de trabalhos. Senti que aquele intervalo seria importante. Pela primeira vez me daria férias compulsórias para uma longa viagem em família. Apesar dos protestos de familiares e dos amigos, que julgavam como irresponsável a decisão de irmos de veleiro para a Antártica, não parei o planejamento. Depois de quase um ano de preparativos para nossa viagem, partimos. Desde o início, foi uma viagem de conhecimento, emoções e descobertas. Nos unimos como um time. Juntos, com um livro-guia excelente nas mãos, aprendemos muito sobre o continente gelado e sobre animais polares.
Quando estávamos concluindo a viagem, decidi fazer uma fotografia que representasse a conclusão da nossa jornada de férias ao continente branco. A imagem deveria ter outra perspectiva das demais que eu já tinha feito. Seria captada do topo do mastro do nosso veleiro, mostrando o barco cercado de gelo ao seu redor. Decidida, subi o cordame da embarcação, escalando os 36 metros de altura que separam o deck do topo do mastro. Quando eu já estava lá no alto, ouvi, à distância, o Amyr gritar que eu deveria descer porque, afinal de contas, minhas fotografias não serviam para nada.
Aquilo foi um choque pra mim; me aborreci, mas não desci lá do alto. Continuei ali pendurada, em comunhão com a natureza, admirando e fotografando uma paisagem extraordinária. Eram ilhas brancas, cobertas por gelo e neve; placas de gelo flutuantes de diferentes tamanhos e formatos, e a água crespa desenhando o vento que soprava, naquele dia, excepcionalmente silencioso. Olhando todo esse branco, entendi: a provocação que senti pelo comentário de Amyr foi a centelha que faltava para eu encarar um novo desafio: passar a levar a fotografia a sério.
Aquele instante me fez pensar sobre os ciclos da vida. Percebi que, mesmo tendo me tornado uma assessora de eventos de sucesso, aquele era um capítulo que já tinha se encerrado e eu não tinha me dado conta de que apenas seguia em “moto-contínuo”, mantendo uma atividade que já não era mais desafiadora. Foi então que aconteceu um turning-point. Era hora de encerrar aquela etapa e começar a escrever um novo capítulo.
Navegando de volta ao Brasil, observava o mar, buscando possíveis estratégias para agregar valor ao conteúdo armazenado nos meus HDs. Ao voltar para casa, enfrentei a difícil tarefa de fechar minha empresa de eventos. Mas a decisão já estava tomada. A partir dessa reviravolta na minha vida, descobri que, muitas vezes, não nos damos conta de que nos colocamos limites imaginários. Nos acomodamos numa profissão e esquecemos de olhar ao redor para enxergar novas oportunidades que vão passando.
Fiz uma seleção de imagens das minhas viagens para a Antártica que incluíam as ondas descontroladas do estreito de Drake; os icebergs monumentais ao longo da península Antártica; os animais polares em seu habitat e as diferentes aves pelágicas no oceano Austral. Consegui um patrocinador que concordou em me apoiar e pude publicar meu primeiro livro. Na sequência, vieram outros livros além de dois infantojuvenis. Alguns dos meus registros de viagem foram publicados em jornais e revistas; muitas ampliações foram expostas em espaços corporativos e espaços públicos pelo Brasil e exterior, como em Kaiserslautern, na Alemanha.
Aos 50 anos de idade, comecei a receber convites para apresentar palestras motivacionais, inspirando plateias a ter coragem para acreditar nos próprios sonhos. Entendi a mágica da fotografia ao aproximarmos o público geral a lugares onde muitos não teriam acesso diretamente. Através de imagens, construo pontes invisíveis conectando as pessoas a destinos espetaculares: as regiões remotas do deserto da Namíbia; a ilha Incahuasi, no Salar do Uyuni; as linhas de Nazca; a floresta impenetrável de Bwindi; o mar de Weddell; a ilha Oceânica de Trindade, dentre tantos outros. Além disso, minhas imagens trazem uma reflexão sobre o importante tema das causas ambientais e das significativas mudanças climáticas, da urgência da nossa intervenção para conter o acelerado ritmo do consumo e desperdício.
As mudanças que fiz abriram oportunidades de vivenciar viagens incomuns no Brasil e no exterior. Assim como eu venci meus limites, um resultado inesperado das minhas mudanças é o de hoje poder influenciar muitas pessoas a conhecerem destinos inusitados. Cada viajante tem diferentes expectativas e aptidões físicas, por isso procuro ser muito clara sobre os desafios de cada jornada que idealizo e descobri que dividir experiências é uma sensação maravilhosa!
Lembro que tive medo do desafio de subir o monte Roraima. Parecia intransponível para uma mulher nos seus 50+, até o dia em que decidi enfrentar meus medos e segui em frente, nos nove dias de trilha, caminhando pelo planalto das Guianas, sempre carregando comigo a mochila e minha câmera fotográfica. Me emocionei extraordinariamente ao alcançar o cume, o famoso Maverick, e ver o longo caminho que percorri para chegar lá no alto, vencendo aclives, declives, rios e pináculos. Isso me mostrou que, quando acreditamos em nós mesmos, as janelas de oportunidade começam a se abrir. Entendi que muitas das nossas fronteiras são barreiras imaginárias, e que cabe a nós testarmos nossa capacidade de vencer todas elas, uma de cada vez. Podemos nos surpreender com os resultados.
Marina Bandeira Klink é fotógrafa de natureza, especialista em regiões remotas. É autora de livros de fotografias e infantojuvenis adotados em escolas de todo o país. Seu trabalho também está em livros didáticos, jornais e revistas e em exposições fotográficas no Brasil e no exterior. Ela também elabora viagens de experiência a destinos não convencionais. @MarinaBKlink